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Passeando pela cidade
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Que tempos admiráveis estamos vivendo… Pelo menos em termos de tecnologia. Eu estava pedalando pela ciclovia da Rua Pedroso de Moraes em direção ao Parque Villa Lobos (SP), com fones de ouvido e o iPhone acomodado em uma bolsinha especial, acoplada ao centro do guidão de tal maneira que eu podia acompanhar meu desempenho esportivo pelo aplicativo Runtastic, ao mesmo tempo que ouvia a trilha para bicicleta  do Spotify. Moderno, eu… Foi quando tocou o celular. O sistema interrompe automaticamente a música e informa quem está chamando. No caso, a chamada também não era por telefone, e sim por outro aplicativo, o FaceTime, que permite que você não só fale com a pessoa, mas também a veja.

Quando liberei a chamada com um leve toque no próprio fone de ouvido, vi a carinha alegre da Melissa, minha filha que mora em Londres. Ela é uma pessoinha muito alegre, sorridente, mas eu, que a conheço desde seu primeiro dia neste planeta, sei decifrar a qualidade dos sorrisos, e aquele era especial, ela deveria ter algo muito bom para compartilhar comigo. E tinha. Quatro horas à minha frente, ela estava visitando o Tate Modern, o museu de arte moderna encravado às margens do Tâmisa, lugar que um dia foi uma central elétrica de Londres. Os ingleses adoram dar novas ocupações a prédios antigos, e fazem isso com muita eficiência e classe. Foi quando ela me disse, em inglês:  “Hi daddy, I was just wondering… Ainda que eu entendesse o que ela estava querendo dizer, a interrompi, brincando, e perguntei: “Em que sentido?” Wondering, em inglês, significa algo como ponderar, especular, pensar firme sobre algo. Só que também existe a palavra wandering, que muda uma vogal, mas a pronúncia é exatamente a mesma, e significa passear, andar meio sem destino, equivalente ao francês flâner, flanar livre por aí. Ela pensou um pouco e disse: “Both!” ambos.

De fato, ela estava passeando pelo Tate, um lugar em que você vai passando de sala para sala esperando as surpresas, que sempre aparecem. Naquele momento, a Melissa estava vendo uma exposição do Piet Mondrian, o pintor holandês que deu impulso à arte abstrata no começo do século passado, e até hoje é considerado vanguardista. Invertendo a câmera de seu smartphone, ela me deu uma visão geral da exposição, e continuou: “Eu estava passeando por aqui e pensei se um curso rápido de arte moderna não iria colaborar no meu projeto, afinal, tudo se refere às formas” – ela estava estudando cinema em Londres, e tentava estabelecer uma relação entre mais de uma forma de arte, o que é muito comum.

Nossa conversa progrediu e concordamos que ela faria uma imersão – não tão rápida que fosse superficial, nem tão longa que atrapalhasse seus estudos. Na verdade, ela não precisava de minha autorização para fazer mais um curso em Londres, a não ser por um motivo, o “paitrocínio”… Quando nos despedimos e desligamos nossos aparelhinhos mágicos, a música voltou automaticamente e eu já estava entrando no parque.

Foi minha vez de ficar refletindo, além de continuar passeando. Me dei conta do quanto me ponho a refletir sobre vários temas cada vez que estou andando de um lugar para outro. São Paulo é uma cidade rica em variedades. Você passa de uma avenida para uma ruela simplesmente dobrando uma esquina e parece ter mudado de cidade. A diversidade de arquiteturas e de tipos humanos encanta quem tem o olhar mais atento, quem anda com o botão da sensibilidade ligado. Como sou bastante visual, me encaixo nesse perfil. Adoro andar pela cidade observando e, muitas vezes, aprisionando uma cena em uma fotografia, às vezes compartilhada, na maioria das vezes não.

