Um bolo de fubá só para mim
Cozinhar algo apenas para nos agradar é um ato de amor e generosidade bonito com a gente mesma
Cozinhar algo apenas para nos agradar é um ato de amor e generosidade bonito com a gente mesma
Pensei em fazer um bolo de fubá com goiabada. Adoro bolo de fubá. Gosto de todo o processo. Do misturar os ingredientes na batedeira, de colocar os pedaços de goiabada, que precisam ser passados na farinha de trigo para se manterem aos pedaços durante o cozimento, e de perceber a magia que acontece quando a massa crua vai para o forno. A transformação de um bolo é sempre algo bonito demais de se apreciar. Eu tinha me esquecido disso. Até que meus filhos me lembraram. Quando Clara e Lucas eram pequeninos – e gostavam de estar comigo na cozinha –, depois da massa crua ir para o forno, eles corriam a cada cinco minutos para a frente do forno para apreciar seu crescimento e vibrar a cada pequena mudança.
Para quê fazer um bolo apenas para mim?
Mas a possibilidade de fazer o bolo apenas para mim, me fez quase desistir. Meus filhos não gostam de bolo de fubá. Para quê fazer um bolo apenas para mim? Fiquei matutando sobre isso um bom tempo. E achei interessante como fazer algo apenas para mim soava tão mal, inadequado até. “Que exagero”, eu pensava. “Que despropósito”, eu repetia. Nos últimos anos, tudo tem girado em torno da Clara e do Lucas, seus gostos, desejos, vontades. E essa tem sido minha busca – de mim mesma – nos últimos anos.
Tive uma gravidez de gêmeos aos 36 anos, quando achava que a maternidade não seria mais uma possibilidade. Lembro da sensação ao vê-los pela primeira vez. Eram tão pequeninos. E senti medo, muito medo. Será que eu ia dar conta? E a verdade é que eu não dei conta. Fui afogada por uma rotina que estava muito longe daquilo que eu imaginava ser a maternidade. Eu não dormia e por isso não pensava direito. O tempo foi passando, os meses e depois os anos. E eles sobreviveram as minhas falhas e a minha busca por ser a melhor mãe possível.
Mãe possível
Os levei rigorosamente ao pediatra, dei todas as vacinas, passei noites em claro quando um estava com febre – e o outro também. Fui a todas as reuniões da escola. Li histórias à noite, cantei para dormirem, brincamos ao ar livre, andamos de bicicleta, preparei refeições caseiras e saudáveis, aprendi a ouvi-los e a ama-los mais e mais a cada dia. Quando completaram 7 anos – e com o final da primeira infância – fiz festa em casa, com brigadeiro, brincadeiras e enfeites feitos por mim. Eternizei aquele momento na pele em uma tatuagem, no braço esquerdo (o que tem linha direta com o coração), com o nome dos dois. Parecia estar tudo certo, mas não estava.
Quando os cuidados extenuantes amenizaram, e as crianças passaram a ficar mais independentes, um vazio foi me habitando. Foi então que me dei conta de algo difícil de acolher: eu havia me perdido. Ninguém havia me contado que eu poderia me perder neste processo. Perceber isso foi doido. Onde eu estava? Meus gostos, minhas roupas preferidas, meu estilo, minhas músicas, meus amigos para sair e dar risadas, meus sonhos, meu bolo preferido…
Um bolo para mim
Eu sei que a maternidade é feita de escolhas, mas a gente não pode deixar de se escolher no meio de tudo isso, porque se você se perde, se esvazia e os filhos precisam de uma mãe inteira. Foi então que fiz um caminho duro e igualmente bonito nesta jornada: mergulhar em mim mesma. E tanta coisa boa veio dai. Passei, então, a conversar mais com Clara e Lucas com mais transparência e compaixão, a me perdoar mais e a desculpa-los também. A me escutar e a ouvi-los na mesma medida.
Acho que me encontrar trouxe para a minha história com meus filhos um olhar mais humano e menos de “super mãe”. Sinto, agora, que estamos nós três, eu, Clara e Lucas, vivendo uma verdadeira relação de amor. E este amor é a vivência mais linda que eu poderia experimentar e que vai muito além do que qualquer manual de educação conseguiria me ensinar…
Desculpe, vou parar por aqui. Preciso levantar e ir ali fazer um bolo de fubá com goiabada. Para mim. Amorosamente para mim.
Ana Holanda é diretora de conteúdo da Vida Simples, autora dos livros Minha Mãe Fazia e Como se Encontrar na Escrita, ambos da Rocco. Gosta de cozinhar e de escrever, sua maneira de estar no mundo e de lidar com seus sentimentos mais profundos. Escreve mensalmente nesta coluna.
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