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A mesa de instrumentos
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Digamos que você convide amigos para jantar em sua casa no sábado, e é claro que tem que providenciar tudo o que é necessário para fazer bonito. Põe-se, então, a planejar. Começando pelo número de pessoas, pois esse dado será determinante para definir a quantidade de comida e bebida. Na sequência, sabendo do tamanho da festa, você começa a organizá-la. Precisa providenciar os produtos e definir também quem fará o quê. Você pode, por exemplo dividir as tarefas entre as pessoas da casa. Em seguida dirige a operação, acerta tudo com todos os envolvidos, e parte para a ação. E, à medida que as providências vão sendo tomadas, trata de controlar para ver se está dando tudo certo, se não se esqueceu de algo, para que, quando os convidados chegarem, esteja tudo pronto. Não parece, mas um jantar tem lá sua complexidade.

Sem saber, ao fazer tudo isso, você está se valendo dos princípios fundamentais da administração. Planejar, organizar, dirigir e controlar são as chamadas quatro funções administrativas, com frequência representadas pela sigla PODC, e são usadas por todas as empresas e seus projetos, no mundo inteiro. E não é diferente no jantar para os amigos. O que vai mudar é o volume de variáveis implicadas e o grau de sofisticação do processo, mas, no fundo, é igual.

Também podemos chamar essa sequência de ações simplesmente de processo, que é o nome que se dá a uma sucessão de atividades encadeadas para atingir um objetivo. Nada mais lógico, não é mesmo? É tão lógico que chega a ser intuitivo. Qualquer pessoa, mesmo sem nunca ter aberto um livro de administração, irá conduzir as tarefas dentro dessa lógica.

Lógica o tempo inteiro?

Mas quem disse que todos nós agimos de maneira lógica o tempo inteiro? Acho que foi o (William Butle) Yeats, poeta e dramaturgo irlandês, quem disse que o “homem é um ser racional, mas não necessariamente razoável”, e com isso ele quis afirmar que a racionalidade depende da razoabilidade para que bons objetivos sejam atingidos. É impressionante a quantidade de medidas não razoáveis que são tomadas por pessoas, pretensamente, racionais. Basta ler os jornais pela manhã.

Mas não é esse o objetivo deste texto. Aqui quero apenas salientar o valor das medidas administrativas, dos processos funcionais, em nosso cotidiano. Quando surgiram, os primeiros cursos eram chamados de administração de empresas, e acabaram mudando simplesmente para administração, pois seus saberes servem todas as áreas da vida, para as grandes corporações e para nossa casa. Na vida profissional e também na pessoal. Das grandes viagens transatlânticas ao final de semana com as crianças. Todas essas atividades, para chegarem ao melhor resultado, precisam de planejamento, organização, direção e controle.

Felizmente, a administração, que é tão ciência quanto medicina ou química, tem sido cada vez mais valorizada em todas as áreas. O médico já notou que, para que sua carreira decole, ele precisa planejá-la bem, e prestar atenção a outros saberes além daqueles que lhe permitem fazer um bom diagnóstico e conduzir uma boa terapêutica. Proliferam programas de TV em que um chef renomado vai tentar salvar um restaurante quase falido, e o que encontra lá, que está levando o estabelecimento à ruina, não tem nada a ver com a culinária. O problema é má gestão, falta de liderança e planejamento e organização capenga. Faltam processos, não receitas.

A organização

As consultorias administrativas estão saindo do âmbito das corporações e vindo para as casas. Especialistas em organização de armários, em planejamento financeiro, em assessoria para viagens, estão disponíveis para todos, e é impressionante como ajudam. E não apenas porque resolvem questões imediatas e dão direcionamento para o futuro, mas porque ajudam a criar a “cultura da organização”, que, uma vez incorporada, será para sempre.

Quando era estudante de medicina, uma das tarefas que me agradavam no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná era o de instrumentador cirúrgico – desdenhada pela maioria dos colegas, que queriam atuar como auxiliares do cirurgião diretamente no campo operatório. Eu me sentia bem organizando a mesa de instrumentos. Hoje essa função é uma especialidade sofisticada dentro de um hospital.

Eu gostava de estudar previamente qual seria a cirurgia, para então providenciar todos os instrumentos que, possivelmente, o cirurgião precisaria. E adorava me antecipar, já ficando com aquela pinça que ele pediria na sequência, na mão, pronta para ser entregue. No final da operação, a mesa de instrumentos estava impecável e tão limpa e organizada quanto no começo da cirurgia. Isso me valia pontos.

Hoje, olhando minha vida em retrospectiva, como quem passa um filme ao contrário, vejo que os problemas que tive, os insucessos, as dificuldades, tiveram muito menos a ver com o que eu fazia – que em geral era bem feito –, e muito mais com falta de planejamento, organização e controle. Os temas da gestão, a começar pelas finanças. Quantas vezes percebi que deveria ter organizado minha vida como aquela mesa de instrumentos, que me dava tanto orgulho.

Planejar bem, improvisar melhor

Ok, eu sei que a vida é imprevisível, que tudo muda, que de pouco adianta planejar tudo certinho sem combinar com o resto do universo. Realmente, a mudança faz parte da realidade, e não podemos desprezá-la. Mas, veja bem, ela é dado de planejamento. Planejando bem ainda somos tomados de surpresa pelas mudanças, imagine não planejando. “Precisamos planejar bem para poder improvisar melhor”, disse Winston Churchill em uma de suas frases de efeito que entraram para a história.

Sempre que algo parece fugir de controle em minha vida, me lembro de minha mesa de instrumentos. Bisturis com suas lâminas, tesouras com suas aplicações, pinças, afastadores, cauterizadores, gazes, algodão, toda a variedade de objetos que salvam vidas está ali, a postos, bastando o cirurgião abrir a mão para recebê-los. Qualquer confusão pode provocar atraso, mal-estar, insucesso. Minha mesa de instrumentos da vida cresceu. Organizá-la passou a ser uma tarefa cada vez mais complexa e, por isso mesmo, ainda mais importante.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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