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A Filha Perdida: o tabu da não-maternidade
Netflix/ reprodução
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Neste artigo:

A palavra tabu vem da Polinésia, do tonga “tapu“, e quer dizer proibição, censura, perigo. Refere-se a algo sagrado para uma cultura, que não deve ser tocado. Construímos padrões de comportamento, convenções sociais, preceitos religiosos e questioná-los é como mexer em algo precioso e sagrado. Como se a manutenção das relações pessoais e sociais dependesse deles para se perpetuar. E dependem mesmo. Desconstruí-los se configura numa ameaça capaz de fazer desmoronar os mais sólidos pilares sociais. Depois disso, ninguém consegue parar o efeito dominó e adeus às relações de poder pré-estabelecidas.

No campo da ficção, o cinema nos convida, com frequência, a olhar para os tabus e colocá-los à prova sem precisar, à primeira vista, sair da zona de conforto.

É o primeiro passo para enxergar padrões por outro ângulo e, quem sabe, trabalhar na mudança de comportamento, se ela fizer sentido.

E normalmente faz. A Filha Perdida, primeiro longa dirigido pela atriz Maggie Gyllenhaal, traz à tona o tabu da maternidade, naquela faceta bem diferente do viés tradicional da maternidade como uma condição fundamental para atender às expectativas da sociedade, da família e da condição existencial da mulher no mundo.

Maternidade

Adaptado no romance de Elena Ferrante – que sempre traz um olhar crítico e íntimo acerca do universo feminino e da sua função social -, A Filha Perdida conta a história da Leda (Olivia Colman e Jessie Buckley), uma mulher divorciada que sai de férias sozinha e vai para a Grécia. Na praia, fica observando uma mulher mais jovem cuidando de sua filha pequena e nos convida a fazer o mesmo. Os flashbacks vão mostrando o que passa na cabeça da Leda e fica claro seu desconforto.

É como se ela revisitasse a própria vida através da história da Nina (Dakota Johnson) e fizesse suas confissões: ser mãe não era um desejo.

Para muitas mulheres, ser mãe faz parte do pacote da existência. Sentir-se completa e realizada só é possível vivendo esse papel social, pessoal, familiar da maternidade. Mas, para outras, é um fardo, uma imposição ao casamento, um tabu intocável que sufoca e faz a vida maternal ser um grande teatro. Viver esse papel feminino da doação do corpo, do tempo, da mente, da disponibilidade, da profissão para pertencer e ser aceita torna-se uma prisão.

Tudo isso pra dizer que o cinema nos impulsiona para dentro da intimidade da narrativa do outro, convidando-nos olhar para nossos próprios tabus e preceitos intocáveis para, então, sair da zona de conforto. Gyllenhaal constrói um filme intimista, ao mesmo tempo delicado e sem meias palavras, dando-nos a oportunidade de mexer nas convenções coletivas em prol da individualidade de cada um.

Bom garimpo!

A FILHA PERDIDA (The Lost Daughter), de Maggie Gyllenhaal, com Dakota Johnson, Jessie Beckley, Olivia Colman, Ed Harris, Peter Sarsgaard, Paul Mescal, Jack Farthing, Oliver Jackson-Cohen, Alba Rohrwacher | EUA, Reino Unido, Grécia, 2021 | drama | M 16 | 2h01min | Netflix

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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