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Para entender a emergência climática, é importante saber que somos natureza
Emergência climática se agrava por causa de falta de conexão com a natureza (Foto: Shane Rounce/Unsplash)
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Entre o fim de abril e o início de maio de 2024, o estado do Rio Grande do Sul foi atingido por uma intensa tempestade. As fortes chuvas fazem parte de um amplo cenário que o planeta inteiro enfrenta: a emergência climática. Em um sistema de causas e consequências, a humanidade acelera e intensifica as mudanças climáticas, que ameaça as diferentes formas de vida na terra.

Ailton Krenak, em seu livro A Vida Não é Útil, explica a relação das pessoas com o meio ambiente. Em um movimento que causa a erosão da vida, ‘estamos devorando alguma coisa enquanto passamos”. Essa coisa é a natureza, algo que a humanidade, especialmente, quem vive em cidades, enxerga de modo tão distante que não se considera parte dela.

“Para além da ideia de ‘eu sou a natureza’, a consciência de estar vivo deveria nos atravessar de modo que fôssemos capazes de sentir que o rio, a floresta, o vento, as nuvens, são nosso espelho na vida”, cita em seu livro. Mas muito pelo contrário, o comportamento humano sobre a Terra é tratar os recursos do nosso planeta como mercadorias, moldando-as ao seu querer.

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Desconexão com a natureza foi a porta para a exploração e a dominação

Subjugar a natureza à vontade do homem ocorreu de formas distintas e progressivas ao longo da história. Aliás, tais práticas foram e continuam sendo alimentadas por filosofias e pensadores. É isso que aponta Karina Miotto, jornalista e especialista em Ecologia Profunda, filosofia que defende a interdependência e importância de todos os seres da natureza.

Para exemplificar, ela cita o desenvolvimento da agricultura e as “revoluções” científicas e industriais. Segundo a especialista, esses eventos que moldaram o mundo são sustentados por ideias que continuam a ecoar. Ideias que tornaram a sociedade, especialmente, a ocidental, materialista.

Como consequência, o que é vivo torna-se objeto. “A gente começou a chamar a natureza, que antes era reverenciada por sua sacralidade, de recurso natural”, destaca. “A coisificação da vida disseminou e com isso houve uma desconexão emocional e espiritual imensa”, pontua.

Para ela, a reconexão inicia com o entendimento do papel do ser humano. “Ele precisa se colocar de novo no lugar de muita humildade e de perceber que não está no topo da cadeia da vida, ele faz parte da teia da vida”, ilustra.

Além disso, ela explica que se perceber como parte de um todo passa pela ideia da sacralidade da vida. “A lembrança dessa conexão vem com aceitar que todos os seres são sagrados, sencientes e têm vida.”

Segundo a especialista, fazer esse movimento é uma questão de sobrevivência. Isso porque esse modelo de pensamento que promove a desconexão traz prejuízos e ameaças para a vida.

A emergência climática, provocada por desmatamento, queima de combustíveis fósseis, poluições de rios, mares, e solos, e as suas consequências – como a extinção de espécies e o aumento do número de refugiados climáticos –, são alguns exemplos de danos do comportamento de exploração e dominação da natureza.

Desconexão causa impactos na produção de resíduos

Sacolas, garrafas e embalagens plásticas são itens comuns no dia-a-dia das pessoas. Mas além de estarem nas casas, elas estão nos mares, nos rios e na terra. Isso ilustra a poluição presente na natureza, além de mostrar a falta de sensibilidade do ser humano em relação aos impactos que provoca no planeta.

Segundo levantamento do Blue Keepers, somente o Brasil coloca 3,44 milhões de toneladas de plástico nos oceanos todos os anos. O material não é biodegradável e pode demorar até 500 anos para se decompor.

Rhariane Vieira, engenheira ambiental e diretora de projetos da Rede Sul, cooperativa de catadores de resíduos, aponta para uma falta de responsabilidade com relação aos resíduos que as pessoas produzem. “Estou na minha casa sem conhecer para onde o meu resíduo vai, ponho ele para fora da minha casa porque eu sei que a Prefeitura ou alguém vai passar e coletar”, exemplifica.

Com esse comportamento, espera-se que o lixo desapareça, mas ele não some de verdade. “As pessoas acham que esse material deve ir para outro lugar, mas não. A Terra é a nossa casa e a de todos os seres vivos e nós estamos gerando todos esses materiais dentro dela. De uma forma ou outra, ele está sendo armazenado em algum local”, explica.

Os impactos da emergência climática não são isolados

“Uma vez que você polui um ambiente, o serviço ambiental que ele consegue exercer é retirado”, explica Saulo Castro, educador ambiental. Como exemplo, ele cita um rio, que em condições saudáveis transporta matéria e vida. Entretanto, em casos de poluição há desregulação do papel ecológico que ele exerce. “Seja inorgânico por ali correr água e nutrientes para outras vidas, seja por ele abrigar muita vida e, uma vez poluído, essa diversidade de vida está comprometida”, explica.

