Outubro Rosa: “O câncer me fez viver o encontro mais sério que já tive”
Iniciamos mais um mês de Outubro Rosa e Marcela Varasquim faz um convite à reflexão: "Quantas vezes você já fechou os olhos para conseguir se ver?"
Virou rotina: todos os dias quando acordo, observo se meu cabelo cresceu mais um pouco. Quase sempre o espelho diz que “sim” – não sei se projetando uma realidade, ou apenas obedecendo minha pressa. Não me importa. A cada dia me despeço aos poucos da máscara do câncer, e me aproprio da minha – nova – máscara, que surgiu depois dele. Em uma das minhas últimas idas ao hospital, a atendente me perguntou se eu era paciente ou acompanhante. Ela mal sabe, mas foi como oferecer um drink tropical em uma praia paradisíaca ao meu coração. Ao mesmo tempo, me inundou um desafio: chegou a hora de ter um encontro sério com a minha nova versão. Que venha o Outubro Rosa!
Virar a página nem sempre é fácil – dependendo da grossura do papel, requer molhar a ponta dos dedos, e conferir se a numeração está correta. Quando voltei à superfície depois de um mergulho profundo na minha alma, pensei que a partir de então, tudo seria mágico. Não foi. Parece que fui devolvida à mesma estrada com novos sapatos, e ainda que fossem mais confortáveis, não sabia direito como amarrá-los.
Precisei dar a mão para mim, e por tentativa e erro, encontrar minha nova casa. Comecei batendo nas mesmas portas de antes, por uma questão de costume. Mas não apreciei a decoração, o que causou decepções. Mesmo assim, não desisti – algo me dizia que algum lugar do mundo era o meu, bastava abrir mais os olhos. Experimentei entrar por portas que aparentemente não eram tão atraentes, mas que me apresentaram lindas salas, aconchegantes e limpas. Agora estou na fase de testar alguns sofás. É assim mesmo: morar em si é um processo que demora.
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O câncer me fez colocar a “casa” em ordem
O câncer causa medo, eu sei. Eu preferiria não ter tido que passar por ele para me reaproximar de mim. Mas tampouco o condeno: evitar falar a palavra ou negar estar doente é colocar a toalha em cima para não ver a sujeira. E para ser limpa, a sujeira da casa precisa ser exposta – senão corre-se o risco de viver uma vida inteira lustrando a casca de uma maçã podre. Não se culpe se tem muito entulho escondido debaixo da sua cama: fazer faxina é uma tarefa delicada, que não se nasce sabendo. Mas é indispensável – só depois de aprendida, é que se começa a viver.
Fazer faxina nos pensamentos e nas emoções é um trampolim para ser um ser humano melhor, mas exige coragem e treino. Degrau por degrau, passos maiores, outros menores.
Não se assume o controle da própria mente, sem antes dominar nossa única e verdadeira morada: o corpo físico. Preste atenção, cuide, veja o corpo. Crie intimidade para além de passar maquiagem e lixar as unhas. Faça exames de rotina para garantir que o corpo esteja saudável.
Monitorar a saúde física é apenas subir um degrau da montanha – mas sem ele jamais se chega ao topo, muito menos se abre as asas.
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Exames e diagnóstico precoce: fundamental para todas
A pesquisa “Câncer de Mama no Brasil: Desafios e Direitos”, realizada pelo Ipec – Inteligência em Pesquisa e Consultoria, a pedido da Pfizer, e publicada neste mês de Outubro Rosa, revelou que o Brasil ainda tem muito a evoluir para detectar tumores em estágios mais iniciais.
Segundo o levantamento, apenas 47% das mulheres entre 40 e 49 anos entrevistadas fizeram mamografia nos últimos 18 meses.
Esse número é um grito apavorante: a mamografia deveria fazer parte dos exames de rotina de todas as mulheres a partir dessa faixa etária. Quem tem menos de 40 anos, também pode fazer exames de rastreamento com a frequência sugerida pelo médico. Veja meu caso: 32 anos, sem histórico de câncer de mama na família. Não é para assustar, mas para escancarar que temos muito a melhorar quando o assunto é autocuidado, e os serviços de saúde também precisam oferecer mais. Mais respeito, mais atenção, mais valorização da vida.
Não deixe o Outubro Rosa passar em branco
Não há dados que esmiúcem os motivos de tantas mulheres deixarem de fazer mamografia, mas minha experiência como jornalista já me levou a conhecer muitas realidades extremas: mulheres que dependem do sistema público podem demorar meses para conseguir fazer um simples exame, o que, infelizmente, colabora com a desistência de algumas, e atrasa o diagnóstico de outras. Historicamente no Brasil, pacientes de câncer de mama que utilizam o sistema público descobrem a doença em fases mais avançadas, com menor chance de cura.
Também há casos de mulheres que, assim como eu, foram engolidas pelas listas de tarefas, pela ansiedade de correr em círculos, pela falta de direção e de sentido, e distanciaram-se de si. Apequenaram-se para caber em roupas apertadas, que até parecem bonitas, mas nos tiram o ar. Reduziram-se a atender estereótipos, a aceitar metades, a dizer “sim” querendo dizer “não” ou “talvez”. Confesso: fui abandonada por mim, passava longe de consultórios, e minha casa interna que gritava por socorro, quase não era limpa.
O câncer foi a vida pegando na minha mão, olhando nos meus olhos e me entregando um espelho enquanto dizia: “respira, calma. Você existe”.
E agora, sou eu quem me visto de vida, e te asseguro: você existe. E você merece viver melhor. Aproveite o Outubro Rosa. Por você, coloque os seus exames em dia.
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