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O medo e o seu antídoto: a consciência como guia
Stephen Leonardi/Unsplash Foto: Stephen Leonardi/Unsplash
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No texto deste mês, Beto Pandiani relembra uma viagem na qual viveu valiosos ensinamentos sobre o medo e a importância da consciência. A seguir, ele nos mostra que “ninguém consegue se conectar com a sua intuição quando é controlado pelo medo”.

No final do ano de 2000, estávamos velejando pelo extremo Sul das Américas, mais especificamente na Tierra del Fuego. Velejávamos em dois pequenos catamarãs, e formávamos duas equipes com dois velejadores em cada barco.

A região é conhecida por seus fenomenais vendavais. Diante daquela situação de grande risco, éramos obrigados a jogar xadrez com o vento. Nesta estratégia, temos que dosar a audácia com a cautela, a ânsia de partir com a sabedoria de esperar.

Em um determinado dia, acordamos acampados em uma praia. Ventava muito e a temperatura estava na casa dos 5 graus com a sensação térmica abaixo de zero. Tínhamos que tomar uma decisão: partir ou ficar mais um dia acampados esperando as condições melhorarem.

Nos reunimos para avaliar. Três velejadores sentiam que, mesmo com aquelas condições, era possível velejar, principalmente porque o vento era favorável, ou seja, soprava nas nossas costas. Mas um dos tripulantes estava se sentindo desconfortável e com medo de ir para o mar.

Decidimos ficar, pois sempre optamos pela decisão mais conservadora e jamais desrespeitamos uma decisão individual, mesmo que esta decisão prejudicasse o cronograma da viagem.

A maioria, quando é consciente, entende o direito individual como algo sagrado e o aceita.

Esta história tem para mim vários elementos interessantes para serem avaliados. O principal, sem dúvidas, é o medo. Qual o valor do medo? E quando ele é ou não negativo?

O poder das decisões

Se estamos no mar e somos pegos por uma tempestade em um barco sem cabine, em uma região como a que citei no início do texto, é natural sentirmos medo no primeiro momento. Mas, pode acontecer duas coisas. A primeira: o medo gerar pânico na equipe. E a segunda: nós nos perdermos emocionalmente e virarmos reféns de nós mesmos.

Nesses dois cenários, tomamos as piores decisões, certamente. Costumamos agir de forma precipitada e irracional. Normalmente, quem age controlado pelo medo, não está preparado para lidar com situações de estresse por não confiar em sua capacidade. A mente contaminada pelo medo foca sempre no resultado negativo.

Mas o medo também pode servir de forma positiva. Assim, ao contrário, quando o velejador percebe através do medo que existe uma situação de risco, dentro dele acende uma luz vermelha de alerta e ele passa a velejar com a atenção redobrada. Ele coloca toda a sua habilidade e conhecimento para sair daquela situação, ou se for o caso, chegar em algum lugar abrigado.

Na verdade, a equipe consciente entende a natureza do caos como oportunidade de aprimoramento.

A grande diferença entre as duas situações, é que, na primeira, o velejador se tornou refém do medo e passou a ser controlado. Na outra situação, o medo é como um balizamento para manter o velejador 100% atento e conectado com a sua intuição.

Este é o ponto chave desta história. Ninguém consegue se conectar com a sua intuição quando é controlado pelo medo. No máximo você acessa o instinto, mas nem sempre é suficiente para se salvar.

A intuição, no caso de uma gestão de crise, é fundamental. Só ela é capaz de mostrar saídas criativas, soluções inteligentes e amorosas.

Claramente, vejo neste exemplo dois tipos de tripulantes: os mais conscientes e os menos conscientes. Os mais conscientes são mais experientes e mais preparados. Os menos conscientes possuem outro aspecto comum em grupos de pessoas controladas pelo medo que é a presença da consciência de vítima. Quem se sente vítima nunca se responsabiliza e tem o hábito de explicar seus fracassos com a acusação de alguém, ou de um grupo, ou mesmo do sujeito oculto, o mundo por exemplo.

LEIA TAMBÉM: O que é a fé? E por que ela é o oposto do medo?

A consciência e seus efeitos

Agora, vamos olhar para o presente em nosso planeta. Vemos uma grande maioria controlada pelo medo e pela ignorância. São pessoas que não conseguem se conectar com a sua intuição e olhar para os acontecimentos com isenção.

Quem é controlado sempre procura pensar como o rebanho, pois isso dá a sensação de segurança. Quem já viu uma manada assustada correndo já percebeu que quem está no meio não consegue saber para onde está indo e o indivíduo corre porque todos correm. Não existe discernimento quando o medo é o vetor de controle.

A questão é que hoje o controle é tão grande que a grande maioria entende que, por serem em maior número, todo pensamento proveniente desta massa é o correto a ser seguido. Passam a acreditar que esse é um preceito da democracia. A maioria deve decidir e impor a sua ideia.

Mas existe algo que passa despercebido. Essa maioria que quer controlar não percebe que é controlada a acreditar em uma verdade que lhe foi mostrada como solução. Mas, como a grande maioria sente medo, não é difícil perceber que todas essas falsas crenças são um alento para o rebanho assustado.

O medo e o autocontrole

Assim, vemos hoje um jogo complexo de narrativas convenientes a quem é controlado e a quem quer controlar por sua vez. Quem controla tem interesses claros, e quem é controlado age coagido pela falta de capacidade de refletir guiado pelo coração.

O interessante é perceber que nesse jogo foi instituído uma forma de autocontrole. Como quem controla não tem capacidade de fiscalizar todos os controlados, foi inventado um sistema baseado em uma grande fragilidade humana, o julgamento.

O sistema se autorregula, pois hoje todos são carrascos e prisioneiros ao mesmo tempo. Carrascos ao lacrarem os outros de forma covarde, sem perceber que ao levantar o dedo para acusar, estará exposto a um tribunal mais cedo ou mais tarde. Do outro lado está o prisioneiro, pois a maior prisão que existe é a prisão da mente guiada pelo medo.

Por fim, percebo hoje no planeta uma minoria consciente que tenta viver livre do julgo da grande maioria que não tem consciência.

As massas são controladas e esta é a sua experiência, por isso elas não aceitam ninguém que pensa ao contrário. O que legitima suas ações é a ideia imperfeita de democracia que é formada por uma maioria que tem sempre razão.

Confira todos os textos da coluna de Beto Pandiani em Vida Simples.


BETO PANDIANI  (@betopandianié velejador, palestrante e escritor. Velejou da Antártica à Groenlândia, cruzou dois oceanos (Pacífico e Atlântico), sempre em pequenos veleiros sem cabine. Tem sete livros publicados.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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