No Ritmo do Coração: ganhador do Oscar surpreende com história universal
Em sua coluna, Suzana Vidigal traz o seu olhar sobre "No Ritmo do Coração", ganhador do Oscar de Melhor Filme.
Em sua coluna, Suzana Vidigal traz o seu olhar sobre “No Ritmo do Coração”, ganhador do Oscar de Melhor Filme.
*Atualização (28/03/2022): Na noite de ontem, o Oscar premiou “No Ritmo do Coração” como vencedor na categoria “Melhor Filme”. Além do prêmio principal, também levou as estatuetas de “Roteiro Adaptado” e de “Melhor Ator Coadjuvante”, para Troy Kotsur, que se tornou o primeiro homem surdo a vencer um Oscar em uma categoria de atuação.
Histórias universais normalmente têm elementos de sobra para releituras. O tempo passa e aquela narrativa continua atual, pertinente. É o que acontece com o filme “No Ritmo do Coração”, de Sian Heder, que vem arrebatando prêmios por onde passa, está indicado a três Oscars, mas arrisco dizer, sem medo de errar, que sua contribuição maior vai além disso.
Com um roteiro emocionante e divertido, traz à tona uma questão absolutamente na pauta do dia: a construção de uma sociedade mais inclusiva — o que nos ajuda, e muito, no processo necessário de quebrar padrões.
CODA
Começando pelo começo, vamos ao título. Em inglês, o original é CODA, que é um acrônimo para “children of deaf adults” — “filhos de adultos surdos”, numa tradução livre. Baseado no filme francês A Família Bélier, de Éric Lartigau (2014), conta a história de uma família de quatro em que pai, mãe e filho são surdos-mudos, mas a filha não. É ela, Ruby (Emilia Rossi), quem faz a ponte entre a família e o mundo, quem facilita a comunicação entre eles e os pescadores da comunidade em que vivem, quem possibilita que o negócio aconteça. Sempre foi assim, até que Ruby percebe que adora cantar, entra na universidade e fica dividida entre estudar música ou ficar no vilarejo trabalhando com a família.
Falado em grande parte na língua dos sinais, isso não é impeditivo para que a gente se sinta parte da história, para que a gente se identifique com os personagens. Isso porque há uma quebra de paradigma importante no recorte escolhido: o roteiro não é escrito porque os personagens são surdos; o foco está no conflito que eles vivem e, coincidentemente, acontece de serem surdos.
O que é ressaltado não é a falta de audição, mas a questão universal do rito de passagem de Ruby, as questões de relacionamento, de relação mãe e filha e tudo mais que se encaixa perfeitamente na vida de todo mundo, independente da nossa condição.
Inclusão
Para tornar isso mais normal possível, a escolha dos atores e atrizes passa também por essa premissa. Os artistas são realmente surdos e foi necessário o inverso: que toda a equipe se adequasse a eles, com intérpretes e preparadores de elenco. Claro que isso também trabalha a inclusão quando se trata de dar oportunidade de trabalho a artistas com as mais variadas características e habilidades, incorporando personagens em que eles possam trazer seus talentos específicos.
O cinema tem trazido isso, numa preocupação que reflete o movimento de trazer maior representatividade para as narrativas. Surdos são representados por atores surdos; transexuais são representados por atores trans, e assim por diante. Assim, temos a chance de ouro de consumir obras mais diversas, plurais e inclusivas. Mais parecidas com a vida real na diversidade que ela nos apresenta.
Desconstrução
Tudo isso pra dizer que “No Ritmo do Coração” quebra esse paradigma de um recorte pela deficiência. Normatiza essa condição, desmistifica a vitimização, o isolamento, a falta de oportunidade — o que é muito saudável, convidando o espectador a visualizar não o que falta, mas o que tem de sobra: humor, trabalho, afeto, conversa, sexo. Sim, vida sexual ativa, alegria de viver e outras coisas mais da vida comum de todos nós, por assim dizer.
Inclusive, o filme dá de bandeja a chance de desconstruirmos essa palavrinha muito perniciosa que chamamos de “normalidade”.
O que é ser normal pra você?
O cinema está, felizmente, entregando obras que ajudam a olhar para esses conceitos e quebrar padrões de comportamento e vícios de linguagem.
1h 51min | Drama | Direção: Sian Heder | Roteiro: Sian Heder |Elenco: Emilia Jones , Marlee Matlin , Eugenio Derbez | Título original CODA | Disponível na Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play Filmes e YouTube (alugar ou comprar).
Leia todos os textos da coluna de Suzana Vidigal em Vida Simples.
SUZANA VIDIGAL (@cinegarimpo) é tradutora, jornalista e cinéfila. Gosta de pensar que cada filme combina com um estado de espírito. Mas gosta ainda mais de compartilhar com as pessoas a experiência que cada filme desperta na mente e na alma. Autora do blog Cine Garimpo, traz dicas de filmes para saborear e refletir.
*Os textos de colunistas e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login