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A escrita à mão como meio de reencontro com o momento presente 
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No livro “Desenhando letras”, a autora Juliana Moore explica que o estudo, a memorização e expressão acontecem de forma mais orgânica quando escrevemos à mão.

Já tem anos que algumas práticas manuais foram se perdendo ou sendo substituídas pela tecnologia. Deixamos de ler um livro em papel para lê-lo em um aparelho que simula o papel. Economizamos passos utilizando aplicativos que nos aproximam do que queremos. Para muitos, a própria letra se tornou uma desconhecida – e quando nos atrevemos a pegar um papel e uma caneta, logo sentimos dor ao escrever. Dependendo da fase escolar, o caderno deixa de fazer parte da lista de material básico e dá espaço para um tablet ou notebook. Práticas que pessoas com 20 e tantos anos ou mais conheceram ao longo da vida, tornaram-se vintage, para usar um termo simpático.

Na contramão de celulares cada vez mais elaborados e computadores superpotentes, com teclados confortáveis para uma digitação mais fluida, chega às livrarias Desenhando letras: escrita, caligrafia e lettering (Ed. Sextante), escrito por Juliana Moore, especialista em design de tipografias. Conta ela que, apesar do ato de escrever — nem que sejam bilhetinhos — tenha se perdido. Há um aumento no número de pessoas interessadas em treinar caligrafia e lettering. É uma busca pelo reencontro com a arte de se comunicar pelo papel, que nos aproxima do presente e do que estamos sentindo. “Estudos apontam que quando escrevemos à mão ativamos mais partes do cérebro do que quando digitamos. As ideias fluem com mais facilidade e rapidez, e expressamos nossos sentimentos e emoções mais livremente”, fala. E você, se lembra como é sua letra?

A escrita manual deixou de fazer parte do nosso dia a dia. Por que um livro sobre o tema quando os dispositivos estão cada vez mais avançados? Qual a importância do escrever à mão? 

Existe um movimento de resgate da escrita manual justamente porque os dispositivos tomaram nosso tempo e atenção, e ficamos cansados disso. As pessoas começaram a procurar por coisas com mais personalidade, contato, humanização. E a escrita tem tudo a ver com isso. A escrita à mão, além de sua função principal de comunicar, funciona também como prática de estudo e memorização, meditação e expressão. Ela nos conecta diretamente com os nossos pensamentos. Existem estudos sobre como a escrita manual — especificamente a escrita cursiva — funciona no nosso sistema cognitivo, concluindo que o nosso processo de aprendizagem acontece de forma mais orgânica quando escrevemos à mão

Como se reconectar com a escrita?

Acredito que ter um momento do dia para escrever, se dedicar. Quem curte produtos de papelaria pode testar papéis e canetas diferentes. E aproveitar esse momento, sem julgamentos, sem se preocupar se alguém vai ler, como está saindo a letra. Quem é estudante pode fazer seus resumos à mão. Enfim, como qualquer prática, é preciso fazer. E fazer com consciência.

Juliana Moore“Quando escrevemos à mão ativamos mais partes

do cérebro do que quando digitamos”.

Muita gente considera a própria letra feia. Existe isso mesmo?

Existe sim, e essas pessoas param de escrever à mão por não gostar da própria letra. Aí o que acontece? A letra piora. Muitas pessoas carregam esse estigma de letra feia desde crianças. Tudo depende do quanto de dedicação ao tema a pessoa teve ao longo da vida. Mas nunca é tarde para melhorar a própria letra, torná-la mais legível e agradável.

O que a prática da caligrafia e lettering pode nos ensinar?

A caligrafia e o lettering nos ensinam muitas coisas, pois são formas de arte. Disciplina, resiliência, paciência e constância, são consequência de uma prática frequente, seja caligrafando ou desenhando. Vivemos cercados de letras e não conseguimos ignorá-las. Já percebeu como não conseguimos olhar um texto e não ler? É quase parte do nosso corpo. E quando paramos para observá-las com atenção, descobrimos sua riqueza e história. É um caminho sem volta. Costumo dizer para meus alunos que depois que o bichinho da caligrafia te pega, você não consegue mais parar. Pela evolução deles — e por experiência própria — posso confirmar que não.

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