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Saiba ouvir ativamente: essa é a chave para a conexão real
Christina @wocintechchat.com
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Ouvir ativamente é, acima de tudo, revisitar o que supostamente sabemos, dobrando a aposta contra o cinismo. Escutar com abertura – e sem reatividade – é aprendizado e ato de resistência.

Uma das mais célebres entrevistas da jornalista Glória Maria ocorreu de forma inesperada nos anos 70, enquanto ela cobria uma ressaca no Leblon. Ao encontrar com Raul Seixas, que teve seu carro “atropelado” por uma onda, ela perguntou o que ele achava dessa ressaca. Surpreendentemente, Raul disse: “eu tô a favor, a onda está certa. O que tá errado é esse negócio de aterro, de botar edifício”.

Um verdadeiro bálsamo para ouvidos cansados. Algumas décadas depois, parece que a curiosidade, a inocência e a humildade entraram em extinção. Respostas prontas, humano-centradas e (in)questionáveis é que tem valor.

O desafio da tradução

Sustentar um ponto de vista original pode se revelar ainda mais difícil quando entra em jogo a questão da tradução, que traz um desafio extra para a escuta. No livro “Um Brasileiro em Berlim”, em que narra a sua intensa passagem pela cidade, João Ubaldo Ribeiro refere-se à impossibilidade de encontrar equivalências entre palavras aparentemente sinônimas. “Coitado do alemão que vá para o Brasil acreditando que, quando um brasileiro diz “amanhã” está querendo dizer morgen”, diz.

Para o baiano, “amanhã” significa, entre outras coisas, “nunca”, “talvez”, “vou pensar”, “vou desaparecer”, “procure outro”, “não quero”, “no próximo ano”, “assim que eu precisar”, “um dia destes”, “vamos mudar de assunto” e, em casos excepcionalíssimos, “amanhã” mesmo.

Isso me faz lembrar quando morei com o meu então namorado alemão em Berlim. Aprendi que (des)combinar a ida ao supermercado no dia seguinte poderia trazer consequências nefastas caso eu – impulsiva, irresponsável e egoisticamente – mudasse de ideia. Preferir sair para nadar no lago em pleno verão seria tido como um imperdoável desvio de caráter. Ou pior, a minha inutilidade poderia se tornar deveras evidente num contexto onde o planejamento, o preparo, a pontualidade e a persistência reinam em qualquer vida minimamente digna.

Lamento que eu só tenha conhecido recentemente o livro Lost in Translation, que explica o significado de Drachenfutter: literalmente “alimento para o dragão”. Ou o presente que damos ao namorado como compensação por um mau comportamento. Tarde demais.

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Tentar ouvir ativamente

Mas será que nos perdemos na tradução, ou na falta de curiosidade em ouvir, incluindo outras vistas de um ponto? O propósito de pensar, afinal, é permitir que as ideias morram ao invés de nós, já dizia Alfred North Whitehead. Mas a humanidade, de uma forma geral, detesta refletir, mesmo em seu próprio proveito, diz Helena Blavatsky, na peça escrita pela brilhante Lucia Helena Galvão. Noto aqui – imagino que o leitor também – a minha preguiça de pensar. Apoiar-me nestas citações parece mais fácil. Mas ouvir não seria justamente isso? Deixar-se diluir em um Outro? Não sei. Compreender, por vezes, atravessa explicações (já não me lembro de quem roubei essa frase).

Tudo indica que o nosso interesse em ouvir diminui enquanto ganhamos poder e assumimos, portanto, que sabemos mais que os outros reles mortais. O poder seria, então, uma espécie de escudo da escuta. Uma droga do sucesso. Aprendi isso com a Ilka Vogtmann, autora da tese “Por que você é um idiota?, que mostra a relação direta entre o poder crescente e a perda da empatia e da inteligência emocional. Quanto mais reconhecimento externo, menos (auto)dúvida. Em suma, menos ouvir ativamente, e mais sistemas cansados como consequência.

Nosso ponto de vista

As histórias que criamos no plano mental talvez sejam as experiências mais reais que temos. Aperfeiçoamos nossas narrativas, e nos ancoramos nelas. E o que acreditamos possivelmente será o que ouviremos – independentemente do que é dito. As narrativas, sejam elas religiosas, políticas e/ou ficcionais, criam os sentidos e as respostas de que tanto precisamos. Um exemplo ilustre disso foi o discurso feito por JFK nos anos 60 para falar dos esforços dos EUA para irem à Lua. Em uma fala emocionada (e emocionante, por sinal), o então presidente defendeu que fariam isso não porque era fácil, mas porque era difícil. E a pequenez do homem diante do universo pôde ser transformada e ouvida como grandeza e nobreza.

Como coragem nem sempre ruge, ela pode se revelar na simples decisão de ouvir com presença, contemplando a verdade do Outro. Saber ouvir ativamente e Con-versar – ou versar com – é também silenciar. É abrir mão – mesmo que temporariamente – do que achamos que sabemos. Abençoar, no sentido do bem ver, em vez de julgar. E dar o crédito merecido para a pobre da onda. Ou para o alemão disciplinado e eficiente. Acho que vou precisar reencarnar muitas vezes para chegar lá. Mais fácil viajar para a Lua.

Dicas para evitar se tornar um idiota

  1. Pratique o “diálogo finlandês”: neste método, desenvolvido pela Team Academy, a conversa passa por 4 estágios: 1. Ouvir; 2. Respeitar, 3. Suspender o Julgamento, 4. “Papo Reto”, sem rodeios. Afinal, mais vale ser franco que ser fofo.
  2. Assista ao vídeo Fala que eu não te escuto: questione os seus automatismos depois de conhecer (e se divertir com) este experimento.
  3. Entre em contato com o poder do Thinking Environment, desenvolvido por Nancy Kline.
  4. Converse (generosamente) com quem você não gosta: há grandes chances de mudar de ideia. Ou não. 🙂

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