COMPARTILHE
Como identificar sinais de neurodiversidade
Diagnóstico de neurodiversidade é inicio de uma jornada de autoconhecimento (Foto: Milad Fakurian/Unsplash)
Siga-nos no Seguir no Google News

Transtorno do Espectro Autista (TEA), dislexia e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) são alguns exemplos da neurodiversidade, que abrange uma variedade de condições neurológicas e de desenvolvimento.

O tema da neurodiversidade entrou em alta, especialmente, pelo aumento no número de diagnósticos de TEA. De acordo com pesquisa do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), atualmente uma em cada 36 crianças nos Estados Unidos recebe diagnóstico relacionado ao Transtorno do Espectro Autista.

Entretanto, para especialistas, o crescimento no número de diagnósticos não significa um aumento no número de pessoas com esse transtorno, e sim mais precisão na identificação.

“O autismo sempre existiu, mas nós, enquanto sociedade, não estávamos prontos para ele. Agora, estamos conseguindo perceber algumas condições que sempre existiram, estamos revendo pressupostos sociais”, inicia Maria Luísa Magalhães, professora membro do Laboratório de Estudos e Extensão em Autismo e Desenvolvimento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ela também menciona outro fato que colaborou para o aumento do número de casos de autismo a mudança na forma de se fazer os diagnósticos.

“Na mesma proporção do aumento dos casos de autismo, houve uma diminuição do diagnóstico de outras condições, como deficiência intelectual. Então as pessoas estavam recebendo outros diagnósticos”, explica.

Apesar da dificuldade em consolidar estudos mais aprofundados, a ciência brasileira também relaciona a incidência de casos de autismo com a exposição a produtos químicos poluentes, como agrotóxicos e pesticidas agrícolas.

Um estudo publicado pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre em 2022, por exemplo, acompanhou moradores de áreas rurais e concluiu que há uma associação entre exposição precoce a agrotóxicos e autismo nessas comunidades.

Diagnóstico traz autoconhecimento

O diagnóstico das condições de neurodiversidade é o início de uma jornada, e não o final. “Ele não deve ser visto como uma sentença, e sim como uma luz que vai iluminar o caminho que a pessoa vai percorrer, trazendo mais referência, mais placas, mais orientação”, defende Maria Luisa Nogueira.

Alexandre Valverde, psiquiatra diagnosticado com TEA, faz coro à importância de um diagnóstico correto, uma vez que ele traz um maior autoconhecimento e amplia a noção sobre fatores estressores, sobrecarga emocional e outras questões, além de permitir lidar melhor com eles.

“Quando o diagnóstico é correto, ele traz uma clareza necessária para que a pessoa reorganize a vida, reestruture a sua história, e refaça suas narrativas em relação aos seus sofrimentos, aos seus comportamentos. Não se pode fazer o diagnóstico e deixar a pessoa solta no mundo, é preciso o acompanhamento profissional, que vai analisar como a pessoa evolui”, afirma.

VEJA TAMBÉM
Conheça mitos sobre o autismo e ajude a combater a desinformação
“Ninguém é normal”: livro aborda origens do estigma de transtornos mentais
Autismo: como adotar estratégias para criar filhos independentes?

Neurodiversidade pode ser confundida com outras condições

O psiquiatra lembra que algumas características, como hipersensibilidade e hiper reatividade afetiva, podem levar a confundir neurodivergência com outras condições, como depressão crônica, e transtornos de personalidade borderline, bipolar, de personalidade esterônica ou transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Esse cenário torna evidente a importância do diagnóstico correto.

Não adianta fazer testes na internet ou se comparar com amigos e conhecidos diagnosticados. Receber um diagnóstico equivocado de neurodivergência, em um momento de ultra-especialização dos diagnósticos, pode levar o paciente a percorrer um caminho pouco saudável.

O diagnóstico incorreto, somado com a falta de acompanhamento, cria muito estigma. A pessoa começa a se entender e a se ler a partir dessa lente, e isso pode se confundir ainda mais e confundir os profissionais que a acompanham. Além disso, pode levar ao uso indevido de medicamentos que podem trazer efeitos colaterais desagradáveis ou mesmo tóxicos, gerando ainda mais sofrimento”, alerta.

“Não quer dizer que uma neurodivergência não possa acontecer junto desses outros transtornos, mas temos que ter certeza para não trazer mais frustrações e efeitos adversos de um tratamento mal indicado”, defende.

Com as redes sociais e a internet, informações sobre neurodivergência circulam com mais facilidade, e as pessoas leigas podem se identificar com sintomas e padrões de comportamento.

O psiquiatra chama atenção para esse movimento de autoidentificação. Para ele, a sensibilização é importante, mas a mensagem deve priorizar a busca por ajuda profissional.

