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Ações virtuosas determinam a nossa felicidade
Nghia Le
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Não há quem não tenha procurado — dentro da filosofia — um caminho para a felicidade. Entretanto, talvez o filósofo que chegou mais perto de uma resposta foi Aristóteles. E suas ideias nunca foram superadas. Não é sem razão que mesmo tendo vivido no século IV a.C, Aristóteles,  continua sendo estudado até hoje.

Primeiramente, é preciso que se diga que para Aristóteles a busca da eudaimonia — o que modernamente podemos traduzir para felicidade — nos ultrapassa. Todas as ações humanas têm a felicidade como fim. Ninguém busca o contrário da felicidade. Então, se tudo o que fazemos tem como objetivo maior a felicidade, o filósofo aponta que ela está diretamente ligada às nossas ações. E aqui a grande tese em vigor até aos dias de hoje: o que nos leva à felicidade é agir com qualidade, de forma virtuosa. E como é a forma virtuosa? Para Aristóteles, o virtuoso é aquele que age de acordo com a razão.

E aqui, nesse ponto, a grande inovação de Aristóteles. A sua filosofia não é um tratado teórico. Não tem uma fórmula ou mandamentos a serem seguidos. Não é como Emmanuel Kant com o seu imperativo categórico que se aplica a todas as situações. É uma filosofia que acontece na prática, nas ações. São as nossas ações que indicam se somos virtuosos e se estamos no caminho da vida feliz.

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Crédito: Annie Spratt | Unsplash

Coisa dos antigos

Aqui preciso fazer uma ressalva. Há quem pense que as virtudes estão fora de moda, coisas dos antigos. Lidamos com demandas mais modernas e complexas. Esse é um equívoco. Tudo o que modernamente associamos a felicidade, foi, já no século IV a.C. , refutado por Aristóteles.

Vamos lá ver. Hoje, o que surge primeiro no senso comum? Dinheiro? Aristóteles não nega a importância do dinheiro, mas diz que é um meio para determinados fins. É instrumental. Prazer? O problema do prazer é que ele está estritamente ligado à experiência do corpo. Ocorre que nós não somos apenas seres corpóreos. Somos mais do que isso.

Honra e fama? Não dependem de nós. E são voláteis. Não se pode construir nada em cima delas. Mudam de acordo com o público, com o lugar em que se vive. Depende do humor daqueles que nos cercam. Um dia acordamos e caímos em desgraça. E lá se vão fama e honra.

Só ações virtuosas

Voltamos às ações virtuosas. Você tem uma boa formação, conhece várias escolas filosóficas… Para Aristóteles é a qualidade das suas ações que conta e não o seu conhecimento teórico. Eis a nu a genialidade de Aristóteles. Afinal, quem não conhece alguém com um discurso lúcido e ponderado, mas onde essas qualidades não se estendem as suas ações?

Dessa forma, nós mesmos notamos isso em nós. Racionalmente, sabemos da importância da atividade física e todos os seus benefícios, mas permanecemos no sofá. Temos conhecimento dos alimentos que nos fazem mal, mas só resistimos a eles se eles não estão na nossa geladeira. Até mesmo o pensador cristão Agostinho de Hipona — transformado em santo Agostinho pela igreja católica — queixava-se dessa desarmonia entre pensamento e ação nele mesmo.

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Crédito: Hello Nik | Unsplash

Teoria na prática

Assim, para Aristóteles as razões para o desnível entre teoria e prática eram óbvios. Ora, não somos apenas razão. Somos formados de outras partes que não são racionais. Somos também as nossas emoções, vontades, desejos, apetites. E todas elas entram em campo no momento em que agimos.

Para o filósofo, a ação virtuosa — pavimento da felicidade é aquela em que conseguimos um equilíbrio entre todas as nossas partes. Olhe para você mesmo e analise. Na sua última ação importante, você agiu de acordo com o que você racionalmente pensava ou deixou que a emoção — raiva — desse a palavra final? Na sua última relação, você saiu de cena quando o racional indicou a inviabilidade ou você sucumbiu ao emocional e resistiu até o limite da insanidade?

Sim. Analise suas ações

Ultimamente, você tem se enfurecido diante de simples contratempos?  Mesmo sabendo que a sua atitude era mesquinha, você não conseguiu evitá-la? Pergunte a você mesmo: eu estive à altura das coisas não boas que me aconteceram, ou me desesperei diante do que eu não pude mudar? Eu fui capaz de selecionar as emoções adequadas e mantive o equilíbrio diante de perdas inevitáveis? Eu reconheci o meu lado injusto e tentei combatê-lo?   

E aqui vê-se a atualidade de Aristóteles. Todas as nossas ações são resultado direto da forma que pensamos, do que sentimos, queremos e amamos. E não só. Entram na equação também as nossas carências e traumas. Igualmente, as nossas perdas e as nossas cicatrizes. 

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Crédito: Ethan Elisara | Unsplash

Onde está a razão?

Por outro lado, é  muito desanimador quando olhamos para a nossa pluralidade e percebemos que a razão fica quase soterrada. Mas esse é o caminho. Não desanime! Vá até a razão, tente devolver-lhe a forma, sacuda a poeira… Aquele que consegue equilibrar toda a sua complexidade é o que está no bom caminho.

E é só isso? Não. Esse é apenas o nosso lado do exercício — a equação é mais complexa. Do outro lado está a realidade imediata e a sua incrível vocação para nos surpreender. E é dessa combinação que surge a constatação óbvia: não há regras. Não pode haver regras que contemplem tal complexidade.

Decidir aqui e já

Primeiramente, precisamos olhar para nós e a nossa história, contemplar o nosso racional. A seguir, devemos olhar para a realidade que se apresenta. A partir daqui e em posse dessas duas realidades, precisamos construir o nosso equilíbrio, estar à altura do que a vida espera de nós. Agir corretamente ou, ao menos, optar pela melhor ação possível.

Contudo, pode ser desalentador aceitarmos que não há fórmulas, que estamos numa espécie de escuro, por nossa conta e risco. Mas, também podemos encarar essa nossa condição com otimismo. Assim, não precisamos seguir regras e ordens. Tudo depende de nós, do nosso caráter, nosso conhecimento, nossa arte. Enfrentamos a realidade com as nossas forças e as nossas fraquezas.… Enfrentamos o mundo com tudo o que somos. E esse exercício, por si só, já é metade do caminho para a vida que vale a pena.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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