Como é viajar com os olhos de uma criança
Para um viajante mirim, não há perrengue. Só aventura, jeito diferente de fazer as coisas e histórias para contar
Então, numa curva da BR-101, segurei firme o volante. Notei meus dedos cobertos de pó amarelo. Com urgência, lambi um a um eliminando as salgadas evidências de um segredo meu: quando viajo, me abasteço com guloseimas de lojas de posto. Tipo salgadinhos de queijo com cheiro de chulé. Criancice, eu sei. É porque me fascina a liberdade de expressão e as emoções honestas da criança viajante. Tal como na véspera da expedição até as minhas origens pela Ferrovia da Zona da Mata (MG), quando senti cambalhotas na barriga e soube pelos tios que o nome era ansiedade. Ou borboletas no estômago. Primeira vez num trem, né?
Senti o mesmo quando cruzamos o Paraná até o Parque Nacional das Sete Quedas, onde um amontoado de água se apertava num desfiladeiro estreito e rugia formando as cachoeiras mais volumosas do… mundo! Em cima das pontes trombamos com um monte de gente manhosa e almoçamos num restaurante que tinha na parede a pintura de um guri chorão. Lá pelas tantas, soube que logo as cachoeiras seriam engolidas por um lago gigante, o da Hidrelétrica de Itaipu. E que dias antes uma ponte havia arrebentado ali com um punhado de gente em cima. Nossa viagem era um adeus. Emburrei também. E pensei que os adultos não dão bola para as coisas importantes até elas acabarem – aí viajam todos até elas causando o maior rebuliço.
A hora do embarque
As borboletas seguiam aparecendo sempre que lá em casa desciam as malas dos armários. Ou quando a gente avistava a primeira nesga de mar numa fresta entre as montanhas e sabia que agora a praia estava perto. Não era dessa ansiedade ruim dos adultos, mas daquela que vem quando a gente entra em carrinho de montanha-russa e, mesmo sofrendo, acha bom.
E se acaso despertar de madrugada durante o trajeto até a Bahia foi sufoco para os adultos, para mim foi só mais um feito para contar. Para nós, crianças, não há perrengue; só aventura e jeito diferente de fazer as coisas. Quando não tinha viagem, o jeito era ir para a floresta encantada, vulgo bosque-no-fim-da-rua. A mochila ia com lanche e walkman. E também virava valise secreta com almanaque, lupa e mais…
Entrei oficialmente na maioridade após atravessar os Andes com a cabeça no teto solar do ônibus. Então sintonizei a ansiedade dos adultos e suas formalidades. Mas elas somem rapidinho quando chega a hora do embarque.
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Juliana Reis é uma viajante em busca de histórias, pessoas, lugares e experiências que a modifiquem. @viagenstransformadoras
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