Menopausa na perspectiva do ayurveda
A menopausa é uma transição tão importante quanto a puberdade. O Ayurveda pode te ajudar nessa etapa da vida que não precisa ser sinônimo de desconforto.
A vida é feita de ciclos. Ciclar é universal: planetas, ecossistemas, estações. Tudo passa por ciclos. E com a mulher não é diferente. O ciclo faz parte dela em cores vivas, desde muito nova. A mulher tem a oportunidade de observar através da sua própria natureza as mudanças que podem ocorrer no seu corpo ao longo da sua vida: menstruação, gestação e menopausa. Gosto de pensar que as mulheres têm a sorte de poder entender desde muito cedo o impacto dos ciclos na própria saúde.
As mulheres podem perceber seus ciclos e aprender a prestar atenção nos hormônios e nas alterações do corpo. É por isso que a menopausa é um momento tão decisivo, com o potencial de abalar a autoestima das mulheres se não for tratado com o cuidado que merece. Ressignificar e aceitar essa etapa da vida como um processo natural pode ser o primeiro passo.
Muitas vezes me procuram pedindo receitas de reposição hormonal não-medicamentosa. Isso é um erro conceitual: se você está fazendo uma reposição, com certeza, ela envolve um medicamento. Mesmo uma substância natural, uma erva, é considerada medicamento para o Ayurveda. Mas por que partimos do princípio de que, já na pré-menopausa, a mulher precisa buscar repor os hormônios que “perdeu”? Por que todas as mulheres precisariam desse tipo de intervenção?
Na nossa ânsia de simplificar as coisas, deixamos de honrar a complexidade do corpo humano. Às vezes, aplicamos a lógica de uma receita culinária qualquer: se está insosso, basta adicionar sal. Mas a fisiologia humana é muito mais intrincada do que simplesmente adicionar ingredientes numa panela. Adicionar um hormônio específico pode produzir um novo equilíbrio, pois a bioquímica funciona por meio de sistemas de feedback positivos e negativos. Dito de forma simples: tudo afeta tudo. Aquele creme de testosterona pode mexer em muitas coisas além do número que aparece no seu exame.
Por que repomos hormônios?
A reposição é um avanço científico maravilhoso que pode ajudar muita gente. O fato de ser útil para algumas pessoas não significa que deve ser padrão para todo mundo. Na maioria das vezes, quando se trata de menopausa, a necessidade de reposição hormonal parte da visão de que seu corpo perdeu a governança. A perspectiva de reposição é que o corpo agora precisa de intervenção externa para se regular. O que proponho é um olhar individualizado e de carinho. Carinho com você e com a sua mudança de vida. Talvez você precise de uma intervenção temporária. E acho fundamental fortalecer a consciência de que você não quebra quando envelhece.
Existe uma perspectiva de que a mulher precisa ser consertada quando passa pela menopausa. E a lógica é desistir do corpo e entender a menopausa como um erro de projeto. Quem ganha com essa lógica de invalidação? Você ainda tem grande parte da vida para viver, e seu corpo é ótimo. É uma fase de transição, como quando passamos por estações do ano, como do verão para o outono, por exemplo. Nós olhamos para o mundo, sentimos a mudança de temperatura, e nos preparamos com roupas mais quentes.
Respeitar a transição
Quando você passou por uma transição parecida, a menarca, foi a mesma relação. Você viveu uma virada hormonal, a menstruação, e a revolução do corpo: seios, pelos, dores. Poderíamos parar e pensar: isso é um erro de projeto, precisamos parar a adolescência com suplementação hormonal. Nós não questionamos a transição natural da adolescência. Então por que na menopausa o seu corpo estaria quebrado? Essa é mais uma virada hormonal. Delicada? Talvez. Dolorosa? Para muitas mulheres, sim. Assim são as transições e você precisa respeitar a sua individualidade e necessidades particulares nesse momento.
Apesar do machismo reinante na sociedade, os homens também caem no mesmo conto. Por isso que viagra é um dos medicamentos mais vendidos da história da humanidade. Somos direcionados a acreditar que, se estamos fora de padrão artificial qualquer, só podemos estar quebrados. E que deveríamos ser aos 60 anos os mesmos jovens que éramos aos 30, com a mesma potência sexual. Imagina quanta gente sofre com esse tipo de pressão sociocultural?
Reposição hormonal não é errado
E quero deixar claro: sou muito grato por termos a tecnologia para fazer intervenções hormonais. Médicos sensíveis conseguem avaliar a necessidade de fazer isso com maestria. Mas precisamos levantar a questão: por regra, toda mulher tem que passar por reposição? Nossa sociedade oprime as mulheres, exigindo que aos 60 anos elas tenham a mesma pele dos 30, a mesma libido dos 20, a mesma aparência de sempre. E isso é injusto, porque priva a mulher de viver plenamente suas fases. Por que homem grisalho é charmoso e mulher grisalha está envelhecida? Dentro do meu lugar de fala, como agente de saúde, não vejo defeitos físicos em uma mulher saudável que envelhece. Cada estação do ano e cada fase da vida tem seus prós e contras, suas belezas e desafios.
Talvez a reposição mais urgente seja de autoamor e autoaceitação. E respeitar os momentos da transição, que exigem paciência. Quem acaba de terminar um relacionamento, por exemplo, pode não estar pronto para começar a sair com alguém. As transições levam o tempo que levam e estar presente e consciente é o melhor jeito de não criar complicações desnecessárias nesses momentos delicados. Precisa de ajuda na menopausa? Converse com diversos médicos, mas não esqueça de viver a transição plenamente. Sem apego ao passado. Você não precisa ser agora quem já foi no passado.
O Ayurveda ajuda na transição quando focamos no presente. Como você está se sentindo hoje? Todos os dias, lidamos com o hoje. Com as possíveis securas, ondas de calor, mudanças na pele. Com a busca constante pelo novo ponto de equilíbrio. Cada pessoa tem o seu e ele muda de momento a momento mesmo. Para mim, uma das coisas mais lindas de lidar com seres humanos é exatamente isto: cada pessoa é um universo inteiro.
*Quando os termos “mulher” e “saúde feminina” são usados, é uma referência à pessoas cisgênero, ou seja, pessoas do sexo feminino que se identificam com o gênero feminino. O texto faz um recorte de gênero sem, entretanto, ser excludente com quaisquer identidades de gênero.
Matheus Macêdo é o primeiro brasileiro a se formar em medicina na Índia com especialidade em Ayurveda no curso BAMS (Bachelor in Ayurveda, Medicine and Surgery). Viveu na Índia quase 7 anos e de lá criou a Vida Veda, uma empresa social dedicada a divulgar o conhecimento ayurvédico em língua portuguesa. Carioca, vive em Guimarães, Portugal, desde 2020 e percorre o mundo dando palestras sobre Ayurveda e Medicina Integrativa.
*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login