As surpresas do mercado de consumo para maternidade
Hilaine Yaccoub relembra a gravidez de sua irmã. A antropóloga de consumo reflete sobre as investidas do mercado para atrair as futuras mamães.
Ter uma irmã grávida e acompanhar suas idas e vindas nas ondas de compras e o furor da mamãe ursa monotemática se faz presente em nossas vidas.
Já conheço praticamente tudo sobre enxovais de bebês, as padronagens mais exageradas (cores e materiais), as mais usuais (trabalhando nas cores pasteis), o que é super cool (já um tanto hispster exigindo que as peças tenham outros componentes ECO e também não esteja atrelado a qualquer gênero, claro.
E lá estou sentada em uma cadeira de amamentação que balança assistindo a apresentação daquela mulher barriguda – minha irmã que tecia verdadeiras aulas sobre o futuro do bebê.
O berço milimetricamente medido, para o lugar certo, o trocador no canto certo, a luz com dimer (para não cansar a vista do bebê) no local certo, tudo é certo. Até minha posição de plateia para apresentação das novas compras era a correta. Eu estava calada, prestando atenção e fazia perguntas para parecer interessada na cena.
Em se tratando da minha irmã não basta estar certo, precisa estar COMBINANDO. Cor de parede, enfeite da porta do quarto, móbile, enfeite de porta da maternidade, lençóis, cobertor, a roupa que ela usa e talvez até a cor da pele da criança. Tudo certo. Tudo combinando. Tudo pronto.
Até que eu recebo um comando. “Hilaine, olha, escutaaaaa”. Eu paro e presto atenção. Agora sei como os homens se sentem quando estão vendo futebol e as mulheres ficam desfilando roupa de festa pedindo a opinião deles. Penso comigo num grito calado: “Eu não seiiiiiii, eu não entendooooo”. Nem adianta. É um novo vocabulário cara pálida, mais um material de trabalho de campo, e lá estou eu no meu fazer antropológico, pensando na próxima etnografia com assunto maternidade.
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Maternidade e consumo
Motivo da euforia: A feira bebê e gestante.
Eu não fui, mas eu sofri as consequências de uma ida como se tivesse estado lá. As artesãs ou empresárias (desconheço se todos os stands são formais) preparam verdadeiras armadilhas para as grávidas carentes. Sim, elas estão com os hormônios em ritmo de festa e é claro que todo o emocionalismo maternal impera. “O neném ganhou presente, olha que lindo” me diz com alegria nos olhos. Na minha cabeça eu pensava “isso é brinde, tipo aquela caneta ou marca texto que você ganha na Bienal do Livro, socorro”.
O pega-mosca dá certo. Claro.
Resultado: Elas compram.
E não só compram as coisas que o pequeno Buda precisa como aquilo que lhes é apresentado como se fosse para melhorar a vida delas. Minha irmã tirou uma toalha com um buraco em uma das extremidades, tipo avental. “Essa toalha é pro pai dar banho no neném, agora eu quero ver”. O tom parecia de ameaça, meu cunhado não teria desculpas porque uma empresária da feira Bebê e Gestante pensou nele. Sim… Nele ajudando a mãe. Uma toalha que prende em volta do seu pescoço e não deixa o neném cair. Acabou a desculpa do medo de deixar o bebê cair. hahahaha. Engole essa.
Eu sentada lá por quase 1 hora recebia lições para que servem as coisas, como elas combinam e como tudo aquilo era necessário para o bem-viver do ser imaginário que ainda não conhecíamos. Antônio já manda e me faz refém através de sua hospedeira vulgarmente conhecida por mulher grávida.
A fofice das coisas, dos bordadinhos feitos à mão, dos carrinhos coloridos e aviõezinhos multicores seduz e cega. Uma cegueira da alegria que contagia. No final eu já estava abrindo os lacinhos de fita e analisando todas as coisas sem saber pra que serviam, mas certamente deveriam ser completamente úteis e vitais. Já estou no mood. Se ela acredita que sim, eu apenas concordo e digo amém. “Ah, esse vestido aí ficou bom, até te emagreceu” é a resposta certa rapazes. É claro que eu já criei a minha resposta para o papel de tia-dinda.
Às vezes, eu rio sozinha calada, em outras eu anoto as situações que considero curiosas, eu só sei que depois que Antônio começou a chutar impreterivelmente às 19h30 minha irmã passou a ser a súdita ferrenha, defensora de seus interesses e exigências. Ela, sua melhor tradutora. “Ele agora quer chocolate”. E lá fomos nós duas, debaixo da chuva e frio encontrar um lugar que tivesse brownie, porque ele é meticuloso. Não bastava ser qualquer chocolate. Tinha que ser na sua versão certa.
Comemos brownie.
Viva Antônio.
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