“Você acredita em Deus?”
Não quero dizer nada que ofenda ou contrarie ninguém. Creio no livre arbítrio e respeito a história de cada um. Quero dizer o que sinto a respeito de Deus.
Percebo a manifestação de Deus fora e o reconheço dentro de mim também. Sobretudo, Deus para mim é a inspiração amorosa que nos move ao ato de criar.
Olhando para o céu boreal pude ver muitas noites estreladas e um vasto universo em movimento. Percebi que esse movimento do universo segue uma ordem. Mesmo que eu ainda não o consiga compreender, algo me diz que dentro de nós seguimos a mesma orientação.
Entendo que Deus está nessa conexão, está na ação de ligarmos nosso universo interior com o de fora. Como a luz que acende quando ligamos o polo negativo com o positivo.
Deus se faz presente no ato de equilibrarmos nossos aspectos negativos e positivos. Quando fazemos essa conexão dentro de nós, criamos a nossa conexão com o universo.
A ação que nos aproxima de perceber a divindade dentro e fora de nós é o ato de entendermos que o nosso poder de escolha quando vem do coração verdadeiramente nos leva a paz. Esse movimento é Deus, e não apenas a ideia de um Ser em um estado latente divino.
Capacidade divina inata
A capacidade divina de transformação que nós trazemos não mobilizada nos afasta da compreensão de Deus e nos aproxima das crenças, dogmas e religiões que nos colocam diante um materialismo espiritual estagnado e controlador. Bem, mas o que eu percebo como controle?
Controle é a tentativa bem-sucedida de nos imobilizar e que vem nos impedindo que o nosso poder criativo interaja com a inteligência divina e amorosa, assim, impossibilitando que nós reconheçamos a nossa identidade e propósito.
Religião é a tentativa de colocar toda a água dos oceanos dentro de uma garrafa. Espiritualidade é quando você percebe que tem um oceano dentro de você.
Também vejo que a religiosidade tem um grande valor no caminho do entendimento da individualidade, pois o caminho de se desnudar e se desapegar de nomes é o caminho de todos nós.
Ação, percepção e sentimento
Quando a ação não se faz, a luz se esconde na sombra. Com isso, o verdadeiro Deus deixa de existir, dando espaço a uma concepção mental de Deus. A percepção de Deus vai mudando com a nossa jornada.
Sinto que teremos muitos deuses conforme a nossa consciência vai se expandindo. O que sentimos, ou percebemos, ainda é a manifestação de Deus nesse mundo distante. Seria como dizer que, ao sentir a luz do Sol nos aquecendo, que sabemos alguma coisa a respeito desta estrela.
Deus é a manifestação da própria vida e vida é um movimento de transformação. E transformação é o que vejo quando olho para o céu. Quando não olho para o céu, vejo-me estagnado, e me distancio da essência de Deus.
Vejo Deus como uma ação, e não como um ser. Não seria apenas a beleza da flor, mas a fotossíntese que ela faz, mobilizando a capacidade que ela tem de transformar a energia da estrela que a enviou pelo espaço sideral. Esse entendimento da flor em se transformar e crescer é Deus. Observando por este prisma, Deus é um entendimento amoroso que mobiliza a capacidade criativa de cada ser a caminho do movimento de constante evolução.
Não vejo a flor se negar em ser flor ou se negar a se desabrochar, mas vejo isso na humanidade. O vento não se nega a ser vento e a cumprir seu papel de carregar o pólen para longe, ou mesmo de empurrar meu barco para seu destino. Somos nós que nos negamos a desabrochar, o que nos possibilita seguirmos para nosso destino brilhante, viajando por um caminho de infinitas possibilidades criativas.
Essa eterna jornada em movimento que podemos criar através das nossas escolhas, provenientes da nossa capacidade de conexão, é como vejo Deus. Deus não é apenas um caminho, não está apenas em quem caminha, mas sim também no resultado da jornada criativa.
“Você acredita em Deus?”
Alguém pode se indagar a respeito de Cristo, Buda ou Maomé. Não consigo saber quem foram, só posso dizer sobre algumas de suas ideias. Prefiro me ater aos conceitos amorosos e pacifistas do que acreditar em algo que não posso saber. A personificação desses seres de luz nunca deixou meu coração acomodado.
Por isso, nunca me senti bem a pergunta: “Você acredita em Deus?”. Não acredito em Deus. Mas reconheço Deus em mim, nos meus atos de sombra e de Luz, e na natureza da qual eu faço parte.
Tentaram me mostrar um Deus humanizado, que julga, que dá e que tira, e que em orações precisamos pedir por proteção. Essa ideia tem origem no medo. Um dia, dei-me conta que não precisava pedir nada — aliás, percebi o quanto estava sendo ingrato ao pedir.
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Preferi escolher o caminho do reconhecimento. Reconhecer é uma forma de intuir que vim para cá trazer um esclarecimento para o planeta, e que esse ato voltará para mim equilibrando as minhas emoções.
Como posso acreditar em algo que não vivi? Como posso acreditar em algo que não experimentei? Acreditar é dar crédito e fazer isso com algo que não foi vivido, não me cai bem. Jamais assinarei um papel em branco sobre o que é mais sagrado na minha vida, que é a oportunidade de trilhar a jornada do discernimento e da iluminação proveniente das minhas experiências.
Sobre a jornada
Este é um caminho de solitude, de dor, de descoberta, de erros e que, muitas vezes, pode ser confundido como um abandono, mas a grande beleza dessa jornada é perceber que caminhamos juntos, separados na prática do relacionamento.
Fala-se muito nas grandes descobertas da humanidade, mas sinto que um dia entenderemos que a decisão de despertar foi o evento mais importante que a humanidade tomou em qualquer tempo. Entretanto, ainda procuramos um conceito de espiritualidade equivocado.
Equivocamo-nos em pensar que somos seres humanos imperfeitos. Seria melhor percebermos que pervertermos os conceitos divinos, causando sofrimento, e nos distanciando de Deus.
Vejo assim: somos bailarinos, mas insistimos em dançar a música errada. Isso não significa que não possamos saltar.
Como expliquei, não acredito em Deus, mas reconheço Deus em mim.
Também reconheço Deus no voo do pássaro, no salto do bailarino, no céu estrelado dos mares do Sul, no ato de perdoar, na compaixão pelos desafortunados, no reconhecimento de que a jornada é longa, na alegria de estar com os amigos, na gratidão de ter sido concebido por meus pais e no encontro de um grande amor.
Para ler mais do Beto: O que é a fé? E por que ela é o oposto do medo?
Confira todos os textos da coluna de Beto Pandiani em Vida Simples.
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