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O consumo e o impulso de desejar sempre mais
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Numa reflexão sobre o seu histórico de necessidades, notará que ao longo dos anos o número de itens nunca parou de crescer. O que é natural. Todo o sistema trabalha para oferecer continuamente novos produtos. E a partir do momento em que algo está disponível, logo precisamos dele. E… com urgência, pois o desejo gera tensão e o ato da compra traz alívio. Porém, a satisfação que vem do consumo artificial é bola de sabão, pouco tempo depois, ela desaparece. A dinâmica é: estamos insatisfeitos, “precisamos”, compramos. A insatisfação volta, nova compra, nova insatisfação e assim vamos caminhando.

E, muitas vezes, a satisfação não acontece. Foi-se o tempo em que os cremes tinham três opções (pele normal, seca ou oleosa). Hoje, tempos de complexidade e sofisticação, eles têm os ingredientes mais improváveis e com promessas nunca imaginadas. Optamos por um e saímos inseguros e com a sensação de que não fizemos a melhor escolha. Entra em cena o que os economistas chamam de “custos de oportunidade”: escolher um é recusar todos as outros. Isto é: você perde os benefícios de todas as outras escolhas. Portanto, quem escolhe uma, numa oferta de 20 possibilidades, perde muito mais benefícios do que aquele que escolheu entre seis.

E esse drama não é restrito ao consumo de bens e serviços, está presente em todas as escolhas da esfera humana. Afinal, é consenso que o casamento é uma escolha difícil. Casar não é apenas dizer “sim” a um pessoa, mas é dizer “não” (ok, pelo menos em teoria) às dezenas de outros possíveis pretendentes (conhecidos ou que se venha a conhecer!). E quando se chega à internet — com produtos (e pessoas) do mundo inteiro — entra-se num campo ainda mais complexo: você se vê desejando coisas que nem sequer sabia que existiam.

A boa notícia é que o problema está em você mesmo (logo, também a solução). O capitalismo — e suas artimanhas — apenas aproveitam a oportunidade para o negócio. Somos seres que desejam. Uma marca tão vincada em nós que Michel Foucault define o homem como o “corpo desejante”. Antes dele, Platão destacou essa condição. O que é amar? É desejar. E o desejo é por aquilo que falta. Você ama o que você deseja e você deseja o que te faz falta. Porém, se você obtém o que deseja, desaparece a falta; se não há a falta, não se deseja, se não se deseja… não se ama mais. É o que acontece com o consumo. Você ama o último modelo? Depois da compra, o seu desejo é o novo lançamento…. (E, infelizmente, isso também acontece nas relações). E a vida é o que acontece entre esses dois estados: não temos o que queremos e sofremos com a falta; ou temos o que queremos (e já não queremos mais) e temos o enfado. E assim, chegamos ao pêndulo de Schopenhaur: oscilamos entre o tédio e a aborrecimento.

O que fazer? Não alimente o balanço do pêndulo. Agarre-se a lucidez, racionalize e domine os seus desejos. Medite sobre a relevância da compra; pense que o não necessário é lixo para o planeta… Recorde se já não teve algo similar no passado e reavalie a sua pertinência no presente. E traga Spinoza para sua vida. Para ele, o amor não é pelo que falta, é pelo que se tem. O amor é a experiência de uma alegria acompanhada de sua causa. Ame o que já é seu: o carro que está na sua garagem, o cônjuge que habita a sua casa e a estrada aonde você tem os pés.

MARGOT CARDOSO (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, contará histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

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