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Em busca do equilíbrio
Photo by Jeremy Thomas on Unsplash
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Neste artigo:

A harmonia da vida no caminho do meio

Há um fenômeno, quase uma lei, que rege tudo o que existe — do ser unicelular ao Cosmos — a tendência ao equilíbrio. Nada está estático, tudo se move, e tal qual uma bússola, o sentido é sempre um só: o equilíbrio. No seu sistema ético, Aristóteles não fecha a questão com nenhuma virtude. A covardia ou coragem? Nenhuma. O extremo da coragem também atende pelo nome de imprudência, o extremo da covardia também pode ser considerado indolência.

O ideal é o equilíbrio entre as duas. Imagine retas e coloque em cada uma das extremidades virtudes opostas. Regule a intensidade. A ideia é que cada uma caminhe para o centro. É o clássico aristotélico “caminho do meio”, mas também a essência da sabedoria da Grécia antiga. Para os helenos nada era proibido, porém,  a moderação, a harmonia e o equilíbrio eram as grandes buscas para quem perseguia a sabedoria e da felicidade.

Antes de Aristóteles, os mitos já reforçavam essa ideia. O inventor Dédalo — uma espécie de professor Pardal da antiguidade — construiu asas para que ele e o filho pudessem fugir da ilha à qual estavam confinados, a mando do rei Minos. Antes do voo, Dédalo advertiu o filho, para não voar muito alto — o calor do sol poderia derreter a cera usada na confecção das asas — e nem tão baixo para evitar o choque contra as rochas. A recomendação do pai para o filho era “voar no caminho do meio“. Deslumbrado com a liberdade e a beleza da aventura, Ícaro voou cada vez mais alto, a cera derreteu, ele caiu no mar e morreu afogado.

Mão invisível

E quando não se caminha em direção ao equilíbrio, ou simplesmente decide-se por uma vida de excessos e extremos? Não há problema. Mais cedo ou mais tarde — infelizmente, não sem danos — uma força maior vai “corrigir” a rota e redirecionar o rebelde para o equilíbrio. E quem ousa essa interferência? Uma força que pode abarcar muitos nomes. Alguns podem chamar-lhe Deus, outros, a “lei do mercado”, a lei da física, ou simplesmente, um poder superior.

Na filosofia política, os teóricos do liberalismo afirmam que todos podem estar à vontade e caminhar para qualquer lado. Uma “mão invisível” conduzirá todos ao equilíbrio. Não há com que se preocupar.

Não aos excessos

Nessa lei que rege tudo e todos, a ponta mais visível de que algo não caminha em direção ao equilíbrio, são os excessos. Esses costumam ser mais visíveis para o olhar externo. Dificilmente alguém admite que está trilhando o caminho dos excessos. O reconhecimento é sempre posterior, depois do fracasso visível. É assim com as vidas particulares, com as sociedades e com os países. Há muitas causas para a queda do Império Romano, mas o motivo mais apontado é a degeneração dos costumes, as orgias, a crueldade… Tudo era em excesso.

Em 1755, Lisboa foi destruída pelo mais mortífero terremoto da história da Europa. A violência do acontecimento — tremor de terra, seguido de inundações de ondas de mais de 20 metros e diversos focos de incêndio — chocaram o mundo e muitos questionaram sobre as razões da tragédia. O que teriam feito os lisboetas para merecerem semelhante castigo? E logo no “Dia de Todos os Santos”? Pensadores da época, como Voltaire, colocaram na conta da ira divina, apontando os excessos da inquisição e o seu derramamento de sangue inocente.

Os excessos — e suas nocivas consequências — também são apontados na nossa vida privada. Afinal, todos conhecem o poder destrutivo das adições. Em 2011, a talentosa Amy Winehouse morreu diante do olhar de todos. A compulsão — o braço armado de todos os excessos — estava visível e todos já anteviam o desfecho.

E hoje?

Na modernidade para driblar a consciência, mudam-se os nomes. Muitos excessos recebem a denominação “luxo”. É uma espécie de salvo conduto, permitido apenas para quem merece, para quem trabalha para tal. Quando o luxo mostra a sua distância do caminho do meio, chega à ponta da escala e espatifa-se. Quem assistiu à cena, apanha os pedaços, observa e sentencia: são os excessos.

Recentemente, um exemplo dessa constatação tardia aconteceu no turismo. As companhias aéreas low-cost e os Airbnb espalharam turistas pelas cidades como pragas de gafanhotos. O dinheiro entrava e ninguém dizia nada. Depois do freio do Covid-19, os prejuízos foram calculados e tudo foi repensado. Agora o mercado já admite os danos causados pelos “excessos” e assume que o turismo era “abusivo” e “predador”.  E essa consciência acontece em todas as esferas. Quantas vezes não notamos os efeitos do desequilíbrio no nosso estilo de viver apenas quando recebemos a fatura do cartão de crédito?

Viver com menos

Porém, aos poucos, vão aparecendo movimentos que tentam chamar à atenção para a importância do equilíbrio, como o movimento slow e o minimalismo. Mais do que combater os excessos, a ideia é de que é possível viver melhor com menos. Não se trata de abdicar da qualidade de vida e do bem-estar, mas  de identificar e abolir bens materiais supérfluos que servem apenas para preencher vazios existenciais.

Além de ser um alerta necessário porque nem tudo dá para voltar atrás, esses movimentos servem como uma chamada de atenção, uma vez que grande parte da nossa vida é experienciada sob a névoa do comportamento automático. Raramente paramos para fazer autoquestionamentos. Será que preciso de tudo que compro mensalmente? Compro de forma consciente ou compro por pressão social e o status ilusório do consumo? Preciso mesmo trabalhar mais de 12 horas por dia? O que é mais importante, ter tempo para desfrutar da vida ou ter mais poder de compra?

E não é só uma questão de ecologia, de usar com consciência as provisões da tribo. Essas perguntas precisam ser feitas não apenas para evitar os excessos, mas porque às vezes estamos “ocupados”, preenchidos com o que não tem sentido, deixando de concentrar forças no que é essencial, no que realmente nos realiza.

É muito divulgada a antiga  inscrição do Templo de Delfos “Conhece-te a ti mesmo”, mas esqueceram-se de outra tão ou mais importante do que essa: a máxima Meden Agan, “Nada em Excesso“. A sabedoria dos antigos continua valendo para nós e está em pleno vigor. Devemos buscar o equilíbrio entre a extravagância e a avareza, a coragem e a covardia, a falta e o excesso. E é nesse espaço, entre dois extremos, que está a vida que vale a pena ser vivida.

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