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Uma existência delicada
Foto: Bruno Nascimento/Unsplash
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Quando um bebê nasce prematuramente, entre 24 e 28 semanas de gestação, a pele é muito fina. A delicadeza é tanta que é possível ver as veias permeando seu corpo diminuto. Para limpá-lo, somente quando necessário e fazendo isso com água morna ou soro. Pessoas sensíveis se sentem assim: com uma camada fina e delicada que as deixa transparentes e mais suscetíveis a serem machucadas. A diferença entre elas e os prematuros é que, no segundo caso, em apenas duas semanas a pele já tem a mesma aparência de um bebê nascido a termo. Já quem é sensível passa uma vida de fragilidades.

A vida se faz

Ser sensível fez de mim uma criança tímida, reclusa em si mesma. Fechada para não ser machucada. Adulta, percebi que isso não adiantava, eu ia seguir sentindo tudo, com intensidade. Você é capaz de se alegrar e se emocionar com uma flor, um sorriso. Outro dia, chorei ao observar meu filho assistindo a tevê. Ele está tão grande. Me toca vê-lo crescer, como também sua irmã. Quando um deles me pega, assim do nada, com lágrimas escorrendo pelo rosto, apenas perguntam: “O que foi mãe?” Não foi nada, estou apenas emocionada por você ser minha filha ou meu filho. É a vida se fazendo bem na minha frente. Privilégio.

Da mesma forma, recentemente, me peguei olhando fixamente para o meu pai. Observando seus gestos lentos, seu rosto demonstrando o tanto que está confuso no meio das conversas. Doeu. Profundo. Sinto, a cada encontro, a sua presença sendo desfeita. Na minha frente e sem que eu possa fazer nada. Também é a vida se fazendo. De certa forma, é um privilégio, mas é pre- ciso apreciar com moderação para não ultrapassar o limite da pele fina.

Quando estou desatenta e me perco numa onda de tristezas – dessas que talvez passasse despercebida para a maior parte das pessoas –, tento refazer minhas partes desfeitas na palavra para que possa, de alguma forma, me remontar.

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Zona de segurança

Ser sensível é esta pele permanentemente passível de ser ferida a um simples toque, aos tropeços da jornada, ao amor e até ao cuidado. Mas foi assim que nasci. Para sobreviver e tecer a sua própria capa protetora, é preciso encontrar um lugar de segurança, sem julgamentos, onde a fragilidade brota como força, nos elos que vão se unindo sem que nada os desfaça. Para mim, é a escrita. Este espaço que me acolhe, onde posso me colocar à vontade e ser.

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Conteúdo publicado originalmente na edição 276 da Vida Simples.

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