O que você procura: felicidade ou satisfação?
Queremos ser felizes — ou pelo menos é o que pensamos. Porém, por mais exigente e moroso que seja, antes de qualquer busca é necessário que saibamos com clareza o que se busca
O tema da felicidade é uma questão que me persegue. Primeiro porque está em toda parte, segundo porque eu não sei o que é. Conheço pessoas que fizeram um curso famoso sobre o assunto, com formadores multidisciplinares — psicólogos e gurus — e voltaram reticentes. Apesar de ser uma palavra usada a exaustão, penso que a maioria das pessoas — tal como eu — não sabem o que é a felicidade.
Porém, não sabem que não sabem. Um cenário comum e que está na gênese da filosofia. Não é sem razão que Sócrates — considerado o fundador da filosofia ocidental — começou exatamente neste ponto: com aqueles que pensam que sabem. Sócrates, que já tinha a fama de ser o homem mais sábio da cidade, andava pelas ruas e estava disponível para as questões dos atenienses.
Alguém o interceptava: “Sócrates, eu queria muito que o meu filho fosse corajoso. Como faço para ensinar coragem ao meu filho?”. Sócrates respondia: “Não sei. Eu não sei o que é a coragem.” Decepcionando, o cidadão insistia: “Como não sabe? Todos dizem que você sabe tudo”. Sócrates reafirmava que não sabia o que era coragem, mas retrucava que se ele queria que o filho fosse corajoso, certamente sabia do que se tratava e devolvia a pergunta: “O que é a coragem para você?”.
O ateniense começava a definir o que era a coragem e o filósofo desmontava todas as questões, mostrando que o outro não sabia o que era a coragem. Desorientado, o individuo inquiria: então o que é a coragem? Sócrates voltava ao início: já disse que não sei o que é a coragem. O ateniense se exasperava e Sócrates se defendia: “Eu pelo menos sei que não sei”. Irritante, não? Bem — só para continuar a história — Sócrates irritou metade de Atenas, foi acusado de uma série de crimes (entre eles, corromper os jovens) e foi condenado a tomar cicuta.
Queremos ser felizes — ou pelo menos é o que pensamos. Porém, por mais exigente e moroso que seja, antes de qualquer busca é necessário que saibamos com clareza o que se busca. Será que sabemos realmente o que é a felicidade? O psicólogo Daniel Kahneman, teórico da economia comportamental — área que explica o comportamento humano sob a ótica da economia e da ciência cognitiva — afirma que não.
Para o psicólogo, vencedor do Prémio Nobel da Economia em 2002, a maioria das pessoas não sabe sequer distinguir a felicidade da satisfação, por exemplo. E aqui a questão chave: como se pode buscar algo que não se sabe o que é. Os entraves são óbvios: você pode encontrar o que procura, mas como não sabe o que é, não a reconhece, portanto, não a encontra. Um outro entrave perigoso é o de que o que você procura pode não existir — ou pelo menos não materializado em algo que possa ser encontrado.
Para o economista, há uma grande confusão semântica entre felicidade e satisfação. E essa imprecisão faz com que muitos estejam caminhando na direção errada. E isso pode ser constatado se olharmos para a nossa própria experiência. Em linhas gerais, podemos identificar o preciso instante em que a felicidade acontece. É uma sensação de plenitude, de alegria. E quando pensamos na sua causa, verificamos que é um lampejo, um conjunto de estados, um encontro inesperado entre nós e o mundo, uma leveza que foge, que escapa… A felicidade são momentos que acontecem, como a conversa sintonizada com um amigo que gostamos.
A satisfação não é assim. Ela dura mais. Permanece, deixa-se estar, é material, é palpável, como um preguiçoso gato estendido no sofá. E mais do que momentos que se mantêm, a satisfação pode ser construída ao longo do tempo e a sua permanência pode ser prolongada. Enquanto a felicidade acontece em tempo real, um sentimento momentâneo, mas que deixa um eco; a satisfação é uma ação, o efeito de satisfazer ou de se satisfazer. É um verbo. É saciar um desejo, um apetite, é cumprir o que é devido, é resolver um problema. E na nossa mente, a satisfação pode ter o mesmo efeito inebriante da felicidade, com a diferença de que o seu combustível é muito mais acessível, diferente do inefável combustível da felicidade. A satisfação é uma energização consciente do cérebro que se estende para o corpo. É a harmonia do corpo com a mente e que também pode ser chamada de “sensação de plenitude”. Exatamente como a felicidade, com a diferença de que essa fica, é de casa, é nossa, não foge.
E a satisfação pode trazer a felicidade? Pode.
Se ela não depende exclusivamente das nossas ações, surge e desaparece como magia, se não há receitas ou mapas com a sua localização, porque persegue-se tanto a felicidade? Daniel Kahneman afirma que essa insensatez não é verdadeira. Para ele, as pessoas dizem (ou pensam) que buscam a felicidade, mas, na verdade, elas buscam é a satisfação. Cada um pode fazer a sua autoavaliação. Mas há algumas pistas.
É do senso comum que a riqueza material não traz felicidade, mas os que dizem que “querem” ser felizes, perseguem desesperadamente o dinheiro. Vejamos o poder de fogo do dinheiro: há estudos que indicam que pessoas que começaram a ganhar muito dinheiro, registram um aumento de felicidade e de satisfação, porém a partir de um certo nível de riqueza, a felicidade declarada entra em estagnação e, às vezes, declina, mas os níveis de satisfação podem permanecer.
Isto é, perseguimos o dinheiro porque ele traz satisfação. E fazendo uma analogia com um impulsionador da felicidade: as relações afetivas. Se você tem dinheiro o suficiente para satisfazer suas necessidades básicas, é possível que ampliando a sua fonte de afetos (novos amigos, um novo relacionamento) você tenha os seus níveis de felicidade em flecha. Mas o mesmo não acontecerá se você ganhar mais dinheiro.
E já que entramos no terreno das relações afetivas, é do senso comum que elas são uma grande fonte de felicidade. Mas grande parte dos que afirmam buscar a felicidade dão pouco valor ao outro. Veja o número alarmante de almas que povoam ativamente as redes sociais. Elas não procuram nem amigos, nem relações, nem felicidade.
O que procuram é a satisfação de mostrar uma aparência invejável, o número de amigos e suas curtidas. Trocam o tempo que poderiam desfrutar da conversa com um amigo pela existência online. E muitas vezes — para que não haja dúvida — fazem essa escolha na frente do amigo. Olha a sua volta e veja quantas pessoas tomam café em frente a alguém que tem os olhos no celular. Outro exemplo evidente dessa preferência é o trabalho. As pessoas trabalham por razões que não incluem a felicidade. Não existe a tal da felicidade no trabalho. Grande parte da vida profissional (cerca de 7 a 10 horas do seu dia) são preenchidas com metas de médio e longo prazo que tem como objetivo satisfação pessoal e social.
As pessoas fantasiam muito sobre a felicidade, mas o que as move, o fator determinante da maioria das ações humanas, o que elas realmente querem é aumentar os seus níveis de satisfação: com elas mesmas e com a vida que levam. E isso as leva em direções completamente diferentes da busca da felicidade. Chegam lá, ficam satisfeitas, mas não encontram a felicidade que pensavam ser o objetivo. “Mas você não está satisfeito? Estou. Mas eu queria mesmo era ser feliz.” E aqui fica a questão para você refletir: você quer a felicidade ou a satisfação? Para o bem da clareza dessa busca, considere ainda que há pessoas que podem ter (ou tiveram) muitos momentos felizes na vida, mas não estão satisfeitas.
Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.
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