Filhos confiantes: veja ideias para praticar a educação socioemocional em casa
Antônia Burke estreia na Vida Simples falando sobre como criar um ambiente de apoio para nutrir a confiança e o desenvolvimento dos filhos.
- Ambientes acolhedores ajudam crianças a florescerem
- Quais os limites entre disciplina e violência na criação dos filhos?
- As pressões do sistema educacional e um mundo em constante mudança
- É preciso quebrar o ciclo de violências dentro e fora de casa
- Como criar filhos confiantes? Conheça a regra de ouro para qualquer relação
- Mais 12 ideias de educação socioemocional para fortalecer a confiança dos filhos
- Acompanhe a coluna para saber mais sobre educação socioemocional
Como podemos criar um ambiente de apoio que estimule o desenvolvimento pleno de nossos filhos, tanto no âmbito emocional quanto intelectual? Posso afirmar que a educação socioemocional é uma ferramenta fundamental para ajudar a criar filhos confiantes.
No meu trabalho, acompanho muitas famílias que demonstram uma angústia imensa por não conseguirem se conectar com seus filhos. São cuidadores que precisam lidar com notas baixas, sensação de que estão falhando, julgamentos e palpites vazios. Como resultado, um lar desarmônico marcado por brigas, decepções e ausência de diálogo, o que só aumenta a sensação de impotência. Na outra ponta, vejo crianças e adolescentes desmotivados, que se sentem insuficientes diante das cobranças feitas pelos pais e pela escola.
Pelo menos uma vez por mês, recebo um novo laudo de estudantes diagnosticados com ansiedade, depressão e outros transtornos que têm afetado tantas pessoas, cada vez mais jovens. No entanto, essa desconexão não é apenas uma questão de distância intergeracional, mas também – e talvez principalmente – o reflexo de um sistema educacional que moldou nossa própria criação e que, embora esteja se atualizando, ainda está longe de ser o ideal.
Ambientes acolhedores ajudam crianças a florescerem
Há muitos anos, sou convidada a conduzir palestras para estudantes que estão prestes a iniciar a jornada do vestibular. Normalmente, costumo realizar uma atividade em que eles são convidados a expressar suas maiores preocupações relacionadas a esse momento de suas vidas. Peço para escreverem anonimamente esses sentimentos, que são posteriormente coletados, embaralhados e sorteados por alguns dos próprios estudantes. Na sequência, leem o conteúdo, compartilham se sentem as mesmas angústias e oferecem palavras de conforto uns aos outros. O objetivo principal dessa dinâmica é que eles percebam que suas preocupações não são únicas, que outras pessoas desconhecidas podem se identificar com seus sentimentos.
O objetivo é cumprido: eles adoram. Saem mais relaxados, alguns choram, desabafam, outros se empolgam nos conselhos, tudo ótimo. E eu saio arrasada, sempre. Por quê? O conteúdo dos papéis, ano após ano, é essencialmente o mesmo: “Tenho medo de decepcionar meus pais”, “Não me sinto inteligente o suficiente”, “Acho que não sou capaz de alcançar meu objetivo”, “Não quero desperdiçar o dinheiro da minha família”, “me sinto triste, cansado, tenho crises de ansiedade e minha família acha que estou fazendo drama para não estudar”.
Há menos de duas semanas, fiz uma dinâmica parecida em uma turma de 6° ano. Eles escreviam a frase mais violenta que já ouviram ou disseram a alguém, embaralho e depois peço para alguns sortearem um papel e dizerem como acham que aquela frase poderia ter sido dita de forma menos violenta.
Um dos meus alunos escreveu “Quando meu pai me bate e diz que não sirvo para nada”. Arrasada de novo. Como saber quem escreveu em um universo de 30 crianças possíveis? Como defender aquela criança de 11 anos de um futuro que eu conheço perfeitamente?
Quais os limites entre disciplina e violência na criação dos filhos?