Consultando o catálogo

Quando me mudei para cá, há uma década e meia, fui alertado por todos que o grande problema de São Paulo é o deslocamento. Tudo é longe e o trânsito é caótico. E, de lá para cá, só piorou. Uma política governamental de estimular a indústria automobilística por meio de isenções fiscais e liberação abundante de linhas de crédito fizeram com que muitos brasileiros realizassem, finalmente, o sonho de ter seu carro. Louvável. Ou melhor, seria louvável se a estrutura viária fosse contemplada na mesma proporção. Mas não foi o que aconteceu. Ruas são alargadas e viadutos são construídos, mas a entrada de novos carros ganha disparado dessas soluções urbanísticas, incluindo o investimento em transporte coletivo. Tudo isso me levou a pensar sobre alternativas.

O carro está longe de ser o único, ou o melhor, meio de transporte em uma grande cidade. Para ficar no caso de Londres, não é incomum que os amigos ingleses da Melissa nem saibam dirigir. Lá, definitivamente, o automóvel é supérfluo. Claro, com a qualidade do metrô e dos famosos ônibus londrinos de dois andares, irritantemente pontuais, não tem lógica enfrentar o trânsito. Mas São Paulo não é Londres. Era preciso encontrar alternativas para andar pela pauliceia sem limitar o raio de ação nem enlouquecer de vez. Foi quando resolvi simplesmente abrir o leque. Considerar todas as opções. Simples assim. Por exemplo, por que não voltar simplesmente a caminhar? Tratei de recuperar esse hábito que, além de prático, é saudável. Tem até nome simpático: pedestrianismo.

A prática de caminhar, em qualquer situação. O pedestrianismo mescla a caminhada com meios de transporte de acordo com cada situação. Resolvi ser um usuário do táxi, que é bom e abundante em São Paulo (e agora com esses apps…). Quando ando de táxi levo várias vantagens. Vou mais rápido, pois, desde que com passageiro, o táxi está liberado para andar nas faixas de ônibus em determinados horários. Além disso, os motoristas, profissionais que são, conhecem caminhos alternativos (muitos já estão usando o tal Waze, que orienta as melhores opções), eu fico liberado para fazer outra coisa, como ler ou falar ao celular. E, além disso, quando ando de táxi tiro um carro da rua: o meu. O dele já estaria de qualquer maneira.

Ecológica colaboração. Mas o táxi, que é um transporte público, ainda que não coletivo, não é a única opção. Nosso metrô é ótimo, apesar de ter abrangência pequena para o tamanho da cidade. Os ônibus não chegam a ser londrinos, mas têm itinerários crescentes e têm sido pontuais. Você pode consultar o Moovit em seu celular para se orientar. E, claro, minha última paixão: a magrela.

Urbenautas

Ando pela cidade do jeito que é melhor em cada situação. Fui ver a abertura da Copa de metrô (e o encerramento também, no Rio), vou de Pinheiros a Higienópolis de ônibus. Ando pelo bairro a pé. Vou comprar pão de bicicleta. Estou ansioso com a linha 17 do metrô, que vai me levar – por cima das avenidas, e não por baixo – até Congonhas. E, quando é melhor, uso meu carro, sem culpa. Quando viajamos para outra cidade, estudamos o melhor meio de transporte e, na viagem, tratamos de buscar aprendizados e prazeres. Pode parecer estranho, mas, quando andamos pela cidade, também viajamos. Somos todos urbenautas, viajantes urbanos.

O termo foi criado por um garoto chamado Eduardo em Curitiba quando, nos anos 90, resolveu explorar a cidade. Conheceu 8 mil ruas e dormia na casa das pessoas. Soube que está para repetir a experiência para ver o que mudou nesses anos todos. As cidades são vivas, nascem, crescem, pulsam, sofrem, se alegram. Mas as cidades somos, acima de tudo, nós, os cidadãos. Andar por minha cidade, não importa por que meio, me permite vivê-la de verdade, criar vínculos. Quando ando por aí, trato de imaginar como a cidade poderia ser melhor, mais bonita e mais humana. E também o que posso fazer por ela, que é minha mãe e minha filha.

EUGENIO MUSSAK escreve aqui desde 2002. De lá para cá, já andou pela cidade dos mais variados jeitos.

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