Quando chega a hora de cuidar de quem cuidou de nós
Quando nossos pais envelhecem e assumimos a missão de cuidar, nos deparamos com emoções mistas e situações inéditas que ressignificam o relacionamento em família; leia mais sobre o assunto no texto enviado pela assinante Ana Beatriz Barra
Ana Beatriz Lesqueves Barra, da comunidade Vida Simples, enviou para o blog Você + Simples um texto sobre cuidar dos pais quando eles envelhecem. Boa leitura!
Não conheço alguém, da minha geração, que tenha se sentido preparado para lidar com o envelhecimento dos pais. Posso apostar que pouco se conversou sobre esse assunto na sua família.
Em geral, nossos pais compartilharam muito pouco as suas experiências afetivas conosco. De nossa parte, me parece que estávamos muito ocupados com nossas próprias vidinhas, investindo no nosso futuro profissional e depois cuidando dos nossos filhos pequenos.
Mas agora nos vemos ávidos por informações que nos ajudem a entender e lidar com essa realidade, com nossa culpa e nossos ataques de impaciência. Com a inversão da posição de maior fragilidade que ainda nos parece estranha.
Até com a tentação de controle e autoritarismo, que desconhecíamos, que existe em nós. E pior, como elaborar as inevitáveis decepções diante da humanização dos nossos super-heróis?
Apesar desses sentimentos serem totalmente legítimos, nos enchem de decepção com nós mesmos. Isso porque estão ambiguamente misturados com nosso senso de obrigação, nossa gratidão, e, na maioria das vezes, com o nosso grande amor pelos nossos pais.
O envelhecimento chega em todas as famílias
Casos ainda mais complicados são daqueles filhos que não tiveram boas experiências com seus progenitores. Alguns não foram ou não se sentiram amados.
Por vezes, por pressão social, esses filhos – especialmente se forem mulheres – ainda podem se sentir obrigados a cuidar de pais que não gostam. De pais nos quais não se identificam, não valorizam, e que talvez até queiram nunca mais vê-los. Imagino que deva ser dificil demais.
Além de tudo isso, olhar para a nova fase dos nossos pais também é um espelho poderoso. Encaramos mais de perto a morte, a grande incoerência da vida, e a dependência, o grande medo do envelhecimento.
Sem dúvida a perda da autonomia é o maior desafio. Na minha família, e imagino que na sua também, pequenos acordos vão sendo firmados e renovados ao longo do tempo.
Vamos alternando entre confortar e controlar. E eles vão aceitando, ou se revoltando (rsrssr) a cada nova polêmica que surge. E quando achamos que está tudo apaziguado, perguntam de novo: “E quando vou poder voltar a dirigir?”
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Cuidar dos pais exige energia emocional
Porém, cuidar da fragilidade física deles é mais fácil. A deterioração mental é uma realidade muito mais dura, porque nos afasta daquelas personalidades que conhecíamos. Para os sortudos que tiveram pais ou mães “porto-seguros”, vivemos agora tendo muitas saudades de ser os que são cuidados.
E em relação a esse declínio, imagino que muitos, como eu, tinham a fantasia de que existia uma divisão clara entre o idoso estar ou não demente.
Então, se você ainda não tem pais idosos, te conto que, na verdade, a clareza do pensamento se vai aos poucos, muito devagar. Intercalado com esse declínio natural mais lento, interpõem-se frequentemente as graves pioras dos sentidos que acompanham as intercorrências clínicas.
E muitas vezes estas intercorrências mudam o patamar de cuidados exigidos, surgindo então um novo “normal”, com uma grande necessidade de reorganização. Haja energia e capacidade emocional para lidar com essas mudanças. E viva os irmãos!
Não tenho dúvida que é um grande aprendizado, que nos torna mais maduros e capazes de enfrentar outras dificuldades da vida. Definitivamente é nossa vez de sermos os adultos.
Mas acima de tudo é um preparo para a grande despedida, uma forma de ir perdendo aquela pessoa tão importante na sua vida aos poucos. Acho isso bom.
As páginas da vida deles vão descolorindo no nosso álbum, tomando os tons dos velhos registros e grandes memórias. Que tenhamos tempo para menos espantos e mais sabedoria. Afinal, é a nossa vez de fazer tudo por eles.
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Ana Beatriz Lesqueves Barra é médica, gestora, mãe de dois, conhecida por Ana ou Bia. Esse é o seu lado A. No “caminho do meio“, decidiu compartilhar suas histórias, o que ela tem chamado de “meu Lado B“.
Este texto foi produzido por uma pessoa assinante da Comunidade Vida Simples e publicado no blog Você + Simples. Escolha um de nossos planos e tenha a possibilidade de ter seu texto avaliado e publicado pela Vida Simples.
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