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Será que as pessoas podem ler os nossos pensamentos?
Rebe Pascual
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“Há certo gosto em pensar sozinho. É ato individual, como nascer e morrer”.
Carlos Drummond de Andrade

Você assistiu ao filme “Do que as mulheres gostam”? Dirigido por Nancy Meyers e protagonizado por Mel Gibson e Helen Hunt, o longa foi sucesso de bilheteria em todo o mundo. A história é interessante. Nick Marshal (Gibson), depois de sobreviver a um acidente, em uma condição realmente extraordinária, desenvolve a capacidade de ouvir os pensamentos das mulheres. Com essa habilidade, passa a saber o que está na cabeça delas e, principalmente, de tudo o que elas gostam. E tira proveito desse dom.

Essa obra de ficção é, na verdade, uma interpretação de um fenômeno que há muito tempo preocupa à humanidade – a possibilidade de que possam ler e interferir no pensamento das pessoas.

Na década de 1950, durante a época da Guerra Fria, havia uma paranoia: algumas pessoas achavam que seus pensamentos poderiam ser controlados por ondas de rádio e tecnologias avançadas. Essa operação já estaria em curso a partir das ações de espiões treinados por órgãos governamentais ou entidades secretas.

O antídoto imaginado para a população se defender desse programa de espionagem seria o uso de um chapéu de alumínio. O objeto conseguiria impedir essas influências. Esse conceito atravessou as décadas até chegar aos nossos dias.

O chapéu de alumínio e as teorias da conspiração

Na verdade, virou uma espécie de zombaria. É só surgir notícia de teses ou prognósticos conspiratórios que estejam sendo arquitetados, que seus críticos brincam, dizendo que irão se proteger com o chapéu de alumínio.

Eu nasci na década de 1950, mas nunca ouvira falar nesse tal artefato. Mais recentemente, depois de ouvir a expressão em filmes e programas jornalísticos, é que fui pesquisar para tentar entender o seu significado. Foi então que me lembrei de uma história surpreendente – tive um amigo de infância que sofria muito porque imaginava que as pessoas pudessem ler seus pensamentos.

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Revelou o segredo

Seu nome era Aristóteles. Se, durante uma conversa, ele fosse atacado por alguma ideia negativa ou comprometedora, lutava para mudar o pensamento, pois tinha certeza de que a pessoa com quem conversava “ouvia” claramente o que estava em sua cabeça. Essa mania o atormentava. Vivia com receio de se aproximar do grupo de amigos. A situação se tornou tão séria que passou a viver isolado, longe de todos.

Por não aguentar mais a solidão e se sentir pressionado com aquela paranoia, caiu na besteira de abrir o coração para o Rasputin. Não poderia ter escolhido pessoa pior para contar os seus segredos. Rasputin ouviu atentamente os desassossegos do amigo. Usou a voz mais meiga que pôde interpretar para prometer que essa confidência iria para o túmulo com ele. Aristóteles acreditou e se sentiu aliviado.

Foi traído pelo amigo

Mal sabia o infeliz que no dia seguinte as torcidas em peso do Corinthians e do Flamengo já conheciam todos os pormenores da sua aflição. Sua vida que já estava complicada se transformou num verdadeiro pesadelo. Rasputin não deixou uma alma viva sem se inteirar das esquisitices daquele infeliz.

O coitado sempre fora muito tímido. Bastava não se sentir à vontade em qualquer circunstância que ficava vermelho. Depois de a notícia se espalhar, a vergonha era tanta que começou a ficar roxo. Aristóteles não via saída para o seu problema.

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Solução inesperada

Os amigos azucrinaram tanto a vida do pobre Aristóteles, que, de repente, sem nenhuma explicação lógica, num estalo, ele caiu em si e se deu conta da tremenda asneira que havia criado para sua vida. Em vez de sofrer com as brincadeiras maldosas dos amigos, de uma hora para outra se juntou ao grupo para fazer autogozação.

Antes que alguém fizesse algum tipo de comentário, Ari se antecipava: meus pensamentos são um livro aberto. Comigo não há sigilo que resista. Diante dessa nova atitude, os amigos não viram mais graça em tripudiar. Nunca mais falaram no assunto. Estava na hora de encontrar uma nova vítima para servir de saco de pancada.

Um espião dentro de nós

Embora a história de Aristóteles possa se situar nas fronteiras do folclore, e o filme nos faça pensar a respeito dessa possibilidade, cabe aqui uma reflexão importante e para a qual nem sempre atentamos. É evidente que nosso pensamento não tem voz, não fala independentemente da nossa vontade. Ninguém vai precisar de um chapéu de alumínio para se proteger.

Por outro lado, carregamos em nós mesmos um delator: o nosso corpo. Ele fala. E fala muito. Por mais que o indivíduo fique atento aos seus movimentos involuntários, diante de pessoas com habilidade para analisar a mensagem que o corpo transmite, independentemente das palavras, é como se o pensamento falasse ou tivesse voz.

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A teoria de Reich

A comunicação verbal – e, em especial, aquela apresentada oralmente – é sempre acompanhada de outros aspectos que contribuem para fortalecer ou, em determinados momentos, contradizer o teor do discurso verbal.

Wilhem Reich, na obra ‘Análise do caráter’ diz que “a linguagem humana atua, interfere na linguagem da face e do corpo. Por isso, a expressão total de um organismo deve ser literalmente idêntica à impressão total que o organismo provoca em nós”.

É possível, por esse motivo, independentemente das palavras, observar incoerências na comunicação. Stewart L. Tubbs e Sylvia Moss, na obra “Human Communication”, afirmam:

“Uma interessante questão levantada por Ekman é se as pistas dadas pelos movimentos do corpo são diferentes daquelas dadas pela cabeça e pelos movimentos faciais. Suas descobertas indicam que a cabeça e o rosto sugerem qual emoção está sendo experimentada enquanto o corpo dá pistas a respeito da intensidade da emoção. As mãos, contudo, podem nos dar as mesmas informações que nós recebemos da cabeça e do rosto”.

Por essas e por outras, podemos concluir que o meu amigo Aristóteles não era tão esquisito assim. Ainda que seus pensamentos não tivessem voz, seu corpo poderia contar a um interlocutor atento e experiente o que se passava em sua cabeça.


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