Qual seu bolo preferido?
Nossos gostos são construídos por um conjunto de experiências que vão moldando quem somos hoje.
Nossos gostos são construídos por um conjunto de experiências que vão moldando quem somos hoje.
Essa pergunta me foi feita dias desses. E fiquei surpresa ao perceber o quão difícil foi responder. O bolo de chocolate da minha mãe é um clássico na família. Ele precisa estar presente em todas as comemorações. Caso contrário, é como se algo faltasse. Mas, apesar de adora-lo não posso dizer que é o meu bolo preferido. O que torna, então, algo nosso prato predileto? Atentei-me a pensar nisso.
Quando ouço as pessoas falarem sobre seus bolos mais queridos, percebo que isso está ligado a uma série de questões: a história que ele carrega, o sabor e um terceiro elemento que, nesse caso, foi definitivo para a minha escolha preferida. E ele tem a ver com o quanto aquele bolo tem relação com a pessoa que somos. É uma construção cheia de meandros e que nos leva a perceber e a diferenciar aquilo que gostamos daquilo que não nos agrada – na cozinha e na vida.
Bolo de laranja
Cheguei então a dois sabores: o de laranja e o de fubá com goiabada. E mergulhei profundamente para entender o motivo pelo qual eles me agradam tanto. O de laranja me lembra frescor. Leva-me para o quintal do sítio dos meus pais, quando meu pai pegava as folhas da laranjeira, as picotava com os dedos e dizia para que as cheirasse. Tem o aroma da fruta. E isso ficou guardado na minha memória. Esse interesse que meu pai tinha em despertar em mim o apreço pelas coisas simples, delicadas, próximas. Bolo de laranja é bolo simples. Desses que quando a gente prepara, enchem a casa de um perfume cítrico muito bom. E ter a casa inundada por isso me remete também para o meu lar de infância. Minha mãe preparava bolo quase toda semana. Era fácil saber quando um estava no forno, porque impregnava a casa com o cheiro adocicado. Minha mãe nunca foi de muito afetos, de abraçar, beijar ou dizer que amava. Mas ela fazia aquilo que gostávamos e bolo fresco era uma dessas demonstrações de amor em formato de comida. Então, comer bolo de laranja não é só uma questão de paladar. Envolve tudo isso numa única fatia. Além de ser ótimo para acompanhar um café fresco, recém-coado. Sentar, conversar, pensar.
Fubá com goiabada
Já o de fubá com goiabada é uma viagem direto para a goiabeira, os quintais compridos da minha meninice e a tentativa de colher uma goiaba que não tivesse bicho dentro – algo muito raro. É sobre brincadeira de infância, mas também diz muito sobre meu momento atual. Nunca fui fã de fubá, até descobrir essa versão. Um dia, me deparei com a receita e decidi preparar. Comê-lo quente é passe direto para o céu, com a goiabada ainda derretida por dentro. No final das contas, fui eu quem passou a receita para a minha mãe. E isso diz muito sobre a relação que estamos construindo hoje. De troca, de aproximação, de saber amar a partir de quem somos e não de uma versão idealizada de cada uma de nós. Eu não segui o caminho que minha mãe desejava para mim. E ela não foi a mãe carinhosa que eu gostaria de ter tido. Mas já entendemos que tudo bem. Cada uma é o que é. E então pudemos nos abrir para uma parceria mãe e filha sem idealismos e, ainda assim, costurada pelo respeito e pelo amor. Quando faço o bolo de fubá com goiabada, adoro comer uma fatia com ela. Sentamos e conversamos sobre nós. Um bolo preferido carrega, então, tudo isso. Qual é o seu? Isso é algo que somente você pode definir.
Ana Holanda é diretora de conteúdo da Vida Simples, autora dos livros Minha Mãe Fazia e Como se Encontrar na Escrita, ambos da Rocco. Gosta de cozinhar e de escrever, sua maneira de estar no mundo e de lidar com seus sentimentos mais profundos. Escreve mensalmente nesta coluna.
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