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Mães empreendedoras: flexibilidade no trabalho traz vantagens e desvantagens
Vitolda Klein
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Quando se tornam mães, muitas mulheres optam por trabalhar de forma autônoma para ter uma maior flexibilidade de horários. A rigidez do horário comercial de muitos empregos limita as possibilidades de uma mulher que precisa cuidar dos filhos. Assim, o empreendedorismo parece, para muitas, ser a saída ideal para esse problema. A dificuldade, porém, é que a sobrecarga de trabalhos ocupa a rotina das mães empreendedoras.

Mulheres no comando e os impactos da pandemia no mercado

Quase metade dos negócios do Brasil são comandados por mulheres. São 10,1 milhões de empresas, sendo 52% delas coordenadas por mães. O dado é do Sebrae. A organização também contata que essas mulheres e mães empreendedoras passam 17% menos horas em seus negócios em comparação aos homens: com a divisão desigual de tarefas domesticas, recai a elas passar 10 horas semanais a mais cuidando da casa.

Para as mães empreendedoras, os anos da pandemia foram ainda mais complicados. Com o fechamento das creches, muitas autônomas tiveram que parar seus negócios. Foram um milhão a mais de empresas femininas fechadas, comparada com a dos homens que, mesmo alguns sendo pais, conseguiram manter seu negócio.

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Relato de uma mãe empreendedora 

Beatriz de Souza Silva Oliveira, gestora comercial e especializada em Marketing Digital, tinha 17 anos quando foi mãe. Natural de São Paulo, passou a gravidez trabalhando no centro da cidade. “Eu saia de casa às 4h30 da manhã para chegar às 08h no serviço”.

Quando seu filho completou 1 ano e 4 meses, se mudou de cidade e recomeçou a vida no interior, em um município de 40 mil habitantes, chamado Santa Cruz do Rio Pardo. “Quando me mudei de cidade, aí ‘o bicho pegou’, pois a minha família não veio junto”, relata Beatriz. Na época, o marido possuia um carro de propaganda volante.

Cuidar do filho, ao mesmo tempo que trabalhava, era um desafio: “a rotina com a criança junto não era fácil”, observa a mãe. “Eu trabalhava por volta de 10 horas em um carro, com barulho na cabeça, prestando atenção no trânsito e no filho que estava no banco de trás”.

Em 2021, o casal investiu na publicidade visual. Mesmo com a mudança de área, e o emprego que a permite trabalhar de casa, a rotina não deixou de ser cansativa: “além do trabalho, existe a questão da casa, pois o serviço não para: almoço, jantar, limpeza da casa”, exemplifica a profissional.

Beatriz relembra um dia em que chorou de soluçar, com saudades da família. “Então a ficha caiu e percebi que o trabalho estava roubando meu tempo com as pessoas mais importantes da minha vida”, desabafa.

Consequências emocionais da sobrecarga nas mães empreendedoras

A maternidade ainda é um dos fatores que mais acentua as desigualdades de gênero no mercado de trabalho. É o que explica a psicóloga com viés feminista Lavínia Palma: “As mães resolvem empreender, pois acreditam que essa atividade vai facilitar a dupla ou tripla jornada, mas o que acontece na prática não é bem assim”.

A profissional explica que o custo psíquico para uma mulher estar no mercado de trabalho é muito alto, e as principais consequências emocionais de uma mãe empreendedora são a exaustão, a sobrecarga, a culpa, o sentimento de insuficiência, a ansiedade e o burnout.

“Eu diria que a culpa é o sentimento mais presente”, aponta Lavínia. “Essa mulher que tem filhos e tem um projeto de vida ou um trabalho, vai sempre sentir culpa. Quando tiver trabalhando, vai sentir culpa por não estar com o filho, e quando tiver com o filho, vai sentir culpa por não estar trabalhando”, explica a psicóloga.

Rede de apoio é fundamental para que as mães se permitam o autocuidado

Outro fator que sobrecarrega a mulher é a falta de tempo para o seu próprio autocuidado. “A nossa sociedade sequestra o tempo das mulheres”, explica Lavinia. “Se a gente está fazendo muitas coisas, dando conta de muitas coisas, a gente não consegue se cuidar”.

Para a profissional, é importante ressaltar que essa indisponibilidade para momentos de lazer e descanso não são uma falta de planejamento ou vontade das mães empreendedoras, mas sim a falta de uma rede de apoio que possa compartilhar as tarefas do dia a dia.

“Para a mulher se cuidar e ter descanso, ela não consegue fazer isso sozinha. Ela precisa de uma rede de apoio que, em geral, vão ser outras mulheres, para que ela possa fazer esse momento do autocuidado”, explica a psicóloga. Paras muitas mães, essa rede de apoio pode ser as opções pagas, seja a escola, uma babá ou uma doméstica.

A orientação que a psicologa sugere para que as mães empreendedoras tenham mais leveza ao lidar com a rotina é se cercar de outras mulheres na mesma situação. “Quando ela entende que outras mulheres vivem coisas parecidas ou iguais ao que ela vive, aquilo ali tem um efeito terapêutico incrível”, sinaliza Lavínia.

É possível colher benefícios do empreendedorismo a longo prazo

Patrícia Sávio Ceola é mãe, empresária e escritora. Hoje, com seu filho adulto, ela percebe os efeitos de ter investido em sua carreira, mesmo durante a maternidade. “Eu tive uma educação totalmente diferente, com uma mãe que não trabalhava e eu via que ela não era feliz. Eu sabia que eu precisava me realizar para que construísse um lar feliz”, lembra.

A profissional confessa que equilibrar casa, trabalho e família é um desafio, porque mesmo com a divisão de tarefas, a mulher é a mais sobrecarregada. “Acaba pesando um pouquinho mais para mim. Eu tenho essa consciência. Mas eu já tive questões muito sérias de ansiedade e pânico, então hoje eu sei que não posso me sobrecarregar além do que aguento”, relata.

Patricia relata que teve muita ajuda de seu marido e de seus pais, além de incrementar sua rotina com momentos de meditação e atividades físicas. “Eu me priorizo. A casa às vezes está precisando de um de uma manutenção maior, mas é a última coisa que eu faço. A questão é se priorizar e tentar se organizar dentro do possível”, explica a empresária

Segundo a profissional, a primeira coisa que as mulheres precisam ter consciência é que merecem sua realização profissional. “Merecemos seguir o nosso propósito e entender que somos prioridade”, aponta.

Com o tempo, sua família, inclusive filhos, podem se inspirar na mãe. “Claro que às vezes eu olho para trás e penso, ‘poxa, eu gostaria de ter tido mais tempo’, mas foi o que era possível para mim. E hoje, como adulto, eu sei que meu filho tem orgulho de mim. Ele fala isso”, finaliza Patricia.

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