Como salvar sua mente do caos?
Por que sua mente trava justo quando você mais precisa dela? A colunista Paula Roosch mergulha no caos silencioso da 'infodemia', e no que pode acontecer com a nossa capacidade de pensar se não soubermos parar

A tela do computador está em branco à minha frente. E ela continua assim, por mais que eu já tenha tomado algumas xícaras de café, na tentativa frustrada de organizar minhas ideias.
A sensação é de que existe uma neblina mental, que embaralha os pensamentos e não me deixa pensar com clareza. E o pior: sei que não é uma crise criativa e muito menos um problema individual.
Afinal, a gente abre o celular pela manhã e já fica sabendo da estranha tendência dos bebês reborn, do casal de Hollywood que só toma banho a cada duas semanas ou da vaca que fugiu do abatedouro e escorregou em toboágua… Tudo isso ocupa espaço mental. Quartos na nossa mente cheios de entulhos, que logo são esquecidos e substituídos por novos. Não à toa, a OMS reconheceu outra pandemia em 2020: a infodemia, mais conhecida como a epidemia de informações.
O perigo da infodemia
Li um artigo publicado na revista Nature Human Behaviour (Cinelli et al., 2020) que concluiu que a desinformação se espalha nas redes sociais com a mesma estrutura que um vírus – com “super disseminadores” e bolhas de reforço. Os super disseminadores seriam pessoas com grande poder de influência, com uma capacidade desproporcional de espalhar informações. Lembrou de alguém?
Um relatório de 2021 do Center for Countering Digital Hate (CCDH), identificou 12 indivíduos (apelidados de “Disinformation Dozen”) como responsáveis por cerca de 65% da desinformação antivacina em diversas redes sociais. O termo “viralização de conteúdos” parece fazer ainda mais sentido.
Esses super disseminadores ganham poder com as tais bolhas de reforço, que é o acesso a conteúdos filtrados pelo algoritmo, que só confirmam aquilo que alguém já acredita.
E vamos combinar? É tentador compartilhar informações que confirmam nossos vieses de pensamento, antes de checar se elas realmente são verídicas. A teoria do ‘cérebro preguiçoso’ já nos lembra que o cérebro busca economizar energia cognitiva sempre que possível, escolhendo atalhos mentais em vez de pensar profundamente.
Isso nos leva a outra questão preocupante: será que o nosso cérebro está perdendo a capacidade de refletir e memorizar?
A amnésia digital
Você já percebeu que, antigamente, as pessoas conseguiam memorizar poemas, números, nomes, caminhos e direções com mais facilidade?
Eu sempre penso sobre isso, porque sinto que minha capacidade de memorizar não é das melhores… e não estou só.
Nosso cérebro “preguiçoso” tem sofrido de amnésia digital, por conta de um fenômeno apelidado de “efeito Google”.
Quando sabemos que a informação está disponível digitalmente, confiamos na facilidade do acesso e tendemos a não memorizá-la. É mais uma forma que o cérebro encontra de economizar energia.
E o cérebro não tem mecanismos à toa, viu? Ele precisa encontrar formas de poupar esforço, já que somos cada vez mais multitarefas e ficamos expostos a cada vez mais informações. O uso contínuo da cognição sem um descanso adequado leva a um colapso temporário da nossa capacidade de foco.
Claro que tem muita gente que sabe disso, e se aproveita para ocupar o nosso foco com informações sem importância, comprometendo nossa capacidade de refletir sobre questões que realmente importam e que poderiam provocar mudanças significativas na sociedade.
Tem gente poderosa e influente que não quer essa mudança. Por tudo isso, a infodemia está longe de ser só um problema de desinformação. Estamos falando de uma ameaça à saúde mental, à democracia e à capacidade coletiva de tomar decisões racionais.
Quem grita mais alto parece vencer, mesmo sem evidência, e isso impacta desde eleições até cuidados com a saúde.
Existe cura para a infodemia?
O mundo está cada vez mais tecnológico e cabe a nós decidirmos como vamos nos conectar e com que frequência vamos viver o mundo off-line – mas viver de verdade.
Precisamos ter mais intenção na qualidade e na quantidade das informações as quais expomos nosso cérebro. É sobre diminuir o tempo de tela e ampliar repertório intelectual, para preservarmos a nossa capacidade de reflexão. Esse é um dos principais fatores que nos diferencia dos outros seres vivos.
Decidi sair da frente do computador e vou dar uma volta sem o celular, em um parque perto de casa. Percebi a alegria do meu cachorro no momento presente (também por não ter a capacidade e a necessidade de ver uma mídia social canina para saber o que outros cachorros estão fazendo). Levei um livro que não foi sugerido por algoritmos, mas que ganhei de presente de alguém fora da minha bolha.
Sem me preocupar com as próximas tarefas, volto para casa e as ideias começam a aparecer de forma organizada.
Não tem muito segredo: a mente só precisa de tempo e presença.
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