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Quando o luxo pode virar lixo muito rápido
Muillu | Unsplash
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Bife de ouro? Situação vivida durante a Copa do Mundo dividiu opiniões. Thiago Godoy comenta sobre o equilíbrio entre o luxo e os gastos conscientes dentro da realidade não só de atletas, mas de todas as pessoas que desejam uma vida financeira de qualidade.


Doha, Qatar – dezembro de 2022. Em plena Copa do Mundo, uma cena fora dos gramados dominou a internet. Uma situação incomum, mesmo em um país exótico e acostumado à ostentação. Nela, jogadores e ex-jogadores da seleção brasileira aparecem dentro do restaurante Nusr-et (do chef-celebridade Nusret Gokçe, conhecido como Salt Bae) sendo servidos na boca pelo chef. O prato, um bife folheado a ouro, que custa cerca de R$ 9 mil.

A cena logo viralizou e dividiu opiniões. De um lado, críticas à ostentação, de outro, defensores da liberdade de gastar o dinheiro próprio. O conhecido Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua em São Paulo, se expressa: “A cena é chocante e questionadora dentro do contexto do que se vive não só no Qatar, mas no mundo todo, e do que se vive aqui no Brasil”. Sobre quem comenta que o dinheiro é deles e podem usar no que eles querem, o padre responde: “É a forma de pensar meritocrática, é a forma de pensar do pensamento neoliberal e individualista. O que nós temos que trabalhar é um senso ético“.

A polêmica se instala. Mas, para o chef Salt Bae, isso não é nada de novo na rotina – ele está mais do que acostumado com a ostentação. Alguns dias antes, em 17 de novembro, Bae postou em sua rede social uma foto de uma conta de uma filial do seu restaurante em Abu Dhabi. Com a legenda “Qualidade nunca é cara”, ele mostra o gasto de 645 mil dirhams ou cerca de R$ 915 mil.

Antes que você pense: a intenção deste texto não é fazer julgamento moral e apontar se está certo ou errado comer um bife de ouro, mas sim provocar reflexões importantes.

Gastar o dinheiro como quiser é uma escolha. Mas, será que a ostentação – mostrar publicamente os excessos com o dinheiro – é algo antiético? Não é a primeira vez que vemos ostentação na internet, mas qual será a mensagem que os atletas, que são figuras públicas e admiradas por grande parte dos jovens, estão passando?

Torrar dinheiro para sempre?

Será que ganhar todo esse dinheiro é garantia de uma vida boa para sempre? Você imaginaria que esses atletas multimilionários podem rapidamente ir à falência por falta de planejamento financeiro? Pois pasme, é muito mais comum do que você pensa.

Um relatório da revista americana Sports Illustrated de 2009 estimou que 78% dos jogadores da Liga de Futebol Americano (NFL) passam por estresse financeiro apenas dois anos após se aposentarem, e cerca de 60% dos jogadores da Liga de Basquete nos EUA (NBA) sofrem o mesmo destino após cinco anos de aposentadoria. Cerca de 16% desses atletas de elite vão à falência em até 12 anos de aposentadoria! Atletas que ganham dezenas de milhões de dólares por ano.

Aqui no Brasil, uma das histórias mais conhecidas de jogadores que chegaram à falência é a de Garrincha. Obviamente, naquela época os jogadores de elite ganhavam uma pequena fração do que recebem hoje, mas o ídolo do Botafogo e da seleção brasileira chegou a ganhar muito dinheiro com o esporte. No final de sua vida, porém, não tinha mais nada e sobrevivia com a ajuda de amigos.

Aqui ao lado, no país “hermano”, um caso famoso foi do eterno Maradona, que declarou falência em 2009, após autoridades da Itália cobrarem cerca de 42 milhões de euros em dívidas pelo não pagamento de impostos.

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Muitos dos atletas que vão à falência são declaradamente grandes gastadores. Eles cometem o simples erro de empatarem o seu nível de gastos com o seu nível de ganhos. Ou seja, ganham muito, mas gastam muito também.

A matemática é clara: um atleta profissional de esportes como futebol ou basquete costuma se aposentar antes dos 40 anos de idade. Provavelmente ele vai viver pelo menos mais 40 anos e, se não se planejou quando estava ganhando, a fonte vai secar muito rápido.

Quais os salários dos atletas profissionais?

Atletas nesse altíssimo nível de renda e que podem comer bifes de ouro são uma ínfima minoria entre os atletas profissionais. A esmagadora maioria vai lutar e literalmente suar para conseguir uma renda digna para viver. 

Por exemplo: o programa Bolsa-Atleta, do Governo Federal, que busca garantir a manutenção pessoal aos atletas de alto rendimento que não têm patrocínio, paga cerca de R$3.100 por mês para atletas na categoria Olímpico e Paralímpico. A maioria dos atletas não possui nenhum patrocínio privado e muitos deles trocam patrocínio por alimentação. 

Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), um jogador de futebol masculino ganha, em média, R$7.460,54 por mês. Já no futebol feminino, a média salarial mensal entre as jogadoras é de R$4.697,68. Bem diferente dos salários milionários dos astros da seleção.

Em outros esportes não é diferente. Um jogador de voleibol tem remuneração mensal média de R$7.993,40 no Brasil. Já no basquete um jogador ganha em média R$8.390,35. A média salarial mensal de um profissional de atletismo é ainda menor, cerca de R$2.220,05.

Ainda há um agravante. Dada a intensa rotina de treinos e a escassez de recursos, uma grande parte dos atletas não consegue concluir o Ensino Médio. Quando pararem de atuar profissionalmente terão ainda mais dificuldade para se integrarem ao mercado de trabalho. 

Como atletas (profissionais e amadores) podem viver bem sem precisar ostentar?

Bom, se mesmo um salário multimilionário não vai longe sem planejamento, como fica a vida dos outros 99,9% dos atletas? Mesmo se você, leitor ou leitora, for apenas um(a) atleta amador(a) que faz sua corrida de 30 minutos na esteira, como é possível viver bem com uma renda bem longe de milionária?

O conhecimento financeiro é o primeiro grande passo nessa corrida de longa duração onde vale mais a consistência do que a velocidade. Independentemente da sua profissão e do seu nível de renda, viva um estilo de vida que não exceda seu orçamento. Isso não apenas vai te preparar para a liberdade financeira, mas também será muito mais fácil dormir à noite quando você não estiver preocupado com o próximo salário.

Assim como no esporte, para obtermos bons resultados na vida financeira é necessário se preparar, ter disciplina, foco e consistência. Precisamos estabelecer metas e conquistas. Mas, acima de tudo, precisamos de humildade, de estarmos abertos para aprender sempre. O seu único adversário é você mesmo, sua preguiça, sua procrastinação e seus hábitos ruins. Mas uma vez que você vence a inércia e se põe no jogo, acredite, as coisas mudam. Você vai poder frequentar o seu restaurante preferido, com uma comida que não precisará ser banhada a ouro para ser gostosa.

 


THIAGO GODOY é Head de educação financeira da XP Inc., Colunista do Infomoney e professor na XP Educação. Acredita que todos podemos melhorar nossa relação com o dinheiro e que esse assunto precisa ocupar a mesa de jantar dos lares brasileiros. Seu TEDx fala sobre Ansiedade Financeira. No Instagram, também fala sobre educação financeira, com uma pegada mais voltada às famílias, no perfil @papaifinanceiro.

Leia todos os textos da coluna de Thiago Godoy em Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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