Leia mulheres: 10 livros para entender, viver e ser mulher
No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, confira uma seleção com 10 obras fundamentais para entender, viver e ser mulher.
Sou jornalista há mais de dez anos. Já fui repórter de jornal impresso, daquelas que vai para a rua e se mete nas maiores furadas. Atualmente, sou professora. Comecei dando aula para bonecas na infância, depois como voluntária e agora com alunos para chamar de meus e que me obrigam a querer saber mais e a ensinar melhor todos os dias. E, por fim, sou estudante desde que me entendo por gente, atualmente fazendo Odontologia, mas certamente quando enfim for cirurgiã-dentista, vou seguir sendo estudante, em qualquer área, por conta própria ou em alguma instituição. As minhas ocupações me definem, assim como a minha nacionalidade, família, gostos e hábitos. Mas nada certamente me define mais do que ser mulher.
Por isso, já adianto aos meus queridos leitores – mesmo que seja apenas a editora e dois ou três amigos mais chegados – que este é o texto mais difícil que já escrevi.
Como indicar um livro que ajuda a entender o que é ser mulher? Como selecionar um livro da Clarice Lispector e deixar de lado um da Conceição Evaristo? Ou ainda ter que escolher entre a Cora Coralina, a Cecília Meireles e a Adélia Prado? E olha, eu nem saí do Brasil, citando só alguns grandes nomes do último século.
O movimento “leia mulheres”
Certa vez um amigo me questionou sobre o movimento #leiamulheres, alegando ser algo segregador, que incitava o ódio e o mais grave, na opinião dele: os livros devem ser escolhidos com critérios técnicos relacionados ao gênero textual, enredo, construção de personagens… jamais tendo como critério o gênero do autor. Eu concordo em muitos aspectos com as ideias dele, sabe. Contudo, o grande questionamento jamais foi a qualidade, mas a visibilidade dada as autoras.
Um ótimo ponto de partida é analisar a presença feminina nas listas de premiações. Usando o Nobel de Literatura, talvez o mais famoso do mundo, como comparação: apenas 16 mulheres foram laureadas com a honraria em um total de 117 premiados nos últimos 121 anos.
Não te convenci? Pois bem, analise a lista de livros indicados como leitura obrigatória nas escolas e constate a ausência perturbadora de autoras na lista. Ainda precisa de mais indícios de que a qualidade só pode ser comparada quando o acesso às obras for menos discrepante? Analise a sua estante, a de amigos, parentes, tire os livros escritos por homens e deixe apenas os livros escritos por mulheres. Prepare-se então para uma imagem assustadora da estante antes espremida com mais espaços vazios do que exemplares.
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A frase célebre de Freud “Afinal, o que querem as mulheres?” pode ser respondida de tantas formas que não caberiam em todas as páginas de todas as edições de Vida Simples. E olha, são 20 anos de publicações.
A minha reposta para o grande questionamento é bem simples: as mulheres querem falar e ser ouvidas, querem ocupar os mesmos espaços, com liberdade até para decidir não os ocupar. O que as mulheres querem desde que o mundo é mundo é poder existir em segurança e ter a liberdade de escolher ser ou estar onde bem entenderem.
E só para fazer valer o meu direito de escolha, selecionei 10 livros escritos por mulheres que seguem apenas um critério, todos são incríveis e foram escritos por autoras que revolucionaram, de algum jeitinho ainda que sutil, a minha forma de entender, sentir e amar ser mulher.
10 livros para entender, viver e ser mulher
A Mística Feminina – Betty Friedan
Editora Rosa dos Tempos, 560 páginas
O livro pode não ter envelhecido bem, já que foi escrito em 1963 e aborda apenas mulheres americanas de classe média. Mas, sendo honesta, nada que desqualifique ou diminua a obra. A autora Betty Friedan foi uma vanguardista apenas por dizer o que hoje talvez pareça óbvio: mulheres são seres complexos e que dificilmente serão felizes se restritas aos filhos e maridos. Em suma, ela explorou as possíveis causas e as muitas consequências do chamado “problema sem nome”, basicamente uma inquietação causada pela pressão social de seguir um padrão, a falta de autonomia e uma incapacidade, imposta pela cultura machista, de tomar as próprias decisões.
