Um grupo de crianças brincam com carros improvisados de madeira e plástico. Em outra cena, amigos se dividem em uma brincadeira lúdica que lembra o famoso “Polícia e ladrão”. Já em uma lage na periferia, duas meninas organizam um banho de bonecas. As imagens descritas fazem parte do documentário Território do Brincar (Maria Farinha Filmes, 2015) e são cenas cada vez mais raras. Isso porque o uso de telas é cada vez mais presente na infância, e passa a influenciar as experiências nessa fase da vida.
Segundo dados da pesquisa TIC Kids Online (2019), cerca de 89% da população compreendida entre 9 e 17 anos utilizava a Internet, o que equivale a aproximadamente 24 milhões de crianças e adolescentes. Dentre esses, cerca de 95% utilizavam o telefone celular como dispositivo de acesso à rede.
Um estudo mais recente, realizado pela agência inglesa OnePoll, mostrou que a geração atual de crianças tem brincado menos que pais e avós no passado. Atualmente, apenas 27% do público infantil têm o costume de se divertir fora de casa.
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Qual a importância da brincadeira na infância?
No documentário Território do Brincar, o brincar infantil é a narrativa central que sustenta toda a história. Durante um período de vinte e um meses, várias crianças de diferentes realidades do Brasil foram retratadas, apresentando seus comportamentos e características distintas.
Na infância, é fundamental que as crianças possam entrar em contato com outras narrativas, criar e imaginar novos mundos. “Por meio do brincar a criança vivencia momentos alegres, espontâneos, criativos que promovem a expressão de diferentes sentimentos e possibilitam a interação e socialização com o mundo à sua volta”, explica a mestre em Educação pela UFMA, Dania Carvalho.
No estudo “Brincando e aprendendo“, publicado pela pesquisadora, há importantes contribuições que ajudam a elucidar a importância do brincar na infância. “Quando a criança manuseia o brinquedo, ela recebe estímulos para imaginar, fantasiar, construir e agir, mesmo sem intencionalidade, no meio em que está inserida”, defende a autora.
É o que também defende a psicanalista e educadora parental Nathalia de Paula. “Estudos conduzidos por Rubin, Fein e Vandenberg (1983) mostraram que o brincar livre em ambientes supervisionados promove a empatia e a compreensão das perspectivas dos outros”, explica a especialista.
Ao compartilhar brinquedos e participar de jogos em grupo, as crianças aprendem a considerar as necessidades dos demais, desenvolvendo empatia e habilidades de resolução de conflitos. Isso contribui para o aprimoramento de competências sociais e relacionamentos saudáveis.
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Quais são os efeitos colaterais de não brincar?
As brincadeiras, embora não se limitem apenas à infância, são importantes para despertar a criatividade e o desenvolvimento motor das crianças. “O brincar é a linguagem do espontâneo. E, nesse sentido, eu poderia dizer hoje que é a linguagem da alma”, define a pedagoga Maria Amélia Pereira no documentário Tarja Branca (Maria Farinha Filmes). Para a especialista, o ato de brincar rompe o tempo-espaço e cria uma conexão de vínculo entre as pessoas.
É o que a pedagoga Ana Lucia Vilella também acredita. Entrevista para o filme, Vilella explica que a experiência do brincar permite com que a criança abrace novos desafios, tenha uma maior capacidade de resolução dos problemas e possa ser mais criativa, além de aprimorar a coordenação motora. “É onde ela vai aprender a achar soluções para problemas sozinha, onde ela vai aprender a colaborar e conviver com os outros, a conviver com o diferente. É onde as invenções criativas irão surgir”, enfatiza a pedagoga.
Nesse sentido, Nathalia de Paula acrescenta que há um maior desenvolvimentos das competência emocionais das crianças. “Durante as brincadeiras, elas têm a liberdade de experimentar emoções como alegria, tristeza, medo e raiva, desenvolvendo assim a inteligência emocional”, explica.
As crianças precisam se aventurar
Na Alemanha, uma iniciativa inovadora tem possibilitado com que as crianças do país tenham acesso a parques que oferecem riscos, cumprindo, é claro, todos os critérios de segurança. A concepção surge de um grupo cada vez maior de educadores, professores e fabricantes de parques infantis. Juntos, eles defendem que esses espaços devem abandonar a ênfase excessiva na segurança e no medo do risco, passando a incorporar uma dose equilibrada de desafio.
“Embora os riscos possam suscitar preocupações, eles também oferecem benefícios significativos para o desenvolvimento das crianças”, destaca a psicanalista Nathalia de Paula. Ela explica que explorar novos ambientes e se engajar em atividades arriscadas proporciona a oportunidade de adquirir habilidades úteis para enfrentar os desafios da vida.
A saúde emocional e a autoestima das crianças também são impactadas por atividades que as desafiam e exigem capacidades resolutivas. “Ao superarem obstáculos e enfrentarem situações desafiadoras, elas experimentam um senso de realização e empoderamento, o que contribui para o desenvolvimento de uma imagem positiva de si mesmas”, enfatiza. No entanto, é importante que os pais saibam adotar limites apropriados e propor atividades arriscadas de acordo com a idade da criança.
A tecnologia contribui para que crianças brinquem menos?
Com o uso de telas cada vez mais crescente e a presença da tecnologia digital, como smartphones, SmarTVs e IoT (Internet das Coisas), o mundo não é mais o mesmo. Apesar da importância do brincar livre, podemos, é claro, desenvolver estratégias e adaptar situações para que a tecnologia seja uma companheira nesse processo. Não só correr e experimentar novas atividades fazem parte do brincar, mas também a leitura de um bom livro tem muito a contribuir nesse processo.
Saiba como a tecnologia digital pode auxiliar as experiências de descobertas e aprendizados na infância:
- Aprenda a equilibrar o uso de tecnologia com atividades físicas, promovendo uma interação saudável entre o mundo digital e o mundo real;
- Selecione conteúdos digitais educativos e adequados à faixa etária da criança, incentivando habilidades como resolução de problemas e pensamento crítico. Além disso, é preciso garantir a participação ativa dos pais na supervisão e orientação do uso da tecnologia;
- Integre a tecnologia de forma criativa ao brincar tradicional, explorando aplicativos, jogos e recursos digitais que enriqueçam a experiência de brincar. Isso pode ampliaras possibilidades de diversão, aprendizado e expressão criativa.
Equilíbrio
Além disso, a psicanalista Nathalia de Paula acrescenta ainda que é essencial os adultos incentivarem atividades ao ar livre. Algumas práticas sugeridas por ela são explorar espaços naturais, como parques, praias ou jardins, e participar de eventos em família, como caminhadas, piqueniques ou jogos de bola. Por isso, apesar da tecnologia ser importante, ela pode ser combinada com outras atividades.
“Ao adotar uma abordagem consciente, os adultos reconhecem a importância do brincar ao ar livre para o desenvolvimento integral das crianças”, finaliza Nathalia de Paula. Para ela, é fundamental que exista um equilíbrio entre o uso de telas com as experiências de exploração na natureza.
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