Eu poderia citar muitos outros casos que marcaram minha trajetória na educação, mas talvez faça sentido explicar o motivo de escolher esses dois especificamente, mesmo diante de tantas histórias possíveis em vinte anos de sala de aula.
Cresci em um lar guiado e aterrorizado pela violência doméstica. Um pai, com seus próprios traumas, que passou toda a nossa infância e adolescência nos espancando, torturando e humilhando. Especialmente comigo, a justificativa que ele encontrava para os maus tratos era a escola. As notas, o desempenho, a falta de destaque.
Com seis anos, comecei a aprender a fazer cálculos. E a única coisa de que me lembro é da prancheta batendo repetidas vezes contra o meu rosto. Cresci sendo chamada de burra, estúpida, idiota, medíocre. São palavras que ainda reverberam em mim com muita frequência.
Dificilmente uma criança consegue aprender quando vive com medo, em estado de alerta, temendo pelo que acontecerá quando chegar em casa, seja uma violência física ou um olhar de desprezo. Eu era exatamente assim. E esse mesmo pai era chamado na escola para ouvir os professores dizerem que eu não me esforçava, não me dedicava e que não iria muito longe. Em tempo: não os responsabilizo por isso, só aprendi a ser professora no chão da escola em uma época em que já entendemos a importância de interferir quando uma criança está sendo injustiçada.
Há pouco tempo, eu achava que as marcas e sequelas no meu rosto e no meu corpo eram o máximo que poderia ter ficado em mim e que, por isso, eu deveria ser grata por não mais viver daquela forma. Ainda não entendia que as marcas psicológicas, na alma, são até mais violentas do que um soco. E levam mais tempo para cicatrizar.
Até escrever meu primeiro artigo, com mais de 30 anos, nunca mencionava as minhas vivências, nem mesmo para amigos próximos. Achava que seria constrangedor para as pessoas e, acima de tudo, que não cabia dividir ou me comparar a ninguém, porque minha história era muito diferente. Quando me tornei professora, essa percepção mudou – e vem mudando – bastante.
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As pressões do sistema educacional e um mundo em constante mudança
Antes de começar a trabalhar como educadora socioemocional, eu era diretora escolar. Cansei de atender famílias que diziam “meu filho não quer nada”, “minha filha fica na frente do livro e não tira nota alta”, “você acha que meu filho é burro”? “Ela fica meses sem celular, eu até bato pra ver se acorda, mas nada surte efeito”, “a gente briga todos os dias, a convivência está insuportável”. E na grande maioria das vezes, quando eu me sentava para conversar com esse estudante, percebia que ele apenas nunca tinha sido ensinado a estudar, independentemente da idade. E essas frases seguem comuns no meu cotidiano, a cada palestra ou atendimento que realizo.
A verdade é que a geração de pais e educadores de hoje já foi criada em um sistema educacional defasado, pouco coerente com a ideia de desenvolver potencialidades individuais. Muitos de nós crescemos escutando que é “só sentar e estudar”, ignorando o fato óbvio de que não nascemos com essa habilidade e, acima de tudo, que somos muito diferentes uns dos outros. Logo, aprendemos de formas diferentes.
Felizmente, muitas famílias já estão lutando para encontrar o equilíbrio na educação de seus filhos, entre as pressões do sistema educacional que conhecem e a necessidade de prepará-los para um mundo em constante mudança, que exige habilidades como resiliência, adaptabilidade e pensamento crítico.
No entanto, até mesmo essas famílias sentem-se inseguras quanto ao seu próprio desempenho enquanto formadores, então tendem a reproduzir atitudes e posturas que já não fazem mais sentido, mesmo que eventualmente. Multiplicam-se o número de educadores parentais e dicas de como criar filhos e, assim, os pais vão deixando de lado uma ferramenta essencial para quem está formando um ser humano: a intuição. Não importa que os avós, amigos ou tios digam que você está fazendo errado: maltratar ou diminuir seus filhos nunca será uma boa solução.
