Ter ou não filhos?
Por que a prática da maternidade está inviabilizando nossos sonhos.
Por que a prática da maternidade está inviabilizando nossos sonhos? Ter ou não filhos — maternidade e a realização profissional são excludentes?
Minha filha tem 10 anos e ainda brinca de boneca. Hoje as bonecas da Chiara são astrônomas, mas já foram empresárias e recentemente uma delas foi estudar fora do Brasil. Na brincadeira, a Chiara explora seus sonhos. As bonecas vivem a vida que ela fantasia ter.
Diferente das bonecas de antigamente, as que habitam a minha casa raramente são mães. É cada vez mais comum a escolha por não ter filhos. As razões são múltiplas. Por exemplo, algumas mulheres se preocupam com questões climáticas, enquanto outras simplesmente não têm o desejo. Além disso, um número crescente de mulheres escolhem seguir sem filhos porque seus sonhos são incompatíveis com a maternidade.
Maternidade e realização podem coexistir
Antes de tudo, não defendo que maternidade e realização sejam necessariamente excludentes. Por exemplo, foi depois dos filhos que alinhei a minha atividade profissional àquilo que move a minha alma. Foi por amor a eles que adentrei terrenos que talvez jamais tivesse explorado. Hoje considero-me realizada também pelas descobertas que a maternidade me incitou a fazer.
Esquece que dói menos
Mas a maternidade não é o único caminho para o autodesenvolvimento. Aliás, há quem use a maternidade para fugir de si. Quantas vezes carregamos a medalha da natação como se nossa fosse, e esquecemos das medalhas próprias que gostaríamos de ganhar?
Para muitas de nós, o esquecimento funciona como estratégia de enfrentamento. Esquecemos dos nossos sonhos para sofrer menos. Afinal de contas, a regra social é que as mães estejam disponíveis para a família durante as 24 horas dos 7 dias da semana. Um papel que inviabiliza qualquer outro que demande dedicação.
Mães no paredão
Segundo o IBGE, em 2019, as mulheres receberam 77% do salário dos homens. Além disso, é incomum que mulheres cheguem a posições de destaque nas organizações. Apenas 8% das 500 maiores empresas do mundo têm mulheres CEO. Nesta posição, a nossa representatividade é similar à dos homens chamados John. É verdade, temos 40 Johns e 41 mulheres ocupando o cargo de CEO nas 500 maiores empresas do globo. E, diga-se de passagem, este é nosso recorde. Historicamente, Johns tem tido mais sorte.
Glass ceiling, ou teto de vidro, é o nome dado à barreira invisível que dificulta que as mulheres sejam promovidas para cargos importantes. Mas esta é uma barreira que as mães não costumam conhecer. É que muito antes disso somos eliminadas no paredão. As pesquisas chamam de Maternal Wall os obstáculos profissionais impostos às mães. Não conheço os dados no Brasil, e é provável que nem os tenhamos. Mas, nos Estados Unidos, por exemplo, as mães ganham em média 15% menos do que mulheres que não têm filhos e 31% menos do que os homens em posição similar. As mães também têm menor probabilidade de contratação.
Além disso, cerca de 30% das mães passam tempo expressivo longe do mercado de trabalho. E engana-se quem pensa que é por escolha. Na maioria das vezes, a mãe sai do mercado pela desvalorização profissional e por não ter com quem dividir as obrigações familiares. Por exemplo, na pandemia da covid-19, a saída das mães do mercado de trabalho foi 46% mais frequente do que a saída de mulheres sem filhos. A saída das mães foi quase três vezes maior do que a saída de pais. Mesmo que esses dados sejam americanos, não há indícios de que nossa situação seja melhor.
Jornada dupla em tempo integral
Para as mães, competir por espaço profissional com homens é como correr uma maratona vestindo roupa de borracha enquanto o seu oponente usa shorts e camiseta dryfit. Mães que trabalham precisam ter clones para dar conta de tudo. É como dormir com o cobertor curto, quando cobrimos os ombros, descobrimos os pés. Talvez o problema não seja o tamanho do cobertor, mas o fato de que o pai dos seus filhos não ocupe tantas horas do dia cuidando da família que vocês têm. Esse trabalho, ou a maior parte dele, ficou para você e para a mãe dos filhos do seu oponente.
Considere a forma com que as famílias manejaram as demandas com os filhos durante a pandemia. Uma pesquisa avaliou que, em lares onde mãe e pai trabalhavam em período integral, o arranjo mais comum era que a mulher cuidasse de tudo. Na maioria das famílias, foram elas quem cozinharam, deram banho, trocaram fraldas e cuidaram da aula online. No entanto, nas casas em que as mulheres faziam tudo, os casais brigaram mais e a performance no trabalho foi pior — tanto para a mãe quanto para o pai.
O peso das expectativas
Socialmente, é esperado que a mãe dê conta de tudo. A expectativa social é que apenas as mães priorizem a família. A regra é: mães cuidam, pais trabalham. As regras sociais importam porque elas moldam o comportamento das pessoas e influenciam as instituições. Tendemos a agir conforme às expectativas. É natural – e até evolutivamente programado — que o ser humano busque aprovação social.
Segundo as pesquisas, depois que se tornam mães, as mulheres são tratadas como se não pudessem mais comprometer-se com o trabalho. É quase como se as pessoas tivessem pena da mãe que exerce atividade profissional. Querem dar tempo e espaço para que cuide da família. Logo, projetos desafiadores e promoções passam ainda mais longe das mulheres que têm filhos.
Ao mesmo tempo, pais que procuram trabalhos que os permitam participar da rotina dos filhos são desvalorizados profissionalmente. A licença paternidade é malvista. Enquanto isso, as pesquisas mostram que pais que tiram a licença têm melhor relacionamento com os filhos até 9 anos depois. Nestas famílias, as taxas de divórcio diminuem. Além disso, a mãe tem mais sucesso profissional e melhor saúde quando divide igualmente o cuidado com as crianças.
Quem arca com os custos das suas decisões?
Muitas mulheres não têm o desejo de ser mãe. Outras talvez tenham mais medo do que vontade. Temos sonhado cada vez mais alto. A cada geração acreditamos mais na possibilidade de tornarmo-nos quem desejamos ser. No entanto, a prática atual da maternidade inviabiliza muitos destes sonhos.
Optar ficar de fora pode ser uma solução. Lutar para exercer uma maternidade não opressora, também. Cada decisão tem seu ônus e bônus. É só quem veste o sapato que sabe onde ele aperta. Mesmo assim, é certo que julgarão as suas escolhas. Se não tiver filhos, será chamada de egoísta. Se tiver filhos e trabalhar, falarão da sua ausência. Por fim, se os tiver e não trabalhar, dirão que irá se arrepender.
O fato é que quem te julga não aparece para dividir com você o custo das suas decisões. Por isso procuro, desde já, ensinar à minha filha a arte de desconsiderar a opinião alheia. Pratique você também.
ADRIANA DRULLA é Mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.
*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login