O que leva a outra questão: os impactos ambientais não são isolados. Os ambientes e os seres vivos daquele habitat sentem não apenas os efeitos da interferência no meio, como também tem seus papeis ambientais afetados também.

Saulo trabalha com a preservação do peixe-boi marinho, que pode ser um exemplo de como a interdependência entre os elementos que formam a natureza funciona. O animal está ameaçado de extinção, principalmente por conta da degradação de habitats, e seu desaparecimento é um risco para outras espécies.

“Quando essa espécie é conservada, também estamos tentando preservar os outros animais que estão nessa casa ecológica”, resume. Além disso, ele destaca que não são apenas os animais que estão em risco. O local em que eles vivem também. “É essencial conservar os ecossistemas do qual o peixe-boi depende.”

Educação ambiental para emergência climática

O trabalho de conservação, entretanto, não se concentra apenas em profissionais da área. Saulo explica que com a educação ambiental é possível comunicar conhecimentos importantes para gerar engajamento das comunidades humanas.

O caso dos peixes-bois-marinhos mostra que qualquer cidadã ou cidadão pode agir, de algum modo, em prol da natureza. “Primeiro, tentamos repassar o mínimo de informações sobre o que fazer ao encontrar um animal encalhado, para onde ligar. Depois há outros estágios: conhecer o animal, a importância dele, entender seu papel no ambiente”, resume. Com essas informações, as comunidades podem auxiliar com mais consciência o trabalho de preservação da espécie.

O processo de educação pode ser diferente dependendo das especificidades e necessidades de cada ambiente ou comunidade.

Além disso, ele explica que não é um processo rápido, mas é algo fundamental. “Isso é uma parte muito interessante, é o que a gente pode fazer hoje. Acredito que a educação é uma coisa de médio a longo prazo, mas se nós não começarmos hoje, ela nunca vai ter esse ponto de resultado.”

Para melhorar a relação com a Terra, é preciso se conectar

Nesse sentido, é importante melhorar a relação com a Terra, o que para Karina Miotto significa reestabelecer a conexão com a Terra. “É lembrar desse eu ecológico, dessa interconexão. É lembrar que eu não sou uma coisa e o planeta é outra, que não sou um ser separado de nada na existência. Não somos superiores”, comenta. “Lembrar significa acessar dentro de si essa sensação profunda de conexão com os outros seres.”

Para isso, ela aponta que é preciso ir à natureza sem distrações. “Pega o telefone, coloca em modo avião, deixa quieto e só seja. Simplesmente seja, esteja ali. Permita que a natureza fale com você. Para lembrar, temos que aprender a ouvir”, explica.

Karina destaca a importância de estar atento e aproveitar as experiências. “Ouvir as águas, a terra, sentir a energia, em silêncio e sem distração. Assim, aos poucos, vamos lembrando. A mudança é sistêmica. É como se uma venda caísse dos nossos olhos”, destaca.

“Sentimos uma integração tão profunda com a natureza ao ponto de parecer que ela está falando. Nesse momento, você vai começar a pensar, ter insights, a perceber que se acalma quando vai para a natureza. A partir disso, vamos criando uma conexão emocional com a terra. A gente precisa fazer o resgate do amor.”

Algumas boas práticas para cuidar bem da natureza

Além disso, adotar algumas atitudes podem colaborar para a diminuição dos impactos causados pela emergência climática. Com a mudança de alguns hábitos, a sociedade pode, portanto, ter uma relação mais equilibrada com o planeta, além de mais responsabilidade sobre suas ações.

Rhariane destaca algumas práticas:

  • Separação de resíduos: divisão do que é reciclável e não reciclável, além de levar as destinações adequadas para cada tipo.
  • Compostagem: resíduos orgânicos como cascas de frutas e folhas podem alimentar uma composteira caseira. Como resultado, além de diminuir significativamente o volume de resíduos que passam pelos serviços de coleta, é possível ter adubo para plantas.
  • Água de reuso: caso da água da máquina de lavar, a que pinga do ar condicionado e as das chuvas, por exemplo. Use a água com sabão das máquinas para lavar áreas da casa, como quintais. Do mesmo modo, a água do ar condicionado ou das chuvas são perfeitas para regar suas plantas.
  • Educação de crianças: introduzir as crianças ao contato com a natureza desde cedo, além de ensiná-las sobre a responsabilidade que tem com o impacto que causam no planeta.
  • Você tem espaço para fazer um jardim? Aproveite para plantar espécies nativas, como o amendoim-forrageiro (Arachis pintoi), além de hortaliças, frutas e flores que atraem abelhas, borboletas e outros animais. É possível, em poucos metros quadrados, criar um jardim rico em diversidade de espécies e farto de alimentos de qualidade, consolidando um ecossistema próprio.

“Precisamos fazer a mudança que conseguimos. Não vamos conseguir salvar tudo que gostaríamos, mas podemos salvar o mundo de uma, duas, três pessoas ou animais. Então, podemos trazer essas mudanças”, declara.

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