É preciso quebrar o ciclo de violências dentro e fora de casa
Quando você diz – mesmo em situações limite e eventuais – que seu filho não serve para nada, quando incentiva seus familiares a categorizar crianças e adolescentes como “bons” ou “maus” de acordo com as suas notas, quando os violenta fisicamente ou humilha – em menor ou maior grau – as chances de passarem a ser os melhores alunos da escola são nulas, garanto.
Ao perpetuarmos essas atitudes, estamos condenando nossos filhos e alunos a um ciclo prejudicial. Eles passam todo o ensino fundamental acreditando que são intelectualmente incapazes devido a julgamentos baseados em notas ou críticas destrutivas. À medida que entram no ensino médio, já estão resignados a seus destinos.
Como resultado, vamos desperdiçando talentos e habilidades que poderiam não apenas beneficiá-los, mas também contribuir para uma sociedade com menos pessoas infelizes, frustradas e inseguras.
Afinal, quantos adultos do seu círculo social, familiar ou profissional ainda carregam as consequências da forma como foram criados ou levados a acreditar que não tinham talentos? Se você observar atentamente, até mesmo os considerados “bem-sucedidos” podem transparecer as consequências de uma educação tão limitada como a que nos foi oferecida de forma geral. Agressividade, falhas de comunicação, ressentimentos, estado constante de defesa.
Quantas pessoas se identificam todos os dias com a síndrome do impostor? A sensação de que não se é bom o suficiente mesmo diante do reconhecimento ou a de que a sua inabilidade será “descoberta” a qualquer momento? Parece bem claro que as coisas estão relacionadas: quando uma criança cresce escutando que não é capaz, ela não deixa de acreditar nos adultos, deixa de acreditar nela mesma. E isso dificilmente se perde quando nos tornamos adultos.
Como criar filhos confiantes? Conheça a regra de ouro para qualquer relação
Depois de explicar tudo isso, como podemos fazer diferente, então? A regra de ouro é: observe seus filhos para conhecê-los melhor. Acima de tudo, saiba responder a essas perguntas:
- Do que eles gostam?
- Do que não gostam?
- Quem são seus amigos?
- Eles sentem solidão excessiva?
- Quem são seus professores?
- O que estão aprendendo na escola?
Depois, convide-os a ensinar o que estão aprendendo e não corrija ou interrompa. Escute. Eles podem achar chato no início, mas se essa for uma prática constante, pode acabar se tornando um bom momento em família.
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Mais 12 ideias de educação socioemocional para fortalecer a confiança dos filhos
- Esteja em contato com a escola. Saiba quem são os coordenadores, tenha o contato direto deles. Pergunte com alguma frequência sobre como andam as coisas para o seu filho. Vá às reuniões sempre que possível, deixe seus filhos saberem que você sabe o que está acontecendo por lá. Esses profissionais, em geral, são muito sobrecarregados. Se o interesse parte do responsável, é mais fácil colher impressões verdadeiras.
- Procure perceber se seu filho sabe como aprende melhor. Resumos, mapas mentais, Técnica Feynman, Método Pomodoro, cards de memória. São tantas formas diferentes de aprender! Peça ajuda à escola, se não souber como pode começar a introduzi-las. Quando eles entendem como absorvem informações de maneira mais eficaz, podem otimizar seu aprendizado.
- Estimule a curiosidade natural de seus filhos. Encoraje-os a fazer perguntas, explorar novos tópicos e buscar respostas. Mesmo com filhos adolescentes, é possível mudar a forma de agir habitual e convidá-los a tentar caminhos ainda não explorados, às vezes justamente pela sensação de que certas coisas não são para eles.
