Cidades bunkerizadas
Torço pelo dia em que iremos olhar além dos muros, então, nos abriremos para a luz do sol e para a brisa
Torço pelo dia em que iremos olhar além dos muros, então, nos abriremos para a luz do sol e para a brisa
Sempre que posso caminho uns três quilômetros até uma praça aqui das minhas redondezas a fim de ver um pouco mais de vida. Um gramado com árvores espaçadas e um miolo de mata fechada, algo que parece ser um remanescente de uma área de preservação permanente, repleto de vegetação alta e verde escuro. Nas primeiras horas da manhã, sempre está vazia. Nos dias de mais movimento, há uma ou outra pessoa passeando com o cão.
Em um desses passeios matinais, encontrei com um dos moradores de frente à praça. Ele sai cedinho, leva o cão para fazer cocô na mata e, posteriormente, cobre com folhas. E ele reclamou: “A prefeitura tinha que dar jeito nisso aqui. Isso é um reduto de bandidos que se aglomeram para usar drogas”.
Por que viver em bunkers?
Olhei ao redor com tristeza. Não tinha ninguém além de nós dois e dos nossos cães. No cesto de lixo quebrado, algumas garrafas vazias. Talvez alguém tenha estado ali a noite. Talvez… Não havia nada que identificasse que algo muito ruim acontecera ali. Pelo contrário, a luz do sol entrava pela copa das árvores, iluminava o gramado com tons de dourado e criando cenas da mais pura beleza. Mas, do que será que esse senhor tem tanto medo?
Nem os adolescentes do colégio a uma quadra dali aproveitam a praça. Seria reconfortante ver a molecada estirada na grama batendo papo, jogando baralho, escrevendo cartas, namorando. Seria alegre ver pais e mães brincando com suas crianças, colorindo o verde. Ah, e como seria divertido ver jovens, ou nem tão jovens, jogando bola.
Mas não. Escolhemos viver em bunkers. E por que será? Mesmo com tanta ciência dizendo o bem que as áreas verdes fazem para nossa saúde física e mental, preferimos viver trancafiados: de casa, para o carro, para o escritório, para a escola. Passemos o dia no shopping ou em qualquer outro lugar sem sol ou sem vento, onde não há dia ou noite. Substituímos o frescor das árvores e da água pelo ar-condicionado. Preferimos comprimidos aos benefícios do sol.
Em sua prosa poética, Khalil Gibran, muito antes dos cientistas mostrarem que quem vive perto de áreas verdes está menos suscetível a hipertensão e diabetes, por exemplo, disse: “Quem dera eu pudesse pegar suas casas nas mãos e, como um agricultor, espalhar cada uma pela floresta ou pelo prado”.
Além dos muros
Infelizmente, o poeta e filósofo libanês não é nada otimista: “Por medo, seus antepassados os fizeram viver muito próximos. E esse medo reinará por algum tempo. E nesse tempo os muros da cidade continuarão separando as lavras e os lares”. Tendo em vista a forma como seguimos planejando nossas cidades, com mais muros e concreto, a obra faz jus ao nome de “O Profeta”.
Mesmo sabendo que cidades em que há mais verde, mais beleza e mais circulação de pessoas, há mais segurança, insistimos em nos fechar. Mesmo sabendo que em cidades em que as pessoas caminham mais, há mais prosperidade, preferimos viver em bunkers.
Eu já trabalhei em um lugar sem janelas e posso dizer que o rendimento da equipe era bem abaixo do esperado, possivelmente causados pela tristeza e pela falta do horizonte. Em que momento nos separamos tanto da natureza?
Torço pelo dia em que iremos olhar além dos muros, nos abrindo para a luz do sol e para a brisa. E creio que bem lá no fundo, apesar de todo o medo, esse senhor que vociferou contra o verde da pracinha sabe bem o privilégio que tem: enquanto alguns abrem a janela nas primeiras horas da manhã e veem apenas concreto, do bunker dele a vista é linda!