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Como reconhecer um relacionamento tóxico?
Toa Heftiba | Unsplash
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Demorei para escrever este texto sobre relacionamento tóxico. Talvez porque o assunto mobilize dores pessoais. Mas aprendi a ressignificar minhas dores compartilhando meus aprendizados com você.

Uma das grandes vantagens em trabalhar com psicologia é que desenvolvo recursos que me ajudam a enxergar com clareza aquilo que me acontece. Entender a própria história é a base do autoconhecimento. Mais do que isso, é a semente para a sanidade mental e para a liberdade.

Talvez poucas coisas na vida sejam mais aprisionadoras que os relacionamentos tóxicos. Portanto, é primordial saber identificá-los.

Uma das principais características dos relacionamentos tóxicos é que, quando estamos envolvidos, não conseguimos identificá-los. Não fica claro se o problema é você ou o outro.

A ideia deste texto, portanto, é dar a você elementos para reflexão. Contudo, meu objetivo não é explorar todos os tipos de relacionamentos tóxicos. Mais especificamente, pretendo falar sobre relacionamentos com pessoas narcisistas e, em primeiro lugar, precisamos entender o que podemos chamar de narcisismo.

[Faço um parêntese para deixar claro que, em níveis extremos, o narcisismo é considerado um transtorno de personalidade. No entanto, quando me refiro a pessoas narcisistas neste texto, não estou falando necessariamente de pessoas acometidas pela patologia. É que traços de narcisismo não são necessariamente patológicos – todos os possuímos em algum grau. Assim como entre o branco e o preto existem infinitos tons de cinza, o narcisismo existe em diferentes níveis. Portanto, quando me refiro a pessoas narcisistas neste texto, entenda como pessoas que possuem traços bastante evidentes.]

Como as pessoas narcisistas são?

Se eu pedir para você pensar em uma pessoa narcisista, é provável que lhe venha à mente alguém extremamente vaidoso e obcecado com as próprias habilidades. De fato, essa é uma das expressões do narcisismo. A questão é que costumamos reduzir a definição de narcisismo a pessoas com este perfil. É que a própria palavra nasceu de um mito sobre um jovem extremamente vaidoso. Narciso – personagem da mitologia grega – teria se apaixonado pelo próprio reflexo. Tempos depois, incapaz de deixar as margens do rio que refletia a sua beleza, o jovem definhou e veio à morte.

Porém, narcisismo é muito mais do que vaidade desmedida. A característica comum entre pessoas narcisistas é que elas são extremamente autocentradas. A crença de que os outros precisam dar-lhe aquilo que é de direito – seja amor, reconhecimento, poder ou aplausos – é a característica central do narcisismo. Portanto, narcisistas têm dificuldade para reconhecer e honrar as necessidades daqueles com quem se relacionam.

Narcisistas acreditam que merecem tratamento especial por razões radicalmente distintas. Na literatura científica, o narcisismo tem duas formas principais de expressão: o narcisismo grandioso e o narcisismo vulnerável.

Falem bem, falem mal, mas falem de mim: os narcisistas grandiosos

Narcisistas grandiosos são socialmente encantadores e interessantes. São pessoas sedutoras, ambiciosas, que sonham alto. Mais do que isso, elas são extremamente autoconfiantes, portanto, inspiram segurança aos outros. É provável, inclusive, que ocupem posições de liderança e destaque.

Quando chega um narcisista grandioso em sua vida, é bastante provável que a primeira resposta seja alegria e excitação. Sabe aquela pessoa boa demais para ser verdade? Pois é.

Mas, uma vez que você esteja envolvido, a coisa tende a mudar. Isso porque narcisistas grandiosos acham que são superiores, melhores do que o resto dos mortais. Logo, são extremamente críticos e exigentes. Em um relacionamento, essas pessoas comunicam – às vezes de forma bastante sutil – que são melhores do que você. Seja porque são mais competentes, mais experientes, mais estudadas, ou o que quer que seja. Logo, você se sente inferior.

A questão é que narcisistas grandiosos acreditam que merecem um tratamento preferencial porque se consideram superiores. No trabalho, por exemplo, podem exigir um salário maior que os pares, ou mais poder, ou mais voz. Mais do que isso, quando algo dá errado, eles se esquivam da responsabilidade, muitas vezes culpando os outros, o mundo e – claro –, você.

Narcisistas são manipuladores e podem, inclusive, distorcer a realidade para que você acredite que você é o problema. E como a manipulação é bastante convincente, você pode começar a duvidar das suas próprias percepções.

Porém à esta altura você já está envolvido e investido nessa relação. Assim, é provável que continue tentando melhorar, para dar conta ao menos de uma parte do problema – a que você acredita ser responsável. Quando você consegue dar ao narcísico aquilo que ele espera, ele enche você de elogios e reforço positivo. Por um momento você se sente aliviado e com esperanças de que o relacionamento possa até voltar aos trilhos. Mas, por definição, é impossível dar a um narcísico tudo aquilo que ele espera. E, quando você não agrada, ou quando se opõe, você é novamente atacado, intimidado ou fica confuso pela manipulação.

O narcísico se faz de vítima, justifica seus erros, fabrica evidências, tira fatos, falas e frases de contexto.

