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A cozinha, o tempo e as escolhas
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Fiz um bolo red velvet. A tradução é veludo vermelho. Não é um bolo tipicamente brasileiro, mas americano. Mas foi o pedido dos meus filhos como o bolo para comemorar o meu aniversário. Eu não queria comemorar, eles sim. Coisa boba essa da gente de não querer mais cantar parabéns, soprar velinhas, depois que cresce.

Mas, para deixa-los felizes, troquei o bom e velho bolo de brigadeiro, uma tradição na família, pelo “veludo vermelho”. Prepará-lo foi sair da minha zona de conforto. Alguns dos ingredientes eu nem tinha. Clara, minha filha de 10 anos, desde o início se propôs a fazê-lo comigo. Juntas procuramos pela receita mais possível. Checamos o que era preciso comprar. E, claro, não encontramos todos os ingredientes em um único lugar, mas em três. Sim, três. Fizemos isso com alegria e leveza. Caminhando pelas ruas do bairro, entrando nas lojinhas, comentando sobre a vida, as pequenices, as delicadezas do caminho.

Ao chegar em casa, começamos o preparo. O bolo precisa ser feito em três etapas: o preparo da massa, do recheio e, por fim, a montagem. Respeitamos cada passo: bater por dez minutos, esperar os ingredientes virarem um creme, coloca-los aos poucos, bater por mais dez minutos, dividir a massa em duas formas, pré-aquecer o forno. Massa pronta, prova daqui e dali e ambas consideramos que havíamos acertado o ponto. Como a gente sabia? Não sei, já que nunca havíamos preparado juntas um bolo daqueles. Apenas presumíamos, já que o gosto estava bom.

Coloco as duas assadeiras no forno. Será que vai caber? Coube, mais precisei dividi-las em andares diferentes do forno. Hora de preparar o recheio. Clara desiste. Me deixa sozinha, imersa em meus próprios pensamos enquanto preparo o recheio a base de cream cheese e chocolate branco. Misturo os ingredientes. Todos brancos. Penso nos meus primeiros fios brancos, que me são companheiros há tanto tempo. Herança do meu pai, que, já bem jovem ostentava fios brancos – assim como eu, que fiquei grisalha com singelos 27.

Lembro que o tempo está passando para mim e para ele. Fazemos aniversário praticamente juntos: eu dia 11 e ele 12 de agosto. Na infância, cansei de ouvir minha mãe dizer que meu pai pediu que ela esperasse mais um pouquinho para o meu nascimento. Só mais um pouquinho… Como? Nasci na véspera do aniversário dele, de parto normal. Não dava para esperar. Era preciso vir, chegar, adentrar no mundo fora da proteção do útero da minha mãe.

Acho que a década dos 40 me chegaram com essa sensação de que o tempo, de fato, passa. Para mim, para ele. Aos 47, isso se torna uma urgência. Uma urgência de viver. O cheiro que sai do forno interrompe meus pensamentos. O bolo está pronto. Retiro do forno, espero esfriar, coloco o recheio. Hora de comemorar. As crianças fazem questão de espalhar as velinhas pelo bolo, cantamos. Sopro cada uma delas com fôlego renovado. O bolo ficou delicioso.

Meus filhos têm me ensinado que as tradições podem ser quebradas, que há sempre espaço para acolher e experimentar o novo e que a urgência da vida mora dentro da gente. O tempo, afinal, é só o tempo. Entre misturar os ingredientes, esperar o bolo assar e o doce ficar pronto entendo, mais uma vez, que as escolhas com o que faço com as minhas horas, meus dias, meu tempo, são minhas. Só minhas.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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