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A impaciência é inimiga dos sonhos. Prejudica o nosso bem-estar, a convivência com o outro. É inimiga da vida.

 

Como educadora tive dificuldade em ensinar a paciência para o meu filho. Regras como “levante a mão e espere a sua vez”  e “não interrompa quando outros conversam” não são fáceis para a criança. Não apenas porque contraria o egocentrismo infantil, mas porque vai na contramão do mundo, bate de frente com os botões imediatistas da tecnologia. Nessa missão, lancei mão desde brinquedos de montar, como os legos — que ele nunca teve nenhum gosto especial — até aos mais radicais, como mosaico. Achei esse último um exercício perfeito para a paciência. Juntos, pintávamos desenhos com centenas de minúsculos quadradinhos coloridos. Ele achava tedioso, mas fazia.

O difícil mesmo era receber as críticas da plateia. Faz parte: o nosso entorno também tem uma palavra a dizer sobre a educação — principalmente quando se trata da educação do filho dos outros. “Torturando a criança?”. “E eu que pensava que o seu filho tirava partido do seu jeitinho meigo?”… Foi duro. Parecia que eu estava fazendo mal ao meu filho. Aceitei que “educar é difícil”, resisti às piadas e não desisti. Uma criança que exercitou a paciência terá mais chances de levar o aprendizado para a vida adulta. Assim minimizam-se os riscos de um adulto infantil e birrento.

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Muitos teóricos da educação denunciam esse fenômeno. Içami Tiba chamava a atual geração de parafusos de geleia: não aguentam apertos. Não suportam tédio, frustração, esperas. O fracasso nessa aprendizagem está à vista. Temos os exemplos recentes exibidos pela pandemia do Covid-19. Uns recusam-se a seguir os procedimentos de higienização, fazem birras para não usarem a máscara, tentam invadir estabelecimentos vetados. Assim como há os que chegam a orgulhar-se desses atos, encarnando uma tardia rebeldia adolescente.

Os males

E não se trata apenas de situações pontuais, o impaciente vive o inferno da frustração constante, com a porta aberta para a raiva. Ele enxerga tudo de forma negativa e nada o satisfaz. Se algo demora cinco minutos, ele exige dois. Tem sempre os olhos no passo seguinte e está sempre estressado e ansioso. Um estado permanente de alerta que maltrata e adoece o corpo e a mente. É verdade que há coisas inaceitáveis e que devemos lutar contra elas. Porém, há outras em que não há remédio, precisamos aceitar — e aceitar de coluna ereta, com dignidade. Saber qual é uma e qual é outra, já é outro departamento — faz parte do livro da arte de viver. Porém, o que já dá para adiantar é que esse discernimento não está acessível ao impaciente. E ele segue assim, desgastado pela tarefa de jogar escuridão onde já não existe luz.

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Má onda

O mal de sermos impacientes só perde para o convívio com outros impacientes. Conviver com eles não é fácil. São conhecidos como aqueles “que fervem em pouca água”, “os desatinados”, “os explosivos”. O que eles querem, querem agora, sem respeito e sem flexibilidade para com o outro. Mais do que uma não virtude, a impaciência também é vista como má educação. Afinal, chiliques na fila do embarque, explosões quando a mensagem não é imediatamente respondida ou quando o motorista à frente não avança no exato segundo que o sinal muda para o verde são considerados atos grosseiros e desrespeitosos.

Por isso, os impacientes, catalisadores de emoções negativas, são vistos com desconfiança e excluídos dos bons convívios. E essa rejeição é confirmada pela ciência. Há estudos que associam a impaciência à incompetência cognitiva e social. O assunto não é apenas sobre pessoas impulsivas que agem antes de pensar e vivem ao sabor das reações no aqui e no agora; são pessoas que se deixam levar por preconceitos e julgamentos rápidos. Elas não se aprofundam na informação que chega porque seu nível de atenção é baixo e seu pensamento é rígido. Portanto, estes não estão abertos a novas perspectivas e aprendizados. E a impaciência é igualmente danosa nas relações íntimas. A proximidade emocional — pré-requisito para a conexão com o outro — exige elasticidade e ritmo delicado.

Puxe o freio de mão

Como todas as virtudes, a paciência pode ser ensinada. Mas ela só se materializa na prática. E como se dá esse exercício? Com autocontrole. Assim que ela surge, deve ser neutralizada. Devemos refletir sobre situações que roubam o nosso equilíbrio e disparam o gatilho da impaciência.

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É preciso identificar e desarmar esses gatilhos. Uma boa estratégia é trazer para a cena o pensamento racional. Alguém do seu convívio tem um comportamento que tira você do eixo? Resolva. Uma conversa-acordo (em tempo de paz, bem entendido) é muito eficiente. Ou se não for o caso, questione-se. Será que a irritação com o outro faz sentido? É, claro, às vezes o racional não basta e nem tudo dá para mudar. Nesse caso, o mindfullness e as técnicas de respiração podem ser úteis para neutralizar os gatilhos. Elas acalmam a mente impaciente e trazem discernimento para a gestão emocional. Sim. São exercícios penosos. Mas na hora de passar pelas brasas podemos contar com a promessa de Rousseau que nos garante que a “paciência é amarga, mas seus frutos são doces”.

Mais um?

E nesse caminho, quais são os obstáculos? Muitos. É verdade que há o anseio por uma vida com mais qualidade. Veja a grande procura pela meditação, yoga, retiros, sabáticos e o estilo de vida slow. Há um regresso às tradições, às práticas que têm o tempo como ingrediente, como a fermentação natural do pão. Mas não chega, porque também vivemos uma sociedade que valoriza a eficiência e a velocidade.

Na vida de todos os dias somos ensinados e incentivados a sermos impacientes. Quem não ostenta o slogan “tolerância zero”? A vida moderna dissociou “esforço e resultado” e prega que é possível obter o que se deseja, o mais rápido possível e a qualquer preço. Na cultura do imediatismo, a ausência de resultados instantâneos é fonte de angústia. E mais do que isso, há o culto trazido pelo mundo virtual de que tudo está ao alcance de um simples toque no botão. E acima de tudo, vivemos na incerteza sobre o futuro, na ameaça dos vírus, na instabilidade econômica que trazem insegurança para a vida. Quando estamos inseguros, ficamos pouco flexíveis: queremos tudo do nosso jeito.

A cura vem da filosofia

Contudo, como não é possível eliminar a impaciência, o objetivo realista é diminuir os seus níveis. O exercício não serve apenas para evitar atitudes extremas da tolerância zero e níveis patológicos da impaciência. Ele faz parte da construção da felicidade porque a paciência é uma espécie de coragem que ajuda a suportar os reveses da vida. Ser paciente é ser forte, é exercer ativamente o poder sobre si mesmo.

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Para a filosofia estoica, a impaciência pode agravar todos os males do mundo. Mas quais são esses males? Doenças, necessidades do corpo e da alma, desejos enganosos, tédio, equívocos amargos, orgulho ferido, paixões que nos consomem, rejeição, esperanças vãs, trabalhos estéreis, solidão. Se você olhar bem verá que são males que nos perseguem desde o berço até ao leito de morte. Se não somos capazes de evitar a maioria deles, podemos, pelo menos não agravá-los com a impaciência. É por isso que Zenão de Cítio, fundador do estoicismo, classificava a paciência como a suprema sabedoria. Com a prática, somos compensados pelos seus frutos doces: o autodomínio, a posse de nós mesmos… a satisfação que vem da certeza de que somos donos e senhores da nossa casa. Ser paciente é ser sábio.

Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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