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Vai ter feira
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A feira é tradição em boa parte das cidades. Essa venda de frutas, carnes e verduras, em meio ao vai e vem da rua, nunca sai de moda (ainda bem!)

Muitos de nós têm memórias ligadas à feira de rua. O cheiro das frutas, do pastel (ah, o pastel!), o burburinho dos feirantes. Os anos passam e as feira seguem. “Vão acabar”, dizem os mais pessimistas, justificando que numa vida digital e moderna não haveria espaço para uma tradição antiga. A boa nova é que os dados mostram o contrário.

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Elas não só seguem, como também estão se diversificando, apontando para um caminho de escolhas cada vez mais amplo para quem compra. Um dos movimentos atuais mais fortes é o aumento da quantidade de pequenos fazendeiros que vendem direto para o consumidor. Só para se ter uma ideia, em 2012, o estado de Nova York (EUA) contabilizou um recorde no número de agricultores: a quantidade tinha mais que dobrado na última década, aumentando de 235 em 2000 para 521 em 2012.

Reconexão com os alimentos

Nos Estados Unidos, no começo do século 21, os praticantes desse tipo de negócio, feito sem intermediários, eram mais de 7.864 – 60% a mais que no início dos anos 2000. O impulso tinha se dado, principalmente, na maior cidade do país. Especialistas atrelavam o aumento desse mercado, chamado farmer’s market, a uma busca dos nova-iorquinos por um contato maior com o alimento – uma reconexão com o produto, uma tentativa de ligação mais direta com a natureza.

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Justamente quando a tecnologia mudou radicalmente a nossa forma de compra (com aplicativos e pedidos feitos pelo computador), adquirir o alimento direto do produtor se tornou uma tendência no cenário culinário – e não só em Nova York, claro, mas em outras grandes cidades do mundo, de Paris a São Paulo. Embasado por uma nova geração de consumidores cada vez mais consciente do que coloca no prato, o movimento ganhou força e alterou inclusive a configuração da venda de alimentos frescos.

Consumo diferenciado

Segundo pesquisas da consultoria J. Walter Thompson Intelligence, em vez de comprar legumes e hortaliças nas grandes cadeias de supermercados, o consumidor tem cada vez mais resgatado o papel dos mercados de agricultores e lota as feiras em busca do mamão maduro ou dos ovos de galinha caipira. Em plena ascensão tecnológica, a feira continua, sim, atual.

Não é de hoje que as pessoas têm mudado sua maneira de adquirir as coisas: elas costumam comprar verduras e legumes, por exemplo, apenas quando cozinham, visitam mais de uma loja para encontrar ingredientes (em vez de fazer uma viagem semanal para estocar a despensa, como era praxe de seus pais) e querem ter informações sobre a procedência dos alimentos.

Uma forma de sociabilidade

Ao comprar com mais frequência, evitam desperdício, e impulsionam um estilo de vida em que acreditam – o de fomentar a economia no entorno. A sensação de comprar do dono, a busca por produtos locais e o senso de comunidade passaram a ser mais determinantes na hora de levar para casa um quilo de batatas e um ramo de rúcula. Por aqui, foi esse comportamento que fez com que as nossas feiras livres resistissem firmes e fortes ao avanço dos supermercados, que se espalharam pelas grandes metrópoles.

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Frente às grandes prateleiras de marcas com milhões para investir em sua imagem, as barracas mambembes de madeira onde são dispostos ovos em cartelas de papelão, frutas em papel de seda e peixes embrulhados em jornal se mantiveram de pé. E, hoje, tornaram-se mais cult e imprescindíveis do que nunca. Isso porque a feira é uma tradição urbana que representa também uma experiência eloquente da maneira como convivemos e utilizamos o espaço público, vivenciando um ambiente cheio de sons, movimentos e muita cor – algo em falta nas relações nas grandes cidades.

Feira com mais de 100 anos

Em São Paulo, a maior cidade brasileira, elas já passam dos 100 anos de regulamentação, quando a feira livre ganhou o formato que mantém até hoje: nas ruas dos bairros, em que feirantes montam suas barracas para colocar seus produtos à venda para a comunidade. Atualmente, a cidade ainda conta com mais de 850 feiras regularizadas – um símbolo de resistência.

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Historicamente, elas surgiram nos primeiros núcleos urbanos, estrategicamente localizadas nos entroncamentos das principais rotas comerciais, o que favorecia o fluxo e a troca de mercadorias. “As feiras eram detalhadamente planejadas, organizadas e executadas. Embora nelas fosse transacionada toda sorte de gêneros, havia dias específicos para o comércio de determinadas mercadorias: fazendas, couros, peles”, explicam Antônio Hélio Junqueira e Márcia da Silva Peetz, no livro 100 Anos de Feiras Livres na Cidade de São Paulo.

Preços acessíveis

Os autores também defendem o papel político das feiras, característica que as acompanha desde a Europa renascentista, quando eram palco de reivindicações e manifestações, especialmente no que dizia respeito a mudanças nas práticas e costumes vigentes sobre o comércio de alimentos. “Nessas oportunidades, o povo se rebelava com frequência e regularidade contra produtores e mercadorias, reivindicando preços razoáveis e ofertas regulares”, complementam. Foi apenas no Brasil, e em alguns países de colonização hispânica, como o Chile e o México, que as feiras foram denominadas “livres”, em referência ao fato de as mercadorias nelas comercializadas serem, em sua maioria, isentas de pagamentos de impostos, o que sempre permitiu a prática de preços mais acessíveis.

A feira é festa

Para o chef Raphael Despirite, do restaurante Marcel e do projeto Fechado para Jantar, em São Paulo, a feira é uma festa, uma celebração do espaço público. “Tem sempre o japonês do pastel, uma barraca de carnes com sol batendo no fígado de boi e tem frutas e legumes em uma variedade razoável. Só na feira eu encontro poejo, uma erva sensacional para cozinhar, que a tiazinha da barraca adora receitar como remédio”, diz. Para ele, o lugar é um oásis nesses tempos de modismos gourmet, que nos coloca de volta com os pés na realidade da comida de verdade, sem afetações. “A feira proporciona um pouco de realidade gastronômica”, acredita Despirite. “Dá para ter uma mínima ideia do que está na época, por exemplo, e encontrar bons peixes”, afirma.

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Aproveite a feira

Despirite é tão apaixonado pelas feiras que criou uma lista de como aproveitá-la ao máximo. Tudo isso no melhor estilo Michael Pollan, jornalista americano que escreve sobre comida: “Compre legumes baratos. Desconfie das frutas, normalmente são tão caras quanto em qualquer supermercado. Compre peixes. Cuidado com carnes e frango (os métodos de armazenamento não são dos melhores). Coma pastel. Leve dinheiro. Seja feliz”. Dicas valiosas para ajudar a desfrutar dessa grande celebração que é a feira. Quando as barracas estão montadas e os primeiros clientes começam a chegar ainda cedo, todo dia é dia de festa em alguma parte da cidade. Há pelo menos um século sempre foi assim.

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