Por que queremos filhos obedientes?
A ideia não é criar crianças de uma maneira completamente anárquica, sem orientação, sem guia. A ideia é repensar essa forma de educar que foca tanto na punição
Marshall Rosenberg, o cara incrível que fundou o centro de comunicação não violenta lá nos anos 80, tem uma frase que marcou profundamente a minha maternidade: “por qual motivo você quer que a criança se comporte bem?”. Parece uma questão ingênua ou até irrelevante, mas ela é incrivelmente potente, se olharmos mais de perto.
Somos um país punitivista. Não acreditamos que os erros devem ser reparados, ou que o erro é parte separada da pessoa, mas sim que a pessoa que cometeu o erro, É o erro em si, e por isso precisa ser punida por SER parte desse erro. Eu não me atreveria a falar aqui das razões históricas do porquê isso acontece, mas o fato é que a nossa cultura nos convida a todo momento à vingança. Se a pessoa erra e nos decepciona, ela merece sofrer.
Aí temos dois grandes problemas. O primeiro: se partirmos da premissa de que a pessoa e seu erro são a mesma coisa, estamos afirmando que as pessoas são intrinsecamente ruins, más. O segundo: que erros precisam ser extirpados, evitados a todo custo. O problema dessa premissa é que não existe aprendizado sem erro, principalmente quando estamos falando de CRIANÇAS.
Jogamos a mesma lógica punitivista que rege nosso cotidiano, para a educação das crianças em casa, porque afinal, essa educação não escapa da cultura onde estamos inseridos. A criança, apesar de toda gama de estudos científicos provando o contrário, ainda é considerada um ser manipulador, errado, que precisa a todo momento sofrer para aprender. O fracasso dessa lógica é certo, porque o ser humano é um ser social, intrinsecamente ligado ao grupo, precisa se sentir acolhido, pertencente e importante para que prospere. Não me espanta a quantidade de crianças e adolescentes sem nenhuma conexão amorosa e emocional com seus cuidadores, sofrendo de depressão e outros transtornos, tão cedo.
Quando Marshall me convidou a pensar por qual motivo eu gostaria que minha criança aprendesse a ser boa, colaborativa, responsável e empática, a minha resposta mental foi: “porque ela acha certo ser e agir assim”, mas meu comportamento revelava outro motivo: “porque ela tem medo de ser punida se não agir assim”. Uma contradição enorme, contradição que rege a educação de milhões de crianças não só no Brasil, mas pelo mundo afora. Na ânsia de controlar comportamentos, estamos partindo do motivo errado para ensinar.
A ideia não é criar crianças de uma maneira completamente anárquica, sem orientação, sem guia. A ideia é repensar tudo que nos foi ensinado como certo na educação. Fácil? Nunca. O problema é acharmos natural o que é apenas a norma, ou o “normal”. Meu convite se estende ao convite do Marshall: vamos repensar juntos?
Thais Basile é mãe da Lorena, palestrante e consultora em inteligência emocional e educação parental, eterna estudante. Apaixonada por relações humanas e por tudo que a infância tem a ensinar. Compartilha um saber para uma educação mais respeitosa no @educacaoparaapaz. Escreve nesta coluna às segundas-feiras.
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