Rotinas exaustivas, transporte público sobrecarregado, dias estressantes e poucos espaços verdes. Fugir da vida nas metrópoles é um dos principais argumentos de quem sonha em se mudar para o campo e se refugiar em pequenos municípios ou áreas rurais no interior dos estados.
Mais tempo para aproveitar o dia, menos barulho de buzinas insistentes e um ar mais puro são pontos a favor dessa migração. Mas a decisão exige uma reflexão maior sobre prós e contras, bem como um planejamento mínimo.
Em meados de 2005, Andreia Bueno e seu marido, Rubens, herdaram uma propriedade rural no município de Quatro Barras, no Paraná, a cerca de 23 km da capital, Curitiba, e decidiram se mudar para o campo.
Inicialmente, Andreia manteve uma carreira na área de RH em uma multinacional, até que as inquietações do campo a fizeram passar por uma transição profissional.
Impulsionada pelo nascimento da primeira filha, Helena, que é apaixonada por morangos, o casal passou a produzir o fruto na propriedade. Aos poucos, expandiu o negócio até a criação da agroindústria sustentável Di Helena Alimentos, com uma produção agroecológica.
O que colocar na balança ao se mudar para o campo?
Embora a mudança da família tenha sido motivada pela busca de uma vida com um ritmo mais leve, logo a escolha transformou completamente a rotina do casal.
“A transição de carreira foi bem tranquila porque eu já trabalhava com pessoas. Então não mudou muito porque eu vim para a propriedade e continuava a fazer as mesmas coisas, mas em um ambiente diferente”, diz Andreia.
Logo depois da migração para o campo, o casal começou com uma pequena plantação de morangos para a própria subsistência, mas logo o excedente foi utilizado para produzir geleias artesanais.
A propriedade, que pertence à família há 50 anos, fica em uma área de preservação ambiental (APA) e, por isso, há uma preocupação com a responsabilidade ambiental na produção.
O desejo de mudar de uma metrópole para uma pequena cidade reflete o estilo de vida e o momento atual em que cada um vive, o que reflete, também, os valores defendidos.
“Muitas vezes, as pessoas percebem que não estão vivendo de um modo coerente com o que tem importância para si. Por isso, consideram mudar de cidade como uma maneira de mudar o estilo de vida”, explica Ju De Mari, terapeuta, mentora de carreira para mulheres e colunista da Vida Simples.
Os prós e contras de se mudar para o campo
Apesar do desejo em reduzir o ritmo da vida estimule muitas mudanças por impulso, é preciso avaliar bem todas as condições de uma migração para o interior.
Segundo Ju De Mari, é importante esclarecer as motivações para essa decisão, sejam elas individuais ou familiares. Como toda mudança, haverá perdas e ganhos, e eles podem ser previstos antes da decisão se concretizar.
Uma cidade pequena pode trazer um senso maior de segurança e um ritmo mais leve. Por outro lado, são lugares com uma cobertura menor em saúde, com poucas opções de escolas – se você tem um filho – e atividades culturais menos presentes.
Andreia não pensou duas vezes antes de se mudar. Por ter crescido em Goiás e rodeada de áreas verdes, o ambiente do campo já era familiar. Além disso, a região conta com uma cobertura de energia elétrica e internet estáveis, assim como comércios e outros serviços em um raio de 7 km.
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O que fazer antes de tomar a decisão
O passo fundamental é sentir a realidade do local onde você deseja morar. Mas é preciso estar consciente de que nem sempre a experiência de uma curta estadia pode se assemelhar a morar no lugar.
“A adaptação é um processo que acontece no dia a dia, não dá para forjar antes de viver. É vivendo, se expondo a novas situações e novas pessoas, que a gente vai se adaptando”, diz Ju De Mari.
O período também exige novas experiênciais sensoriais e emocionais. Passar um tempo na região permite saber como seu corpo se relaciona com essa nova localidade.