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Coral e outros poemas – Sophia de Mello Breyner Andresen
Companhia das Letras, 392 páginas
Eu nem vou me dar ao trabalho de falar sobre essa portuguesa que amava o Brasil, o mar, a vida… Vou apenas deixar vocês com uma estrofe selecionada quase que aleatoriamente, para provar que ela é uma perfeita tradutora de almas até em momentos de descuido do leitor. Se depois disso a vontade arrebatadora de ler a obra toda não vier, nada que eu disser vai ser capaz de convencer.
“Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.”
A hora da Estrela – Clarice Lispector
Editora Rocco, 88 páginas
Quando alguém poderia pensar em nomear uma protagonista de Macabéa? E dar a ela uma trajetória tão única, com um final apoteótico e, de quebra, ainda obrigar o leitor, já com o cérebro dolorido, a pensar sobre a nossa passagem na Terra e como nem sempre conseguimos enxergar o próximo como um semelhante? Só Clarice Lispector seria capaz. E ela não poderia faltar em uma lista como essa. A fome que Macabéa sentia, no sentido literal e metafórico, ainda hoje me assombram. A curiosidade dela ao ver um mundo novo, muitas vezes cruel, ainda me faz pensar em como a vida é feita de infinitas camadas e nem sempre estamos prontos para a próxima.
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A Guerra não tem rosto de mulher – Svetlana Aleksievitch
Editora Companhia das Letras, 392 páginas
O estilo de escrita da ganhadora do Nobel é único, portanto, não admite meio termo. Há quem, como eu, ame de paixão. E ainda, aqueles que não conseguem ultrapassar as primeiras páginas. No caso de “A guerra não tem rosto de mulher”, assim como em “Vozes de Tchernóbil”, talvez sua obra mais conhecida no Brasil, quem fala são os personagens por meio de entrevistas e relatos colhidos pela autora ucraniana ao longo dos anos.
No caso de “A guerra não tem rosto”, o que choca é um fato histórico pouquíssimo conhecido: quase 1 milhão de mulheres russas lutaram na Segunda Guerra Mundial defendendo o Exército Vermelho. A autora então faz uma viagem ao passado e consegue encontrar pessoalmente ou por meio de diários e cartas com as mulheres que estiveram no front. Para nós, sempre vendo apenas uma perspectiva masculina da guerra, ler essa obra é um choque de realidade, assombro e a ter a certeza de que não existem vencedores em uma guerra, seja ela de qualquer natureza.
O Sol é Para Todos – Harper Lee
Editora José Olympio, 349 páginas
Livros narrados por crianças: como não amar? E se a criança é esperta, serelepe, questionadora e irreverente, não tem como evitar querer levar para casa e continuar lendo até o livro acabar. Poucas obras abordam temas como racismo e desigualdade social de forma tão precisa. Não por acaso, é uma obra de leitura obrigatória em quase todas as escolas americanas. Como uma amiga costuma dizer, é um livro que eu gostaria de esquecer, só para ler novamente e ter uma grata surpresa.
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A Casa dos Espíritos – Isabel Allende
Editora Bertrand Brasil, 449 páginas
Eis aí um livro para conhecer a história da América Latina por um prisma único: o do realismo fantástico, movimento que nasceu e transbordou por essas bandas para nossa alegria e orgulho. A saga de uma família tradicional é o pano de fundo perfeito para tirar diversos fantasmas do armário e ainda iniciar uma excursão pelos meandros da política chilena e ouso dizer, passando pelas ditaduras militares dos países vizinhos. É um livro sensível, apaixonante e que deixa quem lê para sempre ligado à autora. Uma excelente porta de entrada para um mundo mágico, místico e uma escrita envolvente. Aproveitando o ensejo, já que estamos aqui, dê também uma chance aos livros menos conhecidos de Dona Isabel maravilhosa Allende, como por exemplo “A Ilha sob o mar” e “De amor e de sombra”
As alegrias da maternidade – Buchi Emecheta
Editora Dublinense, 320 páginas
Não se iluda com o título. Alegria nesse livro é mais escassa que um dia de temperaturas amenas no verão brasileiro. E, no entanto, mesmo sofrendo página após página, eu não consigo pensar em nenhuma outra obra para representar uma das autoras nigerianas que mais vem ganhando merecido destaque nos últimos anos. A escrita é fluida, em tom jocoso de amizade, em alguns momentos o reflexo é a vontade de entrar no livro e ajudar, ou ao menos dar um abraço e um bolinho com café para a protagonista Nnu Ego, uma jovem saída de uma tribo e jogada diretamente no fervo de Lagos, a capital do país. E tem marido abusador, vizinha futriqueira, patrão maluco, aborto espontâneo seguido de um medo enorme de “jamais gerar um filho e ser devolvida para a família”. Enfim, elementos e reviravoltas não faltam na trama. Mas o que tocou o meu coração verdadeiramente foi conhecer um pouquinho sobre alguns costumes nigerianos tanto tribais quanto das cidades grandes.
