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O medo está paralisando a humanidade, mas podemos mudar isso
Yuliia Tretynychenko
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Teresa D’ávila, a mística e santa católica que viveu no século XVI e que ficou muito conhecida por suas obras sobre a vida contemplativa e espiritual, costumava dizer aos seus fiéis: “Não temam o diabo. Tenham medo das pessoas que são tementes ao diabo…”. Recorro a ela nesta minha coluna de hoje em Vida Simples para refletir sobre algo que venho notando com certa preocupação nesses tempos pós-pandêmicos.

Vivemos hoje uma grande “psicose coletiva do medo”. Parece que o culto à segurança virou nossa única razão para a existência humana.

Não estamos nos dando conta de que a disseminação do medo também tem sido responsável por tudo que estamos vivenciando hoje. Tem algo silencioso, uma espécie de desarranjo psicológico que está nos adoecendo. Recentemente, uma pesquisa global mostrou que as pessoas estão mais estressadas, tristes e doentes. Vivemos a maior crise de ansiedade da história. Mas por que estamos tão temerosos a tudo?

O inconsciente coletivo do medo

No mês passado, eu gravei um papo no meu podcast, o 45 Do primeiro tempo, com a professor de yoga e de meditação Dany Gonçalves. Ela alia ao seu método de trabalho conceitos da biopsicologia, um ramo da psicologia que analisa como o cérebro e os aspectos da nossa biologia, influenciam nossos comportamentos e sentimentos. Ela me dizia que, como sociedade, estamos intoxicados pelo medo e, “por medo de sentir medo, consumimos mais medo”.

Uau, que paradoxo! “O medo de sentir medo, consome medo…”. Achei a explicação de Dany bem pertinente, principalmente se levarmos em conta alguns aspectos mais sutis que compõem a nossa formação psíquica.

Imagine, por exemplo, uma pessoa que, por algum motivo, tem medo de sofrer um assalto. O que normalmente essa pessoa faz? Vai em busca de informação de quais os assaltos mais comuns estão acontecendo, quais os golpes que ela precisa estar atenta para não correr o risco de passar por aquela situação. Ela assiste o noticiário, lê sobre o assunto sempre com um olhar atento, afinal “a violência está aí, é preciso se precaver”, insiste sua mente vigilante.

Acontece – e aqui está o ponto central da reflexão – que pelo fato da pessoa entrar em contato com a informação e saber o que está acontecendo sempre com o “olhar atento”, faz com que a sua consciência crie instantaneamente a possibilidade de ocorrer aquele fato na sua vida. Quando nos colocamos a observar de uma maneira desproporcional para aquilo que nos causa medo, criamos uma espécie de “ressonância por correspondência” com o próprio medo. Segundo Dany, somos atravessados pelo inconsciente coletivo do medo, assim como tudo na vida e por tantos outros medos que nos trouxeram até aqui como humanos.

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Estamos aqui para viver ou sobreviver?

Vocês já repararam que ninguém mais questiona se devemos ser tão temerosos em relação a tudo? Se dermos uma passada pelo noticiário, vamos perceber que nada mais é seguro nessa vida. Parece que estamos obcecados com todos os perigos concebíveis. O medo se tornou uma característica básica de nossa cultura. Estamos transformando a “segurança” no nosso novo deus.

Como jornalista, e alguém que durante muitos atuou como repórter e depois como chefe de redação, não posso negar um certo fervor intrínseco da minha categoria pela busca por notícias mais trágicas. Atrai mais audiência e desperta outros debates. Mas, hoje, passados quase seis anos em que estou afastado do chamado hard news, sei também que muitas coisas podem ser apenas um recorte da realidade.

Existe violência? Claro que sim, mas também existe muita coisa legal acontecendo no mundo e pessoas incríveis trabalhando por uma realidade melhor que passam despercebidas pelo noticiário. No livro “O mundo mais bonito que nossos corações sabem ser possível”, Charles Einstein nos provoca: “Estamos aqui para viver ou para sobreviver?”.

A obsessão pela segurança amortece o espírito humano. Segurança em primeiro lugar reduz os horizontes de possibilidades. O que começa como cautela, torna-se conforto, depois hábito, depois prisão.

O medo ao longo da história

Esses dias, estava lendo um ensaio sobre o medo e essa nossa obsessão pela segurança ao longo da história humana. O texto chamava a atenção que em algumas das civilizações mais prósperas do passado, o medo foi contrabalanceado pela esperança e por uma crença otimista no potencial humano.

Durante o Renascimento, o Iluminismo floresceu a ideia de que indivíduos e comunidades, através de uma ação ousada e criativa, poderiam afastar os perigos e moldar o futuro incerto. Na Grécia Antiga e Roma, a coragem era tida em grande consideração e, por isso, os indivíduos eram proativos face aos riscos e ousados na presença do desconhecido.

“A sorte favorece os audazes”, nos lembra um antigo provérbio latino. Além disso, em muitas civilizações do passado foi reconhecido que a incerteza não é apenas uma fonte de perigo potencial, mas também de oportunidade.

Trazendo para nossos dias de hoje, penso que a pergunta que precisamos fazer a nós mesmos é: “Será que temos que ser temerosos a tudo?”. Ao fazê-la com nossa verdade mais profunda, intuo que estamos no bom caminho, afinal, a vida nos mostra que existe sempre uma alternativa.

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