Você já curtiu o seu guru hoje?
Da mesma maneira que um suco verde não realiza um detox no seu corpo, um mat de ioga não transforma você em um iogue, um guru não salva a sua vida
Como a sociedade digital e do consumo prejudica a jornada do autoconhecimento ao transformar até o que é essencial e imaterial em objeto de luxo e cobiça. Da mesma maneira que um suco verde não realiza um detox no seu corpo, um mat de ioga não transforma você em um iogue, um guru não salva a sua vida.
Dia desses eu li um texto em que o meu trabalho era equiparado à um desejo de consumo. Um “curso com Ana Raia” estava na mesma frase em que a autora listava objetos e experiências de luxo, como uma bolsa ou uma viagem. Ao ler, fiquei em dúvida se era elogio ou desprezo. Confesso que ainda não tenho 100% de certeza. Contudo, sou grata pela oportunidade de reflexão que o texto abriu: até que ponto estamos pasteurizando, objetificando e consumindo tudo?
Desde que o mundo é mundo – e capitalista – o consumo faz a roda girar. Pode ser um ato de sobrevivência, quando se trata do essencial, ou de luxo, quando se trata do que é supérfluo. Na segunda opção está ligado ao fetiche da mercadoria, “tenho, logo sou”, às gratificações pessoais, “eu mereço” e, principalmente, com a ilusão de que é possível preencher vazios existenciais por meio do ter a “experiência” ou o bem material. Nessa onda do consumir para existir tudo vai para o mesmo balaio: coisas, alimentos, entretenimento, amizades, informações, likes, tempo, estilo de vida, autoconhecimento, caminho espiritual, sexo e até gurus.
Sua vida depende de você , não de um guru
Eu respeito muito os gurus. Tive a sorte de estar com alguns. Guru, em sânscrito define algo como “aquele que tira você da escuridão”, hoje, infelizmente, a palavra se tornou um rótulo de um produto, cujo slogan, invariavelmente, tem a ver salvação e evolução pessoal imediata.
Te digo, não é bem assim. Da mesma maneira que um suco verde não realiza um detox no seu corpo, um mat de ioga não transforma você em um iogue, um guru não salva a sua vida.
Explico melhor: xamãs, pajés, gurus, guias espirituais e mestres existem há milênios e têm o poder de gerar crescimento, evolução pessoal e trazer luz. Ou seja, consciência para outras pessoas através da sabedoria conquistada quando eles realizaram o caminho do autoconhecimento. Contudo a responsabilidade da realização é sua. Não basta só ter o mapa do tesouro na mão, você é a única pessoa que pode trilhar o seu caminho e colocar os aprendizados em ação. Sua vida depende exclusivamente de seus hábitos, de suas emoções, de sua disposição de colocar em prática os discursos, os ensinamentos, as ideias, as inspirações.
A ideia de que podemos ter tudo imediatamente e de que “temos que ter”, viralizou. A realização de sonhos, a construção de relacionamentos significativos e mudanças de hábitos levam tempo e precisam de muita dedicação e ação. Você não compra uma evolução pessoal. Um post e um like não transformam vidas, assim como um quote é insuficiente para a mudança. Mudanças significativas precisam de presença, dedicação, se dão ao vivo, in loco, com algum desconforto e, invariavelmente, são sentidas na pele. Esta é real!
Mas, de quem é a responsabilidade?
Contar com alguém para orientar e mostrar caminhos pode ajudar muito. Mas a responsabilidade é sua. Você é um ser pensante, consciente, rico de emoções, com uma narrativa e uma percepção muito próprias. Tem a capacidade de promover as mudanças que deseja e a de se responsabilizar por sua existência. A vida não acontece pelos posts, cliques, nem pelas palavras de quem você elegeu ou comprou como salvador. E isso se dá simplesmente porque gurus e transformações pessoais não são produtos, não estão em prateleiras, assim como não está no mercado a autoestima, a autoconfiança ou a coragem.
Cuidado com as agitações do dia a dia
No entanto, no corre do dia a dia é fácil cair nesta ideia de que é possível consumir a realização pessoal. No meio do furacão, pasteurizar a sua vida, esquecendo de analisar, levar para dentro, refletir, é perigoso. Quebrar essa dinâmica é escolher ter tempo para digerir, ao invés de mimetizar, de reproduzir padrões, ideias, comportamentos. Trata-se de uma caminhada com mais questionamentos e menos respostas prontas. E quer saber? Esta é a bussola para encontrar o seu caminho, a sua autenticidade, a sua fórmula de sucesso, o seu verdadeiro guru, que é sempre você!
Eu sempre deixo isso claro nos cursos e palestras que ofereço: todos temos um guru dentro de nós com todas as respostas que precisamos. Há quem me chame de guru, mestra, guia. Agradeço a confiança e ressalto que mais importante do que acreditar em mim é acreditar em si. Sou uma facilitadora, não sou um produto nem de luxo, nem trivial, eu estudo e vivo para exercer a minha profissão. Repito: tive muitos gurus e sei da importância de cada um deles para minha trajetória.
E como vai o seu guru hoje?
Contudo, nunca consumi nenhum deles, sempre os questionei porque acredito na troca e na minha integral responsabilidade pela minha vida. Ninguém mais, além de mim e do meu guru interno, tem a liberdade de interferir na maneira como entendo, sinto, qualquer ensinamento ou emoção. O mesmo acontece com você. Porque somos exatamente idênticos em nossa humanidade, enquanto totalmente únicos em nossa essência. E todos temos sim um guru muito particular e poderoso.
Aliás, você já curtiu o seu guru hoje? Já mergulhou no silêncio para escutá-lo? Se sim, dê um like para si mesmo e saia radiante sabendo que você só depende de uma pessoa neste mundo para ser feliz. Mas, saiba: esta pessoa é você.
Ana Raia trabalha há mais de 15 anos com desenvolvimento humano. Ministra cursos particulares e coletivos, palestras e workshops. É estudiosa das ciências humanas e é tão humana quanto você. Seu instagram é @anaraia. Escreve neste espaço mensalmente, na terceira terça-feira do mês.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login