- Ajude seus filhos a definirem metas realistas e alcançáveis. Isso os ajuda a desenvolver habilidades de planejamento e ameniza a ansiedade. Se um estudante tirou 4,0 em um bimestre, sua meta pode ser tirar 5,0 no próximo boletim. Comemore as conquistas, mesmo que pareçam pequenas. Elogie.
- Incentive a leitura regular. Ler amplia o conhecimento, melhora a compreensão e ajuda a desenvolver habilidades de comunicação. E não adianta dizer que seu filho não lê nada e passar a noite inteira no celular ou assistindo a séries. Voltando às metas realistas, combinem que toda a família reservará vinte minutos de leitura diária e em conjunto, por exemplo.
- Incentive seus filhos a participarem de atividades extracurriculares que lhes interessem. Isso ajuda a desenvolver habilidades sociais, facilita o trabalho em equipe e desperta paixões pessoais. Não precisa forçar nada, apenas ofereça a oportunidade.
- Procure criar um ambiente em que seus filhos se sintam à vontade para cometer erros e aprender com eles. Evite julgamentos excessivos ou críticas destrutivas. Muitas vezes, seu filho não consegue estudar a matéria porque nem chegou ao nível da dúvida, não sabe nem por onde começar e tem vergonha de dizer.
- Reconheça a importância de um equilíbrio saudável entre estudo e lazer. Deixar tempo para atividades recreativas e descanso é essencial para o bem-estar.
- Ofereça suporte. Eles precisam saber que podem contar com você quando enfrentam desafios emocionais. Se seu filho escondeu o boletim, isso não significa simplesmente um traço de mau-caratismo. Se ele precisou esconder, provavelmente é porque não encontra apoio ou suporte em suas falhas. E, antes de tudo, por que essa falha aconteceu?
- À medida que crescem, dê a eles a oportunidade de tomar decisões e assumir responsabilidades crescentes, preparando-os para a independência. Evite dizer coisas como “eu queria um filho médico” ou “por que você não se torna advogado como o seu avô?”. Já vi muitos alunos voltarem à minha sala de pré-vestibular anos depois de terem sofrido as consequências de seguir os desejos dos pais. E esses são os que dão sorte; a maioria não se sente capaz de mudar o próprio percurso.
- Esteja disposto a aprender e a se adaptar como pai ou responsável. A educação está em constante evolução, estar atualizado é fundamental. Acima de tudo, conheça seu filho, demonstre interesse por ele, não apenas pelas suas notas.
- Quando apropriado, compartilhe suas próprias experiências pessoais e desafios que enfrentou. Isso pode ajudar a construir um vínculo mais forte com seus filhos. Por mais que pareçam não ter interesse, eles gostam de perceber que os pais também falham e têm inseguranças.
Acompanhe a coluna para saber mais sobre educação socioemocional
Criar um ambiente de apoio e nutrir o desenvolvimento de seus filhos é um processo contínuo. Cada criança é única, e o que funciona para uma pode não funcionar para outra. Essa é a vida! Não precisamos reproduzir a educação que recebemos, não precisamos ser nossos pais, até porque nossos filhos não são réplicas de nós mesmos. É possível reconhecer o mal que seus cuidadores podem ter feito e ainda assim entender que eles fizeram o melhor que podiam. O importante é quebrar o ciclo de violências, das menores às maiores.
Eu não tive oportunidade de aprender a ser uma boa mãe e sequer sei se essa “boa mãe” existe. Meu desejo é ser a mãe que meu filho precisa.
Hoje, ele tem 15 anos e procuro seguir sempre as dicas que ofereço quando se trata de acolher, tanto nas questões subjetivas quanto nas intelectuais. No entanto, nem sempre obtenho sucesso, o que também aprendi que é absolutamente natural. Nessas horas, procuro seguir a intuição: lembrar quem é meu filho e me responsabilizar apenas pelo que me cabe.
A única coisa que faço sem pestanejar é oferecer amor, apoio e segurança, porque sei bem o quanto essas três palavras fizeram e fazem falta por aqui.
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