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Exercícios para ser feliz
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Neste artigo:

Porque simples práticas do dia a dia podem trazer mais felicidade do que a concretização de grandes sonhos.

O “The Happy Show” finalmente chegou a Lisboa. Esperei o evento com um duplo sentido de urgência. Primeiro, porque a exposição andou pelo mundo e Lisboa seria a última cidade. Segundo, pela relevância do tema: a felicidade. Idealizada pelo designer Stefan Sagmeister, a exposição tentou responder questões como “O que é a felicidade?”, “Como buscá-la? Foram 10 anos de pesquisa que envolveu psicólogos, filósofos e outros especialistas; tudo devidamente transformado em vídeos, esculturas, infografias e instalações interativas. Mais do que beleza estética, a exposição é um apelo a uma atitude mais participativa na busca da felicidade. Para o designer, a felicidade se treina, tal como se treina o corpo com o exercício físico.

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Sagmeister — austríaco radicado em Nova York e um dos mais importantes designers de comunicação da atualidade — assume que a mostra foi resultado de uma viagem de autoconhecimento, da sua busca pessoal. Assíduo exercitante da busca da felicidade, Sagmeister, decerto, já experimentou de tudo, desde meditação e aulas de budismo até o consumo de medicamentos semelhantes ao Prozac. O designer também é um adepto do ano sabático: a cada sete anos, para um. Em seu último sabático, viveu na Cidade do México, em Tóquio e numa pequena aldeia nos Alpes Austríacos — quatro meses em cada cidade. O que faz ele nesse gap year? Trabalha muito, porque é o que gosta de fazer. Mas não trabalha para clientes, trabalha nos seus projetos pessoais, naquilo que o encanta, como essa exposição.

De onde vem?

Aristóteles escreveu que a felicidade é o sentido e o propósito da vida. Ansiamos pela felicidade, queremos ser e permanecer felizes. Mas a questão é: como buscar a felicidade, quais são os seus caminhos? Quando se observa o agir humano, vê-se que essa busca está dividida em duas frentes: a busca do prazer e a fuga da dor. E a vida se alterna entre essas duas dinâmicas, mas o homem só considera como felicidade a experiência do prazer.

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A busca pelo prazer lidera todo o nosso programa mental e não há dúvida sobre a sua eficiência como gerador de felicidade. Ocorre que esse exercício entra em conflito com a nossa própria constituição psíquica. Nesse sentido, pode-se até afirmar que o “ser feliz” não entra no plano da criação. O prazer nasce de uma necessidade represada. Somos feitos de tal maneira que só experimentamos o prazer intenso por contraste, no breve encontro entre uma necessidade adiada e a sua concretização. Sentimos muito pouco prazer naquilo que perdura. Então, a nossa própria estrutura diminui as possibilidades de felicidade.

Fuja da dor

Em termos de duração, o sofrimento — tudo aquilo que nos causa dor — está no extremo oposto do prazer. De longa duração e abundante, o sofrimento se materializa em três grandes frentes: o corpo, o mundo e os outros. Vejamos: o nosso corpo se deteriora, adoece; o mundo exterior comporta ameaças implacáveis e; por fim, as agruras da nossa relação com os outros.

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Nesse palco de prazeres fugazes e sofrimento abundante, como agimos? Bem, escolhemos o clássico “baixar a bola” e moderamos a nossa pretensão à felicidade. Abrimos mão do prazer e damo-nos por satisfeitos se conseguimos evitar a dor. Uma atitude muito humana. Você prefere perder um pouco de liberdade em detrimento a ter mais segurança? Sim. Agora, tempos de pandemia, você aceita o status de  “vida suspensa” em detrimento a sobrevivência, o estar vivo? Sim. Fazemos isso o tempo inteiro. Afinal, apesar dos atrativos da vida a dois, muitos não preferem a solidão voluntária a se expor ao risco da dor do rompimento?

A filosofia tem um vasto acervo dessas escolhas. Entretanto, talvez o estoicismo tenha isso mais acentuado, quando alerta que não se deve por o prazer à frente da prudência, o que mais cedo ou mais tarde trará o seu próprio castigo. E mesmo o epicurismo — que muitos acreditam erroneamente que persegue o prazer como bem supremo — segue essa mesma precaução: o epicurismo prega os prazeres simples. E se você olhar atentamente a vida do filósofo Epicuro, constatará que ele viveu como um estoico.

Partimos para o ataque

É claro que isso não é uma regra permanente. Vestimos a coragem e enfrentamos a vida. E o engenho humano não tem limites. Podemos ser comedidos, extremados… mas há sempre luta. O que fazemos ao nosso corpo para minimizar o sofrimento que advém da decadência física e psicológica? Fazemos ginástica. Munidos de técnicas apoiadas na ciência e na medicina tentamos contrariar a natureza, vergá-la à nossa vontade. Sobretudo, no que toca a felicidade, talvez a maior vitória sejam os aditivos que aplacam o sofrimento psíquico: os prozacs e seus derivados. O próprio Freud defendeu esse campo. Na sua obra O mal-estar na civilização escreveu que existem substâncias que produzem imediata sensação de prazer, uma independência do mundo externo, um ‘amortecedor de preocupações’. “É possível, em qualquer ocasião, afastar-se da pressão da realidade e encontrar refúgio num mundo próprio, com melhores condições”, comemorou Freud.

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Ai, o mundo!

E sobre o mundo? O eremita rejeita-o e corta relações com ele. Mas, outros preferem ficar e enfrentá-lo. Alguns procuram construir um micro mundo onde os seus aspectos mais insuportáveis possam ser eliminados e substituídos por outros mais ajustados aos seus próprios desejos. E é aqui, onde o homem lança mão das técnicas da arte de viver. Intrépidos, não se limitam a fugir do desprazer, buscam também os prazeres, a felicidade. Essas técnicas são muitas.

Penso que a número um é a modalidade de vida que faz do amor o centro de tudo, que busca toda satisfação em amar e ser amado. Essa inclinação é bastante natural a todos nós; já que uma das formas de manifestação do amor – o amor sexual – nos proporciona a mais intensa experiência de prazer, mostrando assim um modelo perfeito para nossa busca da felicidade. Porém, este é um caminho muito arriscado. É que nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca nos sentimos tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor. Se não fosse esse senão, o ser humano não trocaria esse caminho.

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O problema desse e de outros caminhos é que não dá para transformá-los em regras que se apliquem a todos. Cada um precisa descobrir os seus próprios exercícios, a sua maneira de ser salvo. É uma questão de autoconhecimento, de gosto e de força. Qual o seu propósito? De quanta força você dispõe para alterar ou adaptar o mundo aos seus desejos? E aqui explica-se a razão de não existirem regras: cada aparelho psíquico é único. Há quem experimente um grande prazer nos relacionamentos; outros tendem à autossuficiência e buscam satisfação em si próprios. Há os pró-ativos, que sentem prazer nos embates que permitem testar a sua força.

Há perigos

E então, claro, todos eles comportam riscos e perigos. E assim como não há receitas, também não há garantias. Nessa aventura, posso destacar um virtude importante: a temperança. Sim, a mesma recomendada para o investimento financeiro: não aplicar todo o capital num só negócio. Uma das sabedorias da arte de viver é não buscar a nossa satisfação numa única fonte. A regra é explorar o ambiente e diversificar. Nessa exploração convém recolher material, dominar exercícios e, claro, ir a exposições sobre a felicidade. Lá estão todos os exercícios possíveis, como um cardápio num restaurante. Conheça-os, experimente-os, colecione-os. Mais do que uma inclinação de todo o ser que vive, temos o dever de fugir da dor e buscar o prazer e, assim, construir o nosso próprio caminho para a felicidade.

Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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