Cem dias de felicidade
Eu estava em Lisboa para o casamento de amigos queridos, em 12 de junho do ano passado. Nesse dia, peguei um trem para fazer uma surpresa para minha melhor amiga, que mora na cidade do Porto. Adoro andar de trem e fiz a viagem ora lendo, ora admirando a linda paisagem das vilas portuguesas.
Eu estava em Lisboa para o casamento de amigos queridos, em 12 de junho do ano passado. Nesse dia, peguei um trem para fazer uma surpresa para minha melhor amiga, que mora na cidade do Porto. Adoro andar de trem e fiz a viagem ora lendo, ora admirando a linda paisagem das vilas portuguesas. Quando cheguei, quase matei minha amiga Carol do coração. Jantamos juntas, comemos uma caldeirada de frutos do mar, enxugamos uma garrafa de vinho verde e depois ficamos até de madrugada conversando e comendo chocolates. Foi um dia tão lindo, tão perfeito, cheio de coisas que me fizeram sorrir. No final dele, entrei no Instagram, postei uma foto abraçada com ela e coloquei as hashtags: #100HappyDays #Day1.
Essa hashtag faz parte do projeto 100 Happy Days (cem dias felizes), que conheci nas páginas de Vida Simples. Quando olhei o site da iniciativa, uma frase me chamou a atenção: ?Que tal ser feliz por cem dias? Você não tem tempo para isso, não é mesmo!??. Achei engraçado pensar que podemos ?não ter tempo para ser feliz?. Na página, havia a informação que cerca de 71% das pessoas que começavam a jornada não terminavam. Não acreditei muito nessa estatística. Por que alguém iria resistir em ser feliz? Por que é tão difícil fazer isso por cem dias? Para mim aquele era um convite: ?Hey, bora ser feliz por cem dias!??. E minha resposta óbvia: ?Opa, demorou! Cem dias só!??.
Fiquei muito empolgada mas logo percebi que talvez a estatística do site fosse real. Ao falar sobre o projeto, ouvi frases como ?nossa, que preguiça!? ou ?o problema é achar um motivo todos os dias.? Fiquei surpresa em perceber que tanta gente achava difícil ? e até penosa ? a proposta de ser feliz por cem dias. Será que é tão impossível assim?
Essa tal felicidade
No livro Felicidade (Companhia das Letras), Eduardo Giannetti faz uma reflexão sobre os dilemas morais e existenciais da felicidade na forma de diálogos entre quatro amigos. O tema permeia o pensamento filosófico há séculos. Muitos acreditavam que, com o avanço tecnológico, seríamos mais e mais felizes. Em uma dessas conversas, os amigos tentavam entender: o que havia dado de errado para que o ideal iluminista de contentamento não tivesse sido alcançado? Afinal, nunca em toda nossa história tivemos melhores condições e expectativas de vida. Temos conforto, segurança e possibilidades de desenvolver e alcançar nosso potencial de uma maneira nunca antes imaginada por nossos antepassados. Por que, então, dentre os milhares de dias que vamos viver, sentimos que é tão difícil nos propor a encontrar um único momento de alegria? Me cadastrei no projeto, criei uma hashtag pessoal (#ShineHappyDri) para ajudar a categorizar minha experiência e escolhi o Instagram para publicá-la. A foto abraçada à Carol foi a síntese da minha felicidade naquele dia.
Não demorou muito para me habituar a reconhecer os momentos gratos. Apesar do primeiro dia nessa jornada ter sido bem atípico, logo percebi também que, na maioria das vezes, o que me fazia bem eram pequenos detalhes do cotidiano, coisas singelas, hábitos diários. Por exemplo: quando puxo a minha hashtag na busca do Instagram, vejo que tenho várias imagens do meu grupo de literatura e outras tantas de momentos caseiros lendo livros ou assistindo a alguma série na TV. Tenho retratos com amigos, com a família, saindo para minha corrida matinal ou tomando um sorvete.
Claro que nem tudo nesse processo foi céu azul e filhotes fofos de gatinhos. Tive dias difíceis, que foram desafiadores: com notícias terríveis, de doença e desânimo. Mas aprendi a identificar pequenos momentos de gratidão mesmo nesses dias negros. E, assim, a brincadeira de treinar o olhar para esses prazeres singelos passa a fazer parte da rotina, mesmo quando não viram foto com uma hashtag. No avião de Portugal para o Brasil, por exemplo, abri o potinho de frutas do café da manhã e encontrei cerejas. É minha fruta favorita. Na hora pensei: ?olha, meu momento Happy Day!?. Mas o celular estava no compartimento de malas. Esse instante não foi postado, mas ficou guardado comigo. É bobo, eu sei, ficar animada com cerejas. Mas o que posso fazer? Cerejas me deixam feliz!
Muitas vezes achamos que a felicidade está apenas no extraordinário. Talvez, por isso, algumas pessoas sintam que pode ser difícil cumprir o projeto. Se pensarmos assim pode ser exaustivo ter tantos dias de euforia e adrenalina. Cem dias pulando de paraquedas, andando nas Muralhas da China e fazendo safaris na África? Eu tenho certeza que essas atividades devem trazer muita satisfação, mas também sinto preguiça de pensar em tantos dias tão extraordinários assim.
Nas pequenas coisas
O que aprendi ao longo desse período é que a maior felicidade mora nas coisas mais simples da vida. Eu sei, parece um belo clichê. E talvez seja mesmo. Mas os clichês também são verdades. Coloquei a hashtag #100HappyDays na busca do Instagram, e qual minha surpresa ao constatar que milhares de pessoas compartilham esse grande clichê de encontrar a felicidade nas pequenas coisas? Vi gente com seus amigos, com bichos de estimação, experimentando um esmalte novo, comendo pêssegos frescos, deitada na grama, estudando, trabalhando.
O filósofo David Hume diz que nenhum homem jamais seria infeliz se ele pudesse alterar os seus sentimentos. Se pensarmos na rotina como algo maçante e banal, é difícil mesmo se sentir animado. Felicidade é uma percepção subjetiva. Mas é também algo, acredito eu, que permeia cada segundo da nossa vida. Cabe a cada um olhar, reconhecer e alterar os sentimentos.
A internet está cheia de projetos e pequenas brincadeiras, que buscam mudar esse olhar da rotina. No Facebook vi desafios diversos: falar três coisas boas do seu dia por uma semana, postar cinco fotos em preto e branco ou flores no perfil dos amigos. São iniciativas que estão nos chamando para perceber o dia a dia de um jeito mais belo e leve. A internet muitas vezes se transforma em um muro de lamentações, com tanta revolta. Acabamos contaminados e fica bem difícil encontrar contentamento no meio disso tudo. Acredito que ações como o #100HappyDays contribuem para melhorar esse enorme espaço comum. Você tem sempre duas opções para falar do seu dia: pode reclamar sobre o que deu errado, ou ser grato por algo que lhe fez bem. Por que não postar coisas que façam as pessoas sorrirem? Menos ranço, mais afeto.
Bem, eu consegui terminar o projeto. Fui até o fim, não pulei um único dia. Cumpri minha parte. Na semana final, fiquei triste quando percebi que ia acabar. Paradoxal, não é mesmo? Estava tão acostumada àquilo, me apeguei tanto à brincadeira de tirar foto, colocar as hashtags, reconhecer os sorrisos dos meus dias e ser grata, que senti uma dorzinha por estar perto do término. É como aquele livro que a gente não quer acabar. Senti vontade de recomeçar. De entrar no site e colocar #Day1. Mas acho que a proposta da brincadeira é essa mesma. É como um treinador, um coach por cem dias. A experiência acabou, a felicidade não.
ADRIANA ROSSATTI vira e mexe ainda usa a hashtag #ShineHappyDri e posta fotos de seus momentos de alegria.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login