“A autoidentificação é válida, mas deve ser corroborada por profissionais sensíveis, que vão capazes de observar o paciente e confirmar ou não a sua condição”, afirma.

Saiba mais: O perigo da ‘overdiagnosis’ (medicalização) da ansiedade

Sinais de neurodiversidade

O psiquiatra explica que o funcionamento do cérebro neurodivergente modula o comportamento social, a capacidade cognitiva, a sensorialidade, a resposta afetiva e a expressão motora.

Dessa forma, uma pessoa neurodivergente apresentará diferenças no comportamento social e na forma que ela lida com o tempo e com o espaço dela.

Ele lembra que existem diferenças entre as neurodivergências, e sendo assim, elas possuem diversas maneiras de se manifestar.

“Estamos falando do autismo, da discalculia, da dislexia, das altas habilidades, do TDAH, da síndrome de Tourette e outras síndromes neurológicas. A forma de lidar com o espaço, e questões de sociabilização, ocorrem de uma forma no TEA, de outra nas altas habilidades, e de outra no TDAH”, explana.

No caso do TEA, ele exemplifica, há uma rigidez com relação ao tempo e espaço. Isso se manifesta, por exemplo, com a tendência à estruturação de rotinas e comportamentos repetitivos.

“Em crianças, podemos citar aquela que não gosta que mude o caminho para ir à escola, ou que não gosta da maneira como o quarto dela foi organizado”, explica.

Em adultos, observa-se um comportamento muito estrito em relação às rotinas diárias, e do modo como eles estabelecem seus cotidianos. Isso pode inflexibilizar alguns aspectos da vida dessa pessoa, como a dieta alimentar, que acaba se tornando muito restrita.

“Há pessoas que têm o hábito de sempre comer a mesma coisa, de ir ao mesmo restaurante, de pedir a mesma comida, de usar a mesma roupa, de pegar o mesmo caminho. Além disso, possuem dificuldade para mudanças”, exemplifica.

Em pessoas diagnosticadas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, ocorre o oposto: uma busca constante por novidades, espontaneidade e certo “caos” no cotidiano.

Neurodiversidade é acompanhada de comorbidades

Outro fator importante na neurodivergência é que ela costuma vir acompanhada de outras condições, chamadas de comorbidades.

“É muito raro uma pessoa ter uma condição única. Geralmente ela vem acompanhada de mais alguma questão. Então é muito comum, por exemplo, a gente ter autismo e TDAH juntos”, afirma Maria Luísa Nogueira.

Ansiedade, depressão, transtorno obsessivo compulsivo (TOC), assim como dislexia e altas habilidades também podem estar presentes. Essa condição torna ainda mais fundamental o acompanhamento adequado para o diagnóstico e o tratamento.

Diagnóstico na fase adulta

Diagnosticar a neurodivergência em adultos é um desafio adicional. Afinal, ao longo dos anos, as pessoas desenvolvem ferramentas que camuflam traços e comportamentos.

Conhecidas como “masking”, essas ações que camuflam a neurodivergência têm o objetivo de atender expectativas sociais. Mas podem trazer ainda mais insegurança e sentimento de inadequação.

“É comum que pessoas neurodivergentes tenham um senso de autocrítica, de autoexigência, de autocobrança muito grandes. Elas acabam tendo uma baixa autoestima porque não conseguiram se inserir adequadamente nos círculos sociais. Pessoas com altas habilidades, por exemplo, podem possuir um senso de autocrítica tão grande que não conseguem sequer apreciar as qualidades cognitivas dela”, destaca o psiquiatra.

Ele lembra ainda que os aspectos de neurodivergência não são relacionados apenas à cognição, mas também à afetividade.

Muitas vezes, a forma de demonstrar afeto é muito intensa, de uma maneira que outros podem ler como exagerada. Em outras ocasiões, pode acontecer um retraimento social muito grande, como se a pessoa fosse antissocial. No fim das contas, essas pessoas podem ter muita dificuldade de estabelecer relações.”

Conscientização para inclusão e diversidade

Para Maria Luísa, o melhor caminho a ser seguido para entender a neurodivergência e criar uma sociedade mais inclusiva é o da convivência.

“Precisamos ter intimidade com a diferença. A diferença é o que há de mais próprio da humanidade. É importante enxergar essas pessoas em todos os lugares. É direito delas. Temos que criar as ambiências, as acomodações que não estão disponíveis no mundo, para essas pessoas.”

➥ LEIA MAIS SOBRE NEURODIVERSIDADE
Tabata Cristine fala sobre autismo em mulheres
Neurodiversidade: os desafios da inclusão
5 perfis sobre neurodiversidade que você precisa conhecer

0 comentários
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

Deixe seu comentário