“Também é uma oportunidade para identificar possíveis desconfortos e refletir sobre como eles poderiam ser gerenciados ou mitigados antes de fazer uma mudança definitiva“, defende Patricia Strebinger, terapeuta comportamental e psicanalista.
E como fica o trabalho?
Ju De Mari orienta ainda que é preciso avaliar bem do ponto de vista profissional ao abraçar uma migração para o interior.
Embora algumas pessoas conciliem o trabalho com a realidade no campo em modelos remotos, é interessante avaliar as potencialidades e as suas capacidades ou interesses profissionais no local onde você quer morar.
Antes, é preciso entender qual a diferença que você irá fazer à comunidade, de que forma irá contrbuir positivamente para um território.
“Quanto mais alguém faz um movimento que está de acordo com seus valores e sua essência, mais potencial tem para contribuir com o coletivo de uma forma mais íntegra”,
argumenta Ju De Mari.
Perguntas-chave, como “o que estou buscando com essa mudança? Como essa nova realidade pode atender às minhas necessidades emocionais e psicológicas?”, podem se tornar guias na tomada de decisão de se mudar para o campo, argumenta Patricia Strebinger.
Textos da colunista Ju de Mari
– Descubra o primeiro passo fundamental para mudar de carreira
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Como preparar as finanças
Ao pensar em uma mudança, seja ela por escolha ou necessidade, é imprescindível ter um plano financeiro, tanto de curto quanto a longo prazo.
Para fazê-lo, no entanto, é necessário entender as particularidades de cada pessoa. Independente do contexto, é fundamental ter uma reserva financeira para situações inesperadas no momento de se mudar para o campo.
“Essa reserva é aquela que irá trazer conforto no caos que é a mudança e te amparar caso imprevistos aconteçam”, diz Beatriz Maluf, fundadora do “Sócia do meu Dinheiro”, um ecossistema que apoia mulheres a tomarem melhores decisões relacionadas ao dinheiro.
Por isso, é necessário antes alinhar algumas questões:
- Em qual fase da vida você está? Com perspectiva de crescer na carreira e ganhar mais dinheiro? Ou já chegou onde queria e, por isso, está na hora de reduzir o ritmo?
- A minha renda é a principal fonte de recursos da família? Se sim, o que fazer caso algo aconteça? “Aqui, podemos pensar em um seguro de vida que deixará a mudança financeiramente mais sustentável”, diz Beatriz Maluf;
- Vale a pena ou não vender o imóvel anterior ao se mudar? Depende. “Se optar em ficar com o imóvel, a renda suportaria bancar duas casas?”, questiona a mentora financeira.
A regra 50-30-20
Uma estratégia importante é saber como organizar as finanças de modo que as chances de passarem por perrengues sejam menores.
A regra 50-30-20 é um excelente caminho para organizar o orçamento, especialmente em momentos de mudança. Ela sugere alocar 50% da renda para despesas essenciais, 30% para o estilo de vida e 20% para poupança e investimentos, proporcionando um equilíbrio financeiro eficiente.
“Um bom planejamento financeiro é aquele onde o seu estilo de vida seja preservado ao longo dos anos e te proteja em momentos de incerteza”, explica Beatriz Maluf.
Mapear suas necessidades atuais e futuras, além dos seus desejos, é essencial para enfrentar a mudança para o campo de forma menos caótica.
Não caia na romantização de uma migração para o interior
As regiões interioranas e rurais são vistas a partir de uma nostalgia ou sentimentos bucólicos, e essas idealizações nem sempre condizem com a realidade.
“A romantização nos leva a acreditar que a mudança resolverá todos os problemas da vida moderna, como o estresse e a correria“, afirma Patricia Strebinger. Acontece que uma vida no campo ou em uma pequena cidade traz seus próprios desafios.
Para evitar frustrações, é muito importante entender a realidade do local, como vivem as pessoas e de que forma você pode contribuir positivamente ao fazer parte da comunidade.
“É uma maneira de criar um sentimento de pertencimento e encontrar um propósito em meio a essa mudança”, sugere.
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