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Reino das Mulheres: veja como é a vida em uma sociedade matriarcal
Arquivo pessoal/André Mafra
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Resolvi contar como foi um dos destinos mais interessantes que conheci nos últimos anos e seus desafios ao nos depararmos com o diferente seja no prato, ou nos costumes. Prepare-se para uma emocionante viagem através do Reino das Mulheres, um dos destinos mais intrigantes que tive a oportunidade de explorar.

Neste relato, mergulharemos nas profundezas de um distante cantinho da China, onde os Mosuos, conhecidos como o “Último Matriarcado”, desafiam as convenções culturais com sua sociedade matriarcal.

Uma aventura pelo Reino das Mulheres

Já fazia muitos anos que ouvia sobre um povoado que ainda existia com características matriarcais lá em um distante cantinho da China, tratava-se dos Mosuos considerado o Último Matriarcado. Tudo estava muito confuso e distante minha referência era um livro pequeno, mas muito agradável chamado O Reino das Mulheres“* escrito pelo argentino Ricardo Coler onde o autor narra de maneira muito leve e bem contada suas aventuras pelo também chamado de Último Matriarcado. Mas será que era verdade tudo aquilo? Como seria possível uma sociedade ainda carregar traços do Neolítico, período dado como do surgimentos de sociedades matriarcais, existir ainda nos dia de hoje?

Hora de fazer as malas

Feita as conversas era hora de preparar o roteiro, meses se arrastaram até que compreendesse como chegar à região sudoeste da China. Antigamente a única maneira de se deslocar aos Mosuos era por via terrestre através de uma precária rodovia que ligava a cidade de Lijiang na província de Yunnan ao território dos Mosuos. O trajeto já havia sido trilhado pela guerreira Glória Maria daquele emblemático programa das sextas à noite da televisão brasileira. Atualmente a estrada que liga as duas cidades já está bem arrumada que havia um novo aeroporto construído próximo a região.

Arquivo pessoal/André Mafra

Com ajuda de meu aluno Lou Hu conseguimos reservar em um site chinês de hospedagem local algumas noites na casa de uma jovem matriarca mosuo chamada Guotaxiao Kumu, que seguidamente a nossa reserva, me escreveu avisando que não estava acostumada a receber muitos ocidentais e que precisava nos avisar de alguns detalhes, entre eles que precisaríamos saber como o padrão dos vasos sanitários que não eram em estilo ocidental, mas sim com a louça na linha solo. Empolgados pela euforia da viagem respondemos sem pensar que esse detalhe não seria o problema, também fomos informados que o café da manhã típico da região, neste momento uma leve apreensão chegou para ficar, afinal como seria a nossa alimentação juntos aos Mosuos, na China já seria um desafio, mas talvez lá no Lago Lugu as coisas poderiam se complicar. Será que eu deveria ficar no Brasil e viajar apenas nas páginas do livro do Coler?

Chegamos ao último matriarcado

Após muitos desafios e a óbvia longa distância do Brasil até o lago Lugu conseguimos chegar até o vilarejo dos mosuos. Logo de início percebemos que Kumu tinha uma presença forte, sua firmeza e carinho logo chamaram nossa atenção. Tratava-se de uma casa enorme em que ela morava, e nós iríamos ocupar alguns quartos pertencentes aquela clã. Estar junto a Kumu e seus familiares, em especial sua mãe, sua filha e seu parceiro nos permitiu entender os desafios que a tradição matriarcal dos Mosuos enfrentou ao longo das últimas décadas para não desaparecer.

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Um nova cultura, um novo desjejum

Para muitos uma xícara de leite com café, uma fatia de pão e uma fatia de mamão pode representar um clássico café da manhã, já para outros pode conter sucos mirabolantes cheios de ingredientes saudáveis que desafiam o paladar, mas prometem saúde. O fato é que quando saímos do conhecido de viajamos para culturas mais distantes uma das coisas que mais nos afeta é a mudança no padrão da comida, mas em especial o desjejum, ou popular café da manhã, chamado assim mesmo que ele não seja servido com cafezinho.

Ao fim do primeiro dia fomos descansar e pela manhã fomos agraciados com um desjejum mosuo. E aqui já fica uma importante dica: caso você não esteja muito acostumado com a culinária chinesa, opte sempre que puder nas versões vegetarianas dos pratos, muito do estranhamento dos ocidentais na China está no diferente paladar dos preparos das carnes naquela cultura, novos sabores e aromas que estamos pouco acostumados. Informamos que preferíamos não comer carnes no desjejum. Busque pratos com legumes, cogumelos, ovos, tofus e outros que sua refeição será um “sucessinho” com diz meu amigo Jóris Marengo.

Descemos dos quartos para o pátio onde nosso café foi servido contendo conhecidos ovos cozidos, também espigas de milho cozidas no ponto, cogumelos típicos da região bem refogadinhos, de diferente um tipo de conserva de repolho de sabor forte e bastante condimentos, para beber leite de soja morno que para meu paladar foi o único fato que não me agradou tanto, o leite de soja não me pareceu combinar com os demais pratos, registra-se o fato que é bem raro encontrar leite de vaca. Cabia ao nosso grupo comer o desjejum já adaptado, não com talheres, mas com os tradicionais “hashis” como dizemos em São Paulo, usando uma palavra japonesa, ato que na China deve ser evitado por motivos óbvios, prefira o termo chinês “ kuàizi (筷子). Já consegue comer pedaços de espiga de milho com hashi?

Arquivo pessoal/André Mafra

A maldição portenha do chá de manteiga

A obra de Ricardo Coler relata a saga do autor para chegar ao distante vilarejo dos Mosuos e talvez um dos detalhes mais engraçados do livro foi como ele teve que lidar com o tradicional chá de manteiga, uma relação que passa do amor ao ódio muito rápido por aquelas páginas. Não vou lhe contar mais para não dar spoiler na obra que eu quero que você leia. O fato é que na primeira viagem nosso grau de interação com os mosuos foi mediano, foi em uma segunda viagem que travamos mais contato com o povo local e consequentemente tivemos que enfrentar o chá com manteiga.

No ano seguinte à primeira viagem, lá fomos nós para a China e mais experientes, ficamos hospedados na parte mais ao norte na beira do belo Lago Lugu, distantes uns poucos quilômetros da antiga hospedagem na casa de Kumu ao sul. Fomos fazer uma visita a um templo budista e após uma caminhada até que modesta fomos convidados a conhecer o interior do templo onde nos deparamos com bonitas esculturas daquela cultura, logo depois tivemos a honra de sermos chamados para privar nos aposentos do monge que educadamente nos ofereceu um lugar para nos sentar e o óbvio questionou se gostaríamos de tomar um chá. Naquele momento me lembrei do texto de Coler onde a cada menção ao ato de tomar o chá de manteiga o autor revelava um desconforto crescente e uma tolerância despencante ao gorduroso chá tão típico daquela região e outra como Nepal, Tibet e Butão.

Naquela ocasião, após tantos bebericos em xícaras de chá de manteiga aqui e acolá em cada visita que fizemos, minha vontade era dizer um educado mas enfático não ao educado monge, mas para não constranger a situação, fui tomado por um senso de dever sendo o primeiro a dizer que sim, é claro que queremos, afinal era o único que falava algumas poucas palavras de mandarim… Se o Coler estivesse me vendo naquele momento, estaria certamente dando um discreto sorriso sarcástico para mim, num senso de humor típico dos portenhos, consentindo um pouco da minha aflição e afirmando: Yo avisé

O simpático monge se pôs a preparar a bebida para seus convidados brasileiros (um de nós era português, que fique aqui registrado), buscou um generoso tablete de manteiga feito do leite de yak, um robusto búfalo da região, garantindo a dose generosa de gordura que o chá recebe. A manteiga foi ao liquidificador junto do leite que depois foi aquecido. Um tipo gigante de xícara surgiu não sei exatamente de onde, mas lá estavam, enfileiradas uma a uma a nossa frente recebendo o espesso chá até quase derramar.

O chá de manteiga foi descrito por um dos colegas como uma bebida de leite com queijo pecorino, descrição não muito salivante, mas que fielmente traduz o sabor, mesmo eu nunca tendo provado o leite com o dito queijo. Para acompanhar um pote de um tipo de farinha cinza e fina que me lembrava a aparência de cimento. A orientação era colocar uma generosa colherada de farinha fina dentro da boca antes de tomar o chá, ato que ao ser feito imediatamente secou por completo qualquer canto da minha boca, não havia mais um resquício de saliva, a sensação desértica da secura bucal se foi com o primeiro gole do chá que me esforcei para ser robusto, seguindo de um sorriso duvidoso. Ao voltar com a xícara à mesa saída dos meus lábios, notei que para meu desespero não havia baixado em nada o conteúdo do chá. Aflito, prontamente olhei para o lado em busca de um olhar complacente que não existiu, mas para minha surpresa Mara e outros colegas estavam se refestelando com sua caneca quase vazia. Não satisfeitos cogitaram pedir mais, ato que impedi prontamente seguido de uma estratégica troca de xícaras ao primeiro vacilo do monge que ao final serviu aos meus empolgados companheiros.

O chá acabou e fomos embora, o sabor desagradou, mas as histórias ficaram para sempre aqui e na memória. Faz parte do viajar é também sentir saudades de casa, da comidinha que você mesmo prepara, dos ingredientes que você está acostumado a sempre comprar. Que tal buscar um novo destino para alimentar a saudades da comida de casa?

Um convite para você saber mais

Destinos diferentes, novos paladares. Saber mais sobre os mosuos e outros matriarcado virou nossa missão.

Neste mês de novembro convido você para lhe mostrar um sonho que virou realidade, nossa série documental sobre os mosuos. São quatro episódios que entram ao ar nos dias 11, 16, 23 e 30 de novembro.

Anote aí na agenda e acesse a playlist no YouTube ou diretamente no qrcode abaixo.


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