Enquanto isso, a sua autoconfiança e o seu senso de capacidade são corroídos lentamente. Ou seja, o relacionamento tóxico aprisiona você porque acaba com aquilo que você mais precisa para sair da relação.

Todo cuidado é pouco: os narcisistas vulneráveis

Mas nem todos os narcísicos são do tipo grandioso. Existe uma segunda forma de narcisismo que costuma passar despercebida. Chamados de narcisistas vulneráveis, essas pessoas são o oposto da imagem popular sobre o narcisismo. Como o nome sugere, narcisistas vulneráveis são pessoas com baixa autoestima, que são hipersensíveis e ansiosas. São pessoas que se sentem incapazes de atingir os próprios objetivos.

Enquanto o narcisista grandioso é autocentrado porque acredita ser superior aos demais, os vulneráveis acreditam que merecem tratamento especial por serem frágeis.

Por exemplo, para essas pessoas é difícil receber um feedback sem se sentirem inferiores e envergonhadas. Ao compararem-se com os demais, narcisistas vulneráveis têm inveja do sucesso alheio que consideram fora de alcance. Elas se avaliam desfavoravelmente em quase todos os âmbitos da vida. Elas avaliam negativamente, inclusive, aquilo que recebem de você.

Por exemplo, narcisistas vulneráveis podem comparar relacionamentos e ter inveja de pessoas que julgam receber mais amor, atenção, e compreensão do que eles recebem. Enquanto o narcisista grandioso é orgulhoso, o narcisista frágil é reativo. Narcisistas vulneráveis acreditam que os outros falham porque não reconhecem a sua importância, não lhe dão o amor, a atenção, a compreensão que merecem. Acreditam, inclusive, que as pessoas a desaprovam injustamente. São ciumentos, possessivos. E exigem sempre mais de você.

Mas veja, quando essas pessoas se colocam em uma posição desfavorável, isso significa que você passa a ocupar o polo oposto na relação. Ou seja, você fica com a responsabilidade de garantir o bem-estar do outro. A você, cabe salvá-lo. E claro, se existe o vínculo emocional, é natural que você se sinta comovido pela fragilidade desta pessoa. Por isso, você tenta dar o seu melhor para suprir as necessidades e para tapar os buracos dela.

Mas claro, chega uma hora que você cansa. Pode ser que a possessividade o impeça de fazer novos amigos, por exemplo. Ou então, você pode se dar conta de que tem assumido papéis, problemas e responsabilidades que não lhe cabem. Ou ainda, pode ser que se canse das caras feias, comparações e ataques velados quando essa pessoa não recebe aquilo que acredita merecer. É quando você decide se impor.

Nessa hora, o narcísico vulnerável interpretará a sua defesa como um ataque. E o motivo é simples: são pessoas que não conseguem ver além de si mesmas.

E se a pessoa é a vítima, isso faz de você o agressor – e saiba que esse papel lhe caberá ainda melhor se a sua defesa vier acompanhada de agressividade. Então você se sente culpado – e é exatamente por aí que o narcisista vulnerável manipula você. Como culpado, você tentará redimir os seus erros tentando adequar-se novamente às necessidades do seu abusador. E isso significa, claro, que as suas necessidades ficarão em segundo plano – sempre.

Existe vida após o abuso narcisista?

A manipulação narcisista confunde até as pessoas mais bem preparadas. Enquanto o narcisista grandioso o manipula pela insegurança, o vulnerável controla você pela culpa. E, pode ser, inclusive, que a mesma pessoa use de ambas as estratégias. Quanto maior é o vínculo, mais eficiente é a manipulação.

Felizmente, é possível recuperar-se da toxicidade. O primeiro passo é reconhecendo que se trata de um relacionamento tóxico. Ou seja, é necessário aceitar que se trata de um narcisista – por definição, essa pessoa não conseguirá enxergar as necessidades que você tem. Portanto, dificilmente será possível ter um relacionamento equilibrado.

Isso significa que, se não for possível abandonar o relacionamento, será necessário colocar limites muito firmes. E, claro, preparar-se psicologicamente para lidar com as retaliações. Pessoas narcisistas tendem a pensar que os outros são sempre os culpados, elas raramente refletem sobre seus erros e fraquezas, tampouco se apropriam delas.

É muitas vezes inútil tentar mostrar para a pessoa o seu narcisismo. Perceba que o esforço nesse sentido, é, na verdade, uma tentativa de não romper, nem diminuir o vínculo entre vocês. Mas pode ser exatamente isso que você precise para recuperar a sua saúde emocional.

Estar em um relacionamento tóxico com uma pessoa narcisista por muito tempo pode ser uma forma complexa de trauma. Quando somos submetidos ao abuso narcísico na infância, nos tornamos ainda mais suscetíveis a ele na vida adulta.

Para reconstruir a sua autoconfiança e para compreender o trauma, a psicoterapia é uma excelente aliada. Outra fonte importante de cura é a construção de relacionamentos saudáveis, pautados no amor e no respeito.

Superar o trauma não é esquecê-lo, mas amenizar o seu impacto e tornar-se mais resiliente. Afinal de contas, conhecer o que aconteceu com você é a semente para a sanidade mental e para a liberdade.

Leia todos os textos da coluna de Adriana Drulla em Vida Simples


ADRIANA DRULLA (@adrianadrulla) é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós-graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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