Que livro, meus amigos, que livro! E se depois você quiser continuar ainda tem “Cidade de segunda classe”, “No fundo do poço” e “Preço de noiva” já publicados no Brasil. Eu aviso quando o próximo sair, afinal, fã de carteirinha é assim, vigia até as traduções. Em tempo, por falta de espaço não vou contar em detalhes, mas fora da ficção a vida da autora já é um livro e dos melhores. Musa inspiradora, daquelas que a gente nem encontra adjetivos bons o bastante e diz apenas: “Que mulher!”
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Querida Konbini – Sayaka Murata
Editora Estação Liberdade, 152 páginas
Inadequação, apatia, senso prático desconectado de traquejo social, são só algumas pistas de uma protagonista que tinha tudo e mais alguma coisa para ser odiosa, no mínimo. Mas é a ingenuidade de Keiko Furukura que vai justamente conquistar você até a última página e fazer você implorar por mais. Ela encontra a solução para a falta de inteligência emocional trabalhando em uma espécie de loja de conveniência chamada Konbini, criando uma relação quase simbiótica com o lugar. E enquanto a autora habilmente discute as imposições sociais que normalizamos, usando de um humor único e sátiras que vão fazer você repensar se está vivendo ou existindo, a vontade de sair correndo para o Japão e conhecer de perto uma Konbini só cresce.
A Elegância do Ouriço – Muriel Barbery
Editora Companhia das Letras, 352 páginas
Ah, gostaria de começar o texto com um suspiro. Além de ter Paris como pano de fundo, a cidade que guarda um pedacinho da minha alma, o livro é contado pela perspectiva infantil de Paloma, uma pequena notável. A amizade da garotinha com a zeladora Renée está na minha lista de melhores parcerias de todos os tempos. Só peço que leiam o mais rápido possível essa obra-prima. É um livro que reúne o que há de melhor: personagens bem construídas, uma trama envolvente, elementos externos como livros, filmes e músicas que ajudam o leitor a se situar e até mesmo conhecer coisas novas, um debate acalorado sobre os papéis sociais e o sentido da vida. É um livro para todas as idades, gêneros, nacionalidades… O importante é não passar por esse mundo sem ter vivido um pouquinho através de Paloma e Renée.
Esboço – Rachel Cusk
Editora Todavia, 192 páginas (vol I).
Eu achei um tanto perturbador gostar muito de um livro, ou melhor, dessa trilogia composta por Esboço, Trânsito, Mérito e não saber explicar exatamente o motivo. Não é de hoje que a escrita dessa inglesa me incomoda. É genial, ao passo que é também trivial. Decidi aceitar que a beleza e o fascínio das obras dela estão justamente aí: na forma como ela explora o cotidiano e faz de pessoas normais grandes personagens repletos de dramas. Em geral, os livros são curtos e sem muita firula. Até o momento que uma só frase muito bem construída desmonta o pobre leitor e obriga ele a pousar os livros por um segundo enquanto pensa: “eu gostaria de um dia ter escrito isso”.
Só para não desanimar quem olha torto para livros com sequência, os três volumes podem ser lidos separadamente e até fora da ordem sugerida. Mas, claro, a experiência completa é infinitamente mais deliciosa. Não te convenci? Tudo bem, a autora tem também “Arlington Park” e “As variações Bradshaw” que seguem o mesmo estilo e não tem nenhum tipo de continuação, uma ótima opção para começar, já que também não são grandes. Mas, não me culpe depois se não conseguir explicar o motivo de querer mais e mais.
Ser mulher: que livros escritos por mulheres você está lendo?
Fiquei curiosa para saber quais livros você, leitor, adicionaria a essa lista.
Escreva nos comentários o nome e compartilhe conosco por que a sua escolha merece ser lida por mais pessoas. Vamos povoar as estantes das pessoas com mais autoras mulheres!
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