Retorno ao encantamento
Longe de ser um modo infantil de perceber a realidade, encantar-se é permitr que o inédito venha e nos lembre de escutar o mundo

Muito prazer. Eu sou o Xande. Muitos me chamam assim, porque sou dado a fazer amigos facilmente. Estarei por aqui conversando com vocês, mês sim, mês não. Agora tenho o prazer de dizer que sou um dos novos colunistas da Vida Simples – essa revista que renova meu estoque de suspiros reflexivos, há algumas décadas.
Vejo essa publicação como um ato de resistência, uma proposta de retorno ao encantamento pela vida. Diante de tanta rudeza, de tanto conservadorismo violento, há a possibilidade de rememorar o quanto o encantamento já fez parte de nós. Encantar-se pela vida não é coisa de bebê e criança. Poderíamos considerar o encantamento como uma necessidade humana básica. Reduzi-lo a uma característica infantil (e, portanto, a ser “superada” pela maturidade adulta) é um desperdício.
Um dia, depois de uma palestra minha, uma senhora me disse, do alto de seus 83 anos: “Vim te contar que é possível manter os olhos cheios de curiosidade na minha idade”. Ela sorria enquanto falava. Parei por um minuto, as pessoas depois dela querendo falar comigo tiveram que esperar. Eu fitei aquele olhar sorridente, que mantinha a abertura para a vida no brilho que ele não queria nem esconder, nem minimizar. O silêncio daquele rosto íntegro me comunicava que existir era uma atitude intensa, curiosa e bela com o tempo.
Qual é a trilha da vida de quem decide insistir no encantamento?
Também pergunto o que pessoas como aquela senhora têm de diferente? Isso é ingenuidade, é falta de malícia para entender as cicatrizes e as durezas de existir? Nada disso.
Um olhar encantado pela vida é justamente aquele que, ciente de todo o drama, ainda que capaz de perceber todo sofrimento, continua se permitindo um nível de entrega ao que há de mais belo e de mais invisibilizado.
Não percebemos que não percebemos, e assim a amargura vai entrando no lugar onde antes havia um coração mais livre para sentir. Encantar-se pela vida, portanto, é atitude constante, repetitiva, calcada em uma crença fundamental: a vida não vem com manual, nem com o sentido dela em anexo. O sentido da vida tem que ser construído, e mais de uma vez, ao longo de uma biografia.
É justamente na busca por um caminho de encantamento que ele vem. Encantar-se de novo é voltar ao que não deveria ter saído de moda: o encontro com as pessoas, com os bichos, com a natureza, com as histórias humanas e com nossa capacidade de fazer mundos neste mundo.
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