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Pare de buscar o amor
Kristina Litvjak | Unsplash
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Neste artigo:

Não é possível encontrar o amor. É preciso construí-lo.

Eu tenho uma amiga que há quatro anos é assombrada pela incerteza sobre casar-se ou não com o namorado. Há pouco tempo, um outro amigo deixou a parceira que jurava ser sua alma gêmea. Desde que o conheço, essa é terceira alma gêmea de quem ele se separa. As duas histórias, aparentemente diferentes, tem um enredo comum. Meus dois amigos não sabem ao certo se o parceiro, ou parceira, é a pessoa com quem gostariam de passar o resto de suas vidas.

A ideia de que existe a outra metade da laranja é bastante antiga, inclusive. Quatro séculos antes de Cristo, Aristófanes – personagem de Platão na obra intitulada O Banquete — proferiu um discurso sobre a origem do amor. Disse ele que os homens já foram perfeitos, completos e equilibrados. De acordo com Platão, nessa época, tínhamos duas cabeças, dois braços e quatro pernas. Contudo, cientes do seu poder, os homens desafiaram os deuses e foram duramente castigados. O Olimpo decidiu nos partir ao meio e, desde então, os humanos rondam por aí em busca de sua outra metade. Alguém a quem somos predestinados, para quem somos feitos sob medida.

A droga do amor

A história platônica parece ingênua e pode fazer com que você torça o nariz. Porém, dê a Aristófanes uma chance e lembre-se sobre a última vez em que esteve apaixonado.   Quando nos apaixonamos, temos um vislumbre da completude a que o mito se refere. De certa forma, queremos nos fundir ao outro e experimentamos a sensação de que a busca chegou ao fim. Elaine Hatfield e Ellen Berscheid, pesquisadoras que estudam o amor, definem a paixão como um intenso estado emocional em que coexistem emoções ambíguas como dor e prazer, ansiedade e alívio, altruísmo e possessividade. Sintomas são a euforia, palpitação, frio na barriga, mudanças de humor, irracionalidade e a dependência.

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Crédito: Pablo Heimplatz | Unsplash

Não é coincidência que os sintomas do uso de drogas e da paixão sejam similares. Para o psicólogo e pesquisador Jonathan Haidt, a paixão é mesmo como uma droga. Mais precisamente, cocaína – que traz uma sensação de euforia, energia e autoconfiança – e heroína – que traz a sensação de um bem-estar eufórico. É porque como as drogas, a paixão modifica nosso funcionamento cerebral. Ela ativa circuitos neurais ligados a produção de dopamina  — um neurotransmissor que provoca a sensação de prazer e que aumenta a nossa energia e motivação.

Mais uma dose

Mas, além do êxtase, uma segunda coisa acontece quando nosso sistema é inundado por doses constantes de dopamina. Aos poucos, o cérebro aprende a tolerar estas altas doses acionando mecanismos que se opõem ao excesso da substância. Ou seja, adaptamo-nos ao excesso e o encanto se esvai. No caso das drogas, o usuário precisará de doses cada vez mais altas para voltar a sentir o barato dos velhos tempos. Mas quando você acostuma com relacionamentos, mais do mesmo não costuma surtir efeito algum.

Haidt explica que é impossível, neurobiologicamente falando, que permaneçamos apaixonados por longos períodos. Há trabalhos que arriscam até qual seja o prazo máximo de validade da paixão – 48 meses. A partir daí, ou mesmo antes disso, começam a nos incomodar defeitos que antes passaram despercebidos. Questionamo-nos sobre aspectos da personalidade e da história de vida do parceiro que antes pareciam triviais. É um choque de realidade que muitas vezes assusta a ponto de terminarmos a relação.

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Crédito: Esther Ann | Unsplash

Partir ou permanecer?

O barato da paixão muitas vezes nos leva a tomar decisões precipitadas. A primeira delas é assumir compromissos de longo prazo dos quais podemos nos arrepender. Por exemplo, não são incomuns histórias de pessoas que resolvem se casar enquanto estão apaixonadas, e acabam separando-se em seguida.

Segundo Hatfield e Berscheid, o amor que perdura é aquele construído ao longo do tempo e sob os alicerces de valores, objetivos e interesses comuns. Ou seja, teríamos uma melhor chance de avaliar nossas compatibilidades com o passar do tempo e, em especial, com o passar da paixão.

Paixão ou amor

O segundo erro é causado pelo desencanto que precede o transe apaixonado. Assim, quando confundimos paixão com amor, achamos que o fim da paixão é também o fim do amor. Ou seja, quando começamos a perceber que o relacionamento tem custos não contabilizados, partimos para encontrar nossa metade perfeita em outro lugar. Trocamos de parceiro como quem troca de droga para voltar a sentir o barato.

Contudo, não tem nada de errado na troca constante de relacionamentos, contanto que esta dinâmica te faça feliz. Acontece que, na maioria das vezes, não é assim que nos sentimos. De acordo com as pesquisas, a maioria das pessoas considera que os aspectos fundamentais do amor sejam a confiança, intimidade, compromisso e honestidade. Ou seja, o amor é uma construção que leva tempo. E é exatamente isso que perdemos quando trocamos de relação.

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Crédito: Everton Vila Asah | Unsplash

Buscar o amor verdadeiro

Companheirismo é o nome científico do amor que sentimos por aqueles a quem nossas vidas estão intimamente ligadas. As pesquisas demonstram que este é um amor que aumenta com os anos. Além disso, ele é construído a partir da realidade, que nem sempre é um mar de rosas. Por exemplo, é comum que o apoio mútuo em momentos difíceis faça aumentar os sentimentos de confiança e intimidade. Dessa forma, é quando o outro permanece ao seu lado, mesmo quando o mundo parece desabar, que o relacionamento ganha um lugar de importância capaz de fazê-lo duradouro e estável. Outras vezes são as crises, e até separações temporárias, que deixam claro o quanto desejamos nos comprometer com um relacionamento.

De fato, nos sentimos seguros quando estamos em companhia de alguém que nos entende e nos apoia. Nosso cérebro é programado para funcionar em sintonia com o outro. Precisamos de relacionamentos respeitosos, com quem possamos comunicar abertamente e desenvolver uma profunda amizade. Segundo Haidt, depois da genética e da personalidade, a presença de vínculos importantes é a variável que melhor prediz a felicidade e longevidade humanas. Relacionamentos duradouros e importantes fortalecem nosso sistema imune, reduzem o risco de depressão e ansiedade e aumentam o nosso tempo de vida.

O amor não cai do céu

Provavelmente existem centenas ou milhares de pessoas com quem poderíamos viver muito bem o resto de nossas vidas. No entanto, para vivermos bem com qualquer uma delas, é necessário tempo e comprometimento para conhecê-las melhor. Podemos até desejar que a paixão seja eterna enquanto dure. Mas depois que acabar, pode ser uma boa ideia permanecer para conhecer de fato quem está ao seu lado. Apesar dos defeitos, pode ser interessante ficar se houver compatibilidade de objetivos, valores e interesses. Partindo cedo demais você pode encontrar uma nova paixão, mas não o amor. O amor não é algo que você encontrará pronto. O amor é algo a ser construído por duas pessoas que escolheram parar de procurar fora para lapidarem juntas o que já existe do lado de dentro.


ADRIANA DRULLA  é Mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples

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