Nem Deus nem o Diabo, o apego mora nos detalhes
Muitas vezes, o apego aos detalhes é o nosso medo de seguir em frente falando mais alto, nos ajudando a procrastinar sem sentir culpa.
Muitas vezes, o apego aos detalhes é o nosso medo de seguir em frente falando mais alto, nos ajudando a procrastinar sem sentir culpa.
Outro dia, após a centésima reunião de um projeto que não sai do lugar, parei e me perguntei: por que isso está acontecendo? Se tem algo que me deixa angustiado é inércia onde eu esperava movimento. Entretanto, por mais que eu tentasse, através de videoconferências sem fim, o projeto permanecia imóvel. Entendi que quem precisava se movimentar era eu. Afastei-me para ver com clareza e por mais paradoxal que possa parecer, só de longe percebi: o problema estava nos detalhes. Ou melhor, em pessoas apegadas excessivamente a eles.
Calma lá, ser detalhista é bom, não? Preferência de 9 entre 10 pessoas em entrevistas de emprego, é um adjetivo associado a coisas boas. Deus está nos detalhes. A frase muitas vezes atribuída ao arquiteto Mies van der Rohe – que a utilizava com frequência – é originária de uma interpretação da Bíblia hebraica, segundo a qual a perfeição depende de cada detalhe, inclusive nos menores. Por outro lado, há quem concorde com outra linha de pensamento, atribuída a Nietzsche. Nela, quem mora nos detalhes é o diabo.
Deus ou o diabo?
Eu não acredito que nenhum dos dois possa morar lá. Porque não há espaço para isso. Detalhe é palavra de origem latina, derivada da palavra taliare – cortar, dividir. É pedaço ou parte. Quem se fixa demais no detalhe acaba perdendo o todo. O que nos leva de volta ao início dessa conversa.
Estávamos perdendo tempo e energia no projeto discutindo o detalhe do detalhe. Coisas que, a princípio, por serem uma parte do todo pareciam importantes, mas se tornaram tão pequenas que viraram desimportantes, sem ninguém se dar conta. Como quando você dá tanto zoom em uma foto, que ela deixa de ser uma imagem significativa e passa a ser apenas um borrão ou um tanto de pixels coloridos.
Você já se viu em situação semelhante a essa? Em que o foco nos menores detalhes nos tira a dimensão e a importância do todo? Se você está observando a situação de fora, fica fácil perceber quando o zoom foi longe demais e o apreço pelos detalhes virou apego. No entanto, se você é a pessoa apegada, pode precisar de ajuda pra notar o que está acontecendo. Ou então, buscar sempre se questionar quando perceber que está se demorando muito na discussão de detalhes: é mesmo importante para o todo ou está desviando a atenção do que realmente merece?
Muitas vezes, o apego aos detalhes é nosso medo de seguir em frente falando mais alto, nos ajudando a procrastinar sem sentir culpa. É uma cilada que preparamos para nós mesmos. Então, vale a pena também se perguntar: estou me apegando aos detalhes por medo de avançar? Na atenção excessiva aos detalhes e no famoso perfeccionismo não moram nem Deus, nem o Diabo, e sim nosso medo do julgamento e da vergonha que supostamente virá se permitirmos que o projeto se desenvolva, seja finalizado e entregue.
Ir aos detalhes é dividir em pedaços menores e dar atenção às partes, mas só faz sentido se não te impedir de ver e agir sobre o todo.
TIAGO BELOTE é fundador e curador de conhecimento no CoolHow – laboratório de educação corporativa que auxilia pessoas e negócios a se conectarem com as novas habilidades da Nova Economia. É também professor de pesquisa e análise de tendências na PUC Minas e no Uni-BH. Seu Instagram é @tiago_belotte. Escreve nesta coluna semanalmente, aos sábados.
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