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Os inimigos da felicidade e as lições de Epicuro
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A busca da felicidade é o combustível que move a humanidade. E está na moda — há workshops, testes em revistas, ranking de países felizes… Ser feliz é um imperativo — quase uma obrigação. Afinal, uma pessoa infeliz não é bem-vinda; é vista como mal-resolvida e fracassada e, portanto, alguém a evitar. Porém, o tema não é novo: há 2500 anos os pré-socráticos já faziam tratados sobre como alcançar uma vida feliz. Apesar dos anos de busca — e todo o conhecimento acumulado — está longe de ser uma conquista. E é sem surpresa que numa época em que se prega a felicidade a qualquer custo, é também a época recordista em casos de depressão (O Brasil está em quinto lugar, atrás de países como os EUA (1º) e Portugal (2º).

O fato é que continuamos tão frágeis e insatisfeitos quanto os homens da Grécia Antiga, com o agravante de que ser feliz hoje é muito mais difícil do que na Atenas de Platão. Vamos aos entraves — e começamos pelos mais recentes. Os cientistas sociais afirmam que desde o século XIX passamos a endeusar as relações amorosas e o trabalho. Iniciou-se um crença (que dura até hoje) de que é através deles que encontramos a felicidade, ideia que não tinha ocorrido a ninguém até aí. Continuando as estatísticas, no mundo ocidental estima-se que apenas 20% das pessoas gostam do seu trabalho. Isto significa que 80% são indiferentes ou não gostam do que fazem. No caso do Brasil, um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta para uma insatisfação de 90%. Sobre os níveis de felicidade nas relações amorosas, o assunto é ainda mais complicado. E quando falamos da satisfação de ambos em simultâneo, não há estatística possível.   

As razões desses números estão à vista: o trabalho é escasso, as carreiras são voláteis; e há o desemprego e a aposentadoria que destroem o status conquistado. E, estranhamente, esses mesmos atributos identificados na vida profissional, também podem ser verificados nas relações amorosas.  

Torna-te quem tu és

Contudo, a insatisfação no trabalho e no amor não são os únicos entraves. Um outro inimigo da felicidade é a falta de sentido. E mais importante do que a vida ter sentido, é que esse sentido seja estabelecido por você mesmo. Entra em cena a grande contribuição de Nietzsche para o pensamento moderno: a denúncia de que o homem está sem rumo próprio; em movimento, mas percorrendo um caminho que não é o seu. Quando seguimos uma rota que não é a nossa, a trajetória é sem alegria e, quando chegamos ao destino, encontramos o vazio. E porquê não estamos no nosso próprio caminho? Porque hoje não é fácil encontrá-lo. A modernidade está saturada com o excesso de destinos, confusa pela falta de nitidez, embotada pela artificialidade das redes sociais e pela imensidão de solicitações que arrastam o homem para longe de si mesmo. Se não sabemos quem somos, como é possível sabermos o que queremos?

Outro obstáculo, talvez o maior, seja a inveja. Não se trata da inveja do outro — como tanto gostamos de acreditar — mas a nossa. O filósofo Alain de Botton ensina a fugir da inveja a todo custo e recomenda (com humor) que você nunca vá a um jantar de ex-alunos. É uma armadilha. Não existe nada mais fatal para a nossa autoestima e para acordar dentro de nós os piores sentimentos, aqueles que anulam a nossa lucidez. Mas, por que especificamente ex-colegas? Você tem inveja da rainha da Inglaterra? Não. Como não ter inveja de uma das pessoas mais ricas do mundo? A monarca possui um caixa eletrônico só para ela, não pode ser acusada em tribunal (goza do estatuto de “incapaz de fazer mal”) e toma uma taça de champagne todos os dias… Nós não a invejamos porque não nos identificamos com ela. Só invejamos as pessoas que julgamos iguais a nós. E quanto mais acharmos parecidas conosco, mais vamos compararmos, mais vamos imaginar que o seu emprego, seu casamento, seus filhos são melhores do que os nossos. O drama é que os ex-colegas não são as únicas fontes de cobiça. A globalização e suas portas e janelas escancaradas, o Facebook e o Instagram mostram-nos todos os dias outros para nos compararmos — e invejarmos.

A vida não é justa

Outro empecilho para a vida feliz é a crença de que vivemos numa sociedade em que o mérito será sempre recompensado. A meritocracia parece uma crença inofensiva, porém, o grande problema é o seu reverso. Se uma pessoa tem sucesso e está convencida de que tem porque merece; aquele que não é bem-sucedido (a maioria) é acusado e acusa-se a si mesmo de não ser merecedor. Nessa lógica terrível, o que não queremos admitir — mas deveríamos — é que a vida não é justa. E já que entramos no terreno das crenças infundadas… a felicidade absoluta não é uma possibilidade. Essa crença que vendemos a nós mesmos (ou compramos de outros) é uma ilusão. E muito pior do que pregar o impossível, é pregar como possível, aquilo que não é.

Diante desse quadro, a filosofia oferece um vasto menu de alternativas. Um exemplo de um modelo para a felicidade possível pode estar nas lições de Epicuro. Suas ideias estão na categoria da filosofia prática e devido a sua eficácia, virou uma corrente filosófica, o epicurismo. Ele ensina que você deve certificar-se de que persegue objetivos que são genuinamente seus e não ideias “adotadas” (dos pais ou da sociedade), para que depois de uma longa jornada, não constate que não era o que você queria. E quando descobrir que está num caminho que não é o seu; não permita que a inveja e a comparação com outro roubem a segurança e a energia para mudar de rumo e começar de novo. Estime-se: reconheça (e aceite) suas limitações e invista nos seus pontos fortes. Você foi abandonado pelo cônjuge amado ou perdeu estatuto? Cerque-se de bons amigos, de pessoas que sabem quem você é e o apreciam independentemente do seu sucesso ou da sua riqueza. (E para adiantar o trabalho, livre-se o mais depressa possível das pessoas para quem o seu estatuto importa).

E, sobretudo, pense a sua vida sem as vertentes amor e trabalho (ou pelo menos que elas tenham um peso mínimo). Epicuro ensina a substituir a complexidade vazia do sucesso, do dinheiro, do poder, das curtidas no Facebook — inibidores da vida autêntica —  pela literatura, pela arte, pela filosofia, pelos amigos, pela natureza…

Seja um praticante diário dos prazeres simples e você experimentará genuínos e inesquecíveis momentos de felicidade.    

MARGOT CARDOSO (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, contará histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

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