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Lições para quem costuma ser desconfiado com tudo
Brooke Cagle | Unsplash
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Neste artigo:

Boas oportunidades podem surgir de repente? Sim. Oportunidades ruins, também. É tudo uma questão de pesar experiências e aprendizados que recheiam nossa bagagem. Reinaldo Polito aproveita um causo vivido em uma de suas viagens para mostrar os riscos dos julgamentos precipitados e as vantagens de se abrir para o inesperado.

Toda vez que alguém hesitava em tomar decisões na minha casa, meu avô entrava com um velho jargão: “Quem não arrisca não petisca”. A minha avó, zelosa com a imagem do marido, não perdia oportunidade para admoestá-lo: “Você sempre diz a mesma coisa. Será que não conhece outro ditado só para mudar de vez em quando?”.

Ele sorria, e sacava outra de suas pérolas favoritas: “Em time que está ganhando não se mexe”. Caíam na gargalhada e a discussão morria ali.

Com essa brincadeira, meu avô procurava tirar a turma da zona de conforto. Sabia que muitos não iam nem para frente nem para trás por causa das experiências negativas que tiveram ao longo da vida.

Havia o receio de experimentar o novo e, também, os desafios que essas “inciativas ousadas” poderiam representar. De maneira geral, decidiam por não fazer com base apenas em suas predisposições, sem analisar bem todos os aspectos que cercavam as novas empreitadas.

Fiz parte desse time. Como não ouvi os conselhos do velho Polito, precisei aprender sozinho, com os meus próprios erros.

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Medo de arriscar

Tinha por princípio dizer ‘não’ para muitas das propostas que me faziam, e só concordava quando percebia que os argumentos do interlocutor eram mesmo irrefutáveis.

De vez em quando, ficava um pouco preocupado com o exagero desses prejulgamentos. Pensava que agindo assim talvez pudesse estar perdendo bons negócios.

Logo em seguida, entretanto, passava a considerar que havia a compensação de que com essa atitude defensiva estaria me livrando de algumas armadilhas. Como nem tentava, nunca deu para saber.

Comecei a mudar de atitude depois de uma experiência bastante curiosa.

Meu modo aventureiro

A história ocorreu em uma de minhas viagens ao exterior. Um amigo pediu que eu trouxesse certo rádio portátil para ele dar de presente ao seu pai. Para a época, tratava-se de aparelho sofisticado com todas as bandas e alcance em praticamente todos os países.

Logo que chegamos em Nova Iorque, para me desincumbir da tarefa, entrei em uma das inúmeras lojas de eletrônicos da 5ª Avenida. Quase caí de costas quando soube do preço – duzentos dólares. Uau, essa grana toda por um radinho portátil?!

Quem já tentou atender a encomendas nas viagens compreende que esses detalhes acabam por atrapalhar os passeios. Eu sabia que estava sendo enganado pelo vendedor espertalhão, mas, para me livrar da incumbência, mandei embrulhar.

Nossa programação foi muito bem planejada, principalmente porque o dinheiro era curto. Depois de Nova York iríamos para Buffalo, na fronteira com o Canadá. Na sequência passaríamos por Chicago e retornaríamos a Nova York, que seria a nossa última parada antes de regressarmos ao Brasil.

Planejamento é planejamento, certo? Estava tudo no esquema. Como voltaríamos para o mesmo hotel em Nova York, deixamos no locker uma mala grande com roupas usadas, as compras e tudo que não precisaríamos levar.

Descobrimos a besteira que havíamos feito assim que chegamos em Buffalo, nossa primeira parada. Na correria acabamos por levar a mala trocada. Tudo o que seria útil ficara no hotel e só levamos o que era para ter ficado lá.

Uma excelente oportunidade

Ao chegarmos em Chicago, eles nos disseram no hotel que poderíamos aproveitar “uma excelente oportunidade”. Por ser fim de semana, se nos hospedássemos em um setor diferente do que havíamos reservado, nos concederiam desconto de quase 50%. Uau, um desconto desse para quem estava com dinheiro regulado era um presentão.

Nesse momento entrou em ação meu espírito desconfiado. Eu disse à minha mulher: “Sei não, isso não está me cheirando bem. É mamata demais, ainda por cima partindo de americanos. Vai ver que o quarto é um pardieiro lá no fundo, com algum tipo de desconforto”.

Mesmo com a pulga atrás da orelha resolvi ver como eram os aposentos. Para nossa agradável surpresa o aspecto se mostrou bem acima das expectativas.

Durante a madrugada, porém, acordei com o som de uma música que tocava em volume bem elevado. Fiquei irritado e comentei: “Eu tinha razão. Sabia que estavam armando alguma arapuca. Eles nos colocaram aqui em cima dessa espécie de danceteria e vamos ter de aguentar este barulho infernal até amanhã”.

Quando já estava com o telefone na mão para pedir que nos tirassem de lá, ouvi mais atentamente e descobri que o som não era de nenhuma danceteria – ele saía de dentro da mala. Provavelmente, com os deslocamentos da bagagem de um lado para o outro, o bendito rádio de duzentos dólares que eu havia comprado para o meu amigo ligou sozinho.

Lições para um bom desconfiado

Nem preciso dizer que rimos muito com aquele episódio. Depois, com calma, me recriminei. Afinal, prejulguei somente baseado em minhas próprias experiências equivocadas de um bom desconfiado.

Concluí que, provavelmente, sem saber, por causa de atitudes semelhantes, havia cometido inúmeros enganos.

Decidi que talvez pudesse mudar meu jeito de ser e começar a analisar de maneira mais adequada as propostas que viessem pela frente. Sem prejulgamentos apressados.

Ah, e para concluir a história do radinho. Um dia após ter retornado ao Brasil, fui rápido levar o rádio para o meu amigo. Antes de entregar, a intuição me disse para lhe fazer uma pergunta: “Quanto imagina que paguei pelo aparelho?”.

Ele respondeu que um amigo havia comprado no free shop do aeroporto por 65 dólares. Achava, entretanto, que lá nos Estados Unidos devia ser mais barato. Talvez uns 35 ou 40 dólares.  Engoli em seco para não demonstrar surpresa e dei a boa notícia ao meu amigo: “Nem uma coisa nem outra, você não vai pagar nada, esse rádio é um presente”.

E assim, embora aquele belo desconto que conseguimos em Chicago tenha ido junto com o radinho do meu amigo, valeu pelo aprendizado para não me contaminar com prejulgamentos e predisposições.

Leia todos os textos da coluna de Reinaldo Polito em Vida Simples.


REINALDO POLITO (@polito) é mestre em Ciências da Comunicação, palestrante, professor nos cursos de pós-graduação em Marketing Político e Gestão Corporativa na ECA-USP e autor de 34 livros que já venderam 1,5 milhão de exemplares em 39 países. Sua obra mais recente é “Os Segredos da Boa Comunicação no Mundo Corporativo”.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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