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Entre olhares e sorrisos
Imagem: Unsplash/Mira Alex
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Neste artigo:

Quando meu pai teve alta do hospital, depois de mais de quinze dias internado por causa de um acidente vascular cerebral, ele chegou em casa sem andar, sem falar, e sem conseguir comer. Seu olhar parecia se perder naquele ambiente que agora lhe era completamente desconhecido. Eu também não encontrava mais papai naquele semblante, tão distante do mundo. Tão distante de quem ele sempre foi.

Instalamos uma cama hospitalar na sala – já que os quartos ficavam no andar de cima – providenciamos fraldas, espessantes para que ele pudesse beber água, e toda a rotina, nos pequenos detalhes, se modificou. Eu sabia que algo muito grave tinha acontecido, com sequelas severas na fala e na parte motora. Minha mãe entrou num modo negação: “Não! Ele vai melhorar, vai voltar a trabalhar. Não pode ficar assim”.

Em meio ao abatimento da doença, um dia, o sorriso reapareceu

Mas ele ficou. Hoje, quase sete anos depois, meu pai quase não fala e quase não anda. Nunca mais trabalhou. Nem contou mais suas piadas. Felizmente, conquistou autonomia para as atividades básicas do dia a dia. Seu olhar alegre voltou, e reencontrei, naquele sorriso, o homem divertido que sempre o habitou.

Mas eu lamento por não ter podido estar presente no momento do socorro. Me martirizo por não ter conseguido oferecer o melhor tratamento para a sua reabilitação. E, com tantos pesares, foi ficando cada vez mais doloroso desfrutar da companhia dele. É ensurdecedor dividir o silêncio com quem não consegue mais falar. Só agora, enfim, estou aceitando que dei o meu melhor – e que nem tudo dependia da minha vontade.

Agradeço porque ainda tenho um pai vivo com quem posso encontrar novas formas de me relacionar. Esses dias, apenas me sentei ao lado dele, para assistir TV. E demos boas risadas. É dessa maneira que trabalhar o autoperdão nos devolve a graça da existência. Saímos da prisão do passado e olhamos para o que mais importa: a vida no presente. O presente que é a vida.

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