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Móveis, abajures, vasos e porta retratos
Tony Lee | Unsplash
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Mais do que o que colocamos na nossa casa, ela pode ser um reflexo do que temos também dentro da gente. Olhar para o nosso lar também é se conhecer

Há muito tempo não passeava pelo Jardim Botânico de São Paulo. Respirar um pouco de ar puro na mata sempre me fez bem para organizar as ideias. No meu celular, aparece uma mensagem da Débora Zanelato, editora deste site, me convidando a falar sobre desapego para uma matéria em que ela estava trabalhando. Confesso que fiquei muito feliz pois poder colaborar com o assunto de viver com menos é tudo o que venho experimentando nesta nova fase da minha vida. Após a matéria, veio a oportunidade de estar aqui, para compartilhar desse movimento. Mas por onde começar? Perguntei.

A Débora, carinhosamente, me respondeu por mensagem cantando uma música do grupo infantil Tiquequê, que diz “quero começar mas não sei por onde, onde será que o começo se esconde”. Que interessante: olhando para minha própria história, descobri que esse começo se esconde lá na minha infância.

Quando criança adorava ajudar meu pai a pintar as paredes e a mudar os móveis da nossa casa de lugar.  “Assim é um jeito econômico de renovar”, ele dizia. Para meu pai era só um hobby, mas para mim era um mundo de possibilidades e combinações que ele nem imaginava ir se abrindo na minha frente.

Me lembro que passava tardes inteiras depois da escola recortando os móveis, os abajures, os vasos e os porta retratos das revistas que meus pais compravam e se inspiravam para renovar a casa. E assim eu cresci, pintando paredes, arrastando móveis e vendendo meus recortes para qualquer um que conversasse comigo.  Ajudar os meus familiares a organizarem seus espaços era tudo de mais legal que poderia acontecer na minha vida naquele momento.

E, em troca dessa ajuda, eu ganhava os móveis, os abajures, os vasos e os porta retratos que ninguém queria mais. Na edícula da casa onde vivia com minha família, conquistei um quarto só para mim. Lá eu colocava tudo o que eu ganhava, e aquele era o mundo que eu mais amava.

Escolhi cursar arquitetura e, durante muitos anos, criei todos aqueles espaços que eu recortava e guardava, e que ficaram gravados nas memórias da minha infância.

Quando me formei, decidi entrar para o cinema. Dirigindo o departamento de arte, meu maior desafio era criar ambientes para que as histórias pudessem ser contadas, onde cada objeto, personagem e figurino afetasse os sentidos dos espectadores.

Assim como meus recortes, passei anos acumulando  mais móveis, abajures, vasos e porta retratos que as vezes sobravam e que fizeram parte dessas cenas.

De alguns anos para cá, depois de uma separação bem difícil, comecei a olhar para todo este acúmulo de peças e a me questionar sobre mantê-las. Entendi que aquela vida não me traduzia mais. Eu queria criar histórias de verdade. E assim nasceu o Design Afetivo.

Desenhar interiores afetivos e poder, na vida real, conectar pessoas com suas histórias foi o que me transformou. Aprendi mais sobre mim e sobre o outro.

Um lar não se trata de uma casa de recortes de revista, mas sim de um espaço que você possa externar seu interior. Acredito que uma casa é extensão das pessoas que a habitam e ter coragem para se conhecer e trazer sua verdade para transformar seus ambientes faz todo o sentido para mim.

Inspirar as pessoas a fazer essa mudança olhando para suas próprias histórias é o que me move a seguir em frente. Estamos vivendo um momento de transição, e cada um de nós pode e deve fazer a sua parte nesta mudança a fim de aprender a lidar melhor com o que temos.

Em casa. É aqui que podemos ser de verdade. Minhas histórias são contadas para pessoas que acreditam em tudo isso.

Esta sou eu.

E isso é o que eu quero construir com você.

Clô Azevedo é arquiteta e acredita que a casa é uma extensão das vidas que a habitam. Desenvolve projetos de design de interiores afetivos para conectar pessoas com suas histórias, inspirando a reinventar seu próprio espaço, morar bem e viver melhor. Seu site é designafetivo.com.

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