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O que faz alguém estar sempre doente?
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Há milhares de anos, o Ayurveda já conseguia apontar as razões que fazem alguém estar sempre doente. E podemos dizer que pouca coisa mudou.

Você já deve ter ouvido o sábio ditado “saúde a gente só valoriza quando perde”. Não temos o costume de cuidar da nossa saúde, a não ser que ela dê um grito e nos assuste na forma de uma dor de cabeça, um desarranjo intestinal ou um resultado de exame que aponta para problemas mais graves. A verdade é que adoecer sempre nos acorda para enxergar o nosso bem mais valioso: a saúde.

Durante minha formação em Ayurveda na Índia, onde vivi por quase 7 anos, me dediquei a ir a fundo na leitura dos Samhitas e Nighantus, os livros milenares que estudam a saúde humana e que foram atualizados ao longo do tempo por estudiosos e vaidyas (os médicos ayurvédicos, como eu).

No Ayurveda, falamos muito sobre rotinas e cuidados de saúde inseridos nos hábitos diários. Mas existe muito mais do que conjuntos de hábitos nesses livros. Hoje, gostaria de apresentar para você uma visão muito interessante sobre os grupos que mais adoecem numa sociedade – e o que pode ser feito para não adoecer.

Quem está sempre doente?

O Charaka Samhita, um livro de mais de três mil anos, tem um capítulo que eu acho fascinante. Nele, são listados os 4 tipos de pessoa que estão sempre doentes. A lista é apresentada nessa ordem:

  • Srotyias, os sacerdotes;
  • Raja-Sevakas, os serventes dos reis, ou seja, os funcionários públicos;
  • Vesyas, as cortesãs, as profissionais do sexo;
  • Panya-jivins, Mercadores e comerciantes.

Para entender aonde quero chegar, precisamos explorar um pouco essas categorias. Um funcionário público ou uma profissional do sexo não são a mesma coisa na Índia de três milênios atrás e hoje em dia.

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A vida pela crença

Por que os sacerdotes vivem sempre doentes de acordo com o Charaka Samhita? Os sacerdotes fazem determinados votos e se comprometem a cumprir rituais diários. A maior parte do seu tempo é dedicado às funções sacerdotais. Isso significa que eles deixam de realizar as rotinas necessárias para ter uma saúde plena, se tornando sedentários e se alimentando de acordo com suas obrigações religiosas. Como os dedicados à ritualística estão sempre envolvidos em suas obrigações, eles deixam de ter esse cuidado consigo mesmos. A saúde entra em segundo plano porque em primeiro plano está o culto. A lição dos Samhitas é clara: você pode ser a pessoa mais iluminada, mas se ignorar sua saúde, vai ficar doente. Sua alma precisa de um corpo saudável para abrigá-la.

A vida pelo chefe

Já os funcionários públicos da época dos Samhitas eram os serventes que estavam submetidos às vontades do rei, que se dedicavam a cumprir tudo o que esse rei quisesse ou precisasse. Por conta disso estavam sempre tensos, sempre irritados. E acabavam negligenciando a própria saúde em nome de agradar ao rei… faz lembrar alguma coisa? Atualmente, você não precisa ser servente do rei, mas pode se perguntar quem é o seu rei. Você negligencia seus cuidados diários porque está sempre preocupado em agradar o seu chefe?

Quem vive apenas para o trabalho, tratando a profissão como prioridade máxima e esquecendo as outras áreas da vida acaba adoecendo. Quem está sempre tentando agradar o chefe estará sempre estressada, correndo atrás da vontade dos outros. A saúde responde a isso com o adoecimento do corpo.

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A vida pela aparência

As cortesãs seriam o equivalente atual às profissionais do sexo. Na nossa sociedade, seria natural pensar nelas como mais vulneráveis a possíveis doenças, pelo contato com clientes, por exemplo. O interessante é que o Charaka Samhita nem as coloca em primeiro lugar na lista dos mais doentes, pois são os sacerdotes que foram listados primeiro.

Nos Samhitas, não é apontada especificamente a questão das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) como fator de risco. Mas o que acaba com a saúde das cortesãs seria a necessidade de se dedicar tanto a entrar em um padrão de beleza e aparência, para agradar os clientes. E, nesse sentido, não dá para se enganar: as redes sociais transformaram todos nós em pessoas preocupadas em agradar os outros e alcançar a todo momento padrões estéticos artificiais.

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As cortesãs devotavam muito do seu tempo diário aos clientes. Como costume da época, tinham que manter o corpo sempre muito limpo e usar vários tipos de cosméticos e ornamentos, e por isso não conseguiam cuidar da própria saúde. Quem está sempre preocupado em como outros percebem sua aparência pode acabar negligenciando a própria saúde e priorizando avaliações e pressões externas.

Isso hoje se traduziria em injetar toxinas no rosto, para manter um padrão estético específico. Ou passar camadas e camadas de maquiagem todos os dias e cremes artificiais que prometem milagres. Tem ainda aquele “inocente” desodorante diário que promete deixar o seu corpo sem suar por 48 horas. Essas práticas estéticas não são erradas na essência. Mas será que praticá-las apenas para agradar os outros — ou como resultado da pressão social — não pode estar prejudicando a sua saúde?

A vida por dinheiro

E por último, a categoria dos mercantes ou comerciantes. Eles são descritos como pessoas que vivem uma vida sedentária e totalmente dedicada a gerar dinheiro. São apegados à ganância — comprando e vendendo bens o tempo inteiro — negligenciando a saúde e ignorando o próprio corpo. Seus negócios não podem esperar e precisam de cuidados integrais – ao contrário do próprio comerciante, que passa a existir mais como uma máquina de vender, trocar e ganhar. Ele acaba trocando sua saúde por dinheiro, quando o contrário não é possível.

Como deve ter dado para perceber, abrir mão da própria saúde — no caso dos sacerdotes, funcionários do rei, cortesãs e comerciantes — tem a ver com não olhar para si. O corpo adoece por falta de cuidado, de rotinas e de conexão com as suas necessidades.

Para essa semana sugiro que você faça um exercício e se pergunte se, na sua vida cotidiana, não acaba se comportando como um desses personagens descritos no Charaka Samhita. Em que momento você cuida da prática de exercícios físicos, da respiração, da alimentação consciente e do sono restaurador? Ou será que está vivendo uma vida dedicada a outras pessoas? Vire-se para si mesmo porque, quando adoecemos, não existe dinheiro, seguidores ou curtidas que nos devolvam a saúde.

* Esse artigo foi escrito com base em uma palestra e está disponível na íntegra no YouTube. Para assistir, clique aqui.


Matheus Macêdo é o primeiro brasileiro a se formar em medicina na Índia com especialidade em Ayurveda no curso BAMS (Bachelor in Ayurveda, Medicine and Surgery). Viveu na Índia quase 7 anos e de lá criou a VidaVeda uma empresa social dedicada a divulgar o conhecimento ayurvédico em língua portuguesa. Carioca, vive em Guimarães, Portugal, desde 2020, e percorre o mundo dando palestras sobre Ayurveda e Medicina